terça-feira, 26 de julho de 2016

David Gilmour em Pompeia: depois disto, não há mais nada para ver

Qualquer superlativo encontrado neste texto é pura realidade


Foi como um sonho. Um sonho bom. Um daqueles sonhos de onde não queremos acordar e quando o maldito despertador toca, metemos o snooze para tentar voltar ao ponto onde ficámos, nem que seja só por mais 5 minutos.

Podia dizer que "não há palavras para descrever" este sonho, mas como essa expressão é normalmente seguida de um longo discurso descritivo, vou poupar-vos a contradições retóricas. Há muito para dizer. Começo por vos confessar uma heresia: não costumo falar com Deus. Isso deve-se a vários factos que se sucederam ao longo da minha vida, entre os quais aquele penálti assinalado a um mergulho do Jardel, que me levou a concluir que Deus - a existir - estava a fazer um péssimo trabalho ao pactuar com injustiças daquele calibre. Hoje reconheço que talvez tenha sido injusto, uma vez que Deus naquela altura estaria mais preocupado a preparar os concertos no Royal Festival Hall.

O cenário em Pompeia exigia que eu voltasse a fazer contacto com Ele: eu estava à espera em pé há mais de 7 horas, debaixo de uma sauna de 35 graus e já tinha transpirado uma garrafa de água de litro e meio; no delírio do momento da abertura de portas, com o meu coração a mil e os carabinieri a ameaçarem quem corresse para o Anfiteatro das ruínas de Pompeia, eu falei com Ele e pedi-Lhe (falando a Sua língua) "please, please, please, let me get what I want this time" (presumo que Deus goste dos The Smiths). Queria ficar na fila da frente; queria ser, por uma vez na vida, um dos maluquinhos das grades.

O sonho tornou-se realidade.

David Gilmour ao vivo em Pompeia, visto da fila da frente. Como é que foi? Vou ser directo: foi o melhor dos melhores de todos os tempos, a milhas de distância do segundo classificado. Se me leram mais que uma vez, saberão da minha tendência para o superlativo, principalmente quando se trata de música. Mas acreditem, isto é diferente. Lembram-se das estórias de Paris e de Pula? Das melhores noites da minha vida e o camandro? Esqueçam. Foi tudo pulverizado por esta noite.

Foi tudo perfeito: a música, o espaço, o espectáculo de luz, lasers e fogo de artifício e claro, o spot frontal. Mas o toque de génio só chegou quando aconteceu o impensável: o David irritou-se. Tudo porque um grupo à frente gritava insistentemente por "Echoes", mesmo sabendo à partida que o épico de "Meddle" não iria ser tocado. David perdeu as estribeiras e deu um raspanete à audiência: "O Rick [teclista dos Pink Floyd] está morto, não vou tocar mais o "Echoes"". E por momentos ficou um ambiente esquisito.
Depois, aconteceu magia. Como mostra a História, é quando se zanga que Gilmour está no seu melhor. Outrora instigado pelas tensões com Roger Waters, ali pelo seu próprio público, David vingou-se na sua guitarra, golpeando-a a cada acorde em performances épicas de "Sorrow" e "Comfortably Numb".

Faltava o melhor da noite.

Depois do habitual ritual de despedida de David (chama a banda, fazem uma vénia conjunta e saem), este regressou sozinho para a frente do palco e, talvez apercebendo-se da importância do momento (foi o primeiro espectáculo com público desde que as ruínas foram desenterradas), David fez o que nunca o vira fazer: bateu palmas a um público que só pecou pelo entusiasmo a roçar no fanatismo.
Foi aqui que também eu tive o "meu" momento. Aos meus gritos histéricos de "I LOVE YOU, DAVID! I LOVE YOU, DAVID! I LOVE YOU, DAVID!", enquanto vestia um sorriso a tocar nas orelhas e gesticulava o lançamento do meu coração na sua direcção, ele deixou-se rir e fez uma vénia dizendo "thank you". Obrigado eu, David. Obrigado eu. Que tempo glorioso para se estar vivo.

Vamos pôr as coisas nestes termos: depois disto, sinto que já não há mais nada para ver.

(OK, entretanto já fui ao SBSR mas um que é um gajo há de fazer? Passar fome porque comeu o melhor bife do mundo?)

3 comentários:

  1. Esqueceste-te de contar a história do tuga que encontraste no rent-a-car do aeroporto que por acaso também tinha ido ao concerto. Ainda no dia 13 contei essa história mais uma vez.
    Por pouco não nos cruzámos outra vez do Royal Albert Hall, fui ao penúltimo dia.
    Despeço-me da mesma forma que há um ano e tal atrás: vemo-nos em Roger Waters!
    Abraço
    Rui

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    1. Opá, Rui <3
      Que bom ver-te aqui! Como é que deste com a minha tasca?
      Abraço!

      P.S.: Comprei uma t-shirt igual à tua pela net, enquanto estava à espera do avião ;)

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  2. Vi a crítica do filme no NiT e até chegar aqui foi só seguir o link. Pelo que li, percebique tinha de ser a mesma pessoa que encontrei em Roma :)

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