segunda-feira, 18 de julho de 2016

A noite escaldante de Iggy Pop

Ao segundo dia, o Super Bock Super Rock 2016 ferveu


Se a primeira jornada do Super Bock Super Rock 2016 tinha sido um pouco morna, a segunda noite do festival alinhou o diapasão com a temperatura que se fazia sentir junto ao Tejo — foi escaldante.
O Palco Super Bock começou com os Bloc Party, num concerto ainda a meio gás. Foi um início tépido com as bancadas despidas e uma plateia que não passava da mesa de som, onde só as filas da frente pareciam aderir. A reviravolta no marcador deu-se em "Banquet", o hit balsâmico de que todos estavam à espera para soltar voz e braços no ar. O entusiasmo manteve-se na recta final do concerto com "Helicopter" e "Ratchet" e, como na tropa, fica a sensação que só no fim é que o púbico ficou preparado para receber a banda de Kele Okereke.

Para o que ninguém estava preparado, era para o que viria a seguir. Em 2016, já não há muitas lendas do Rock para ver. Uns já nos deixaram, outros ficaram e murcharam, poucos valem o valor do bilhete que cobram. A organização do SBSR agarrou um dos poucos que sobram e esperava que fosse um dos pratos fortes do festival. Mas com certeza que não estava à espera do que se passou ontem.
Apresentando-se na sua indumentária habitual, ou seja, sem indumentária (devido àquela condição clínica que não lhe permite vestir uma t-shirt), Iggy Pop chegou e logo carregou a fundo no pedal com dois clássicos dos Stooges — "No Fun" e "I Wanna Be Your Dog". Cerveja a voar, Iggy a cuspir, público a saltar, mosh, crowdsurfing, este é o meu povo e é disto que o meu povo gosta. É só Rock N' Roll, mas nós gostamos.
Por esta altura, já o Meo Arena estava muito e bem composto. E quem disse que o Rock é coisa de homens? A plateia estava cheia de roqueiras giras e roqueiras giras são como as crianças: são o melhor do mundo.
Visivelmente injectado pela vibração que o público lhe retribuía, Iggy continuou prego a fundo numa auto-estrada insana de setlist, a passar por "The Passenger", "Lust for Life", "Sixteen" (todos do álbum "Lust For Life"), "1969" dos Stooges, ou "Sister Midnight" do (maravilhoso) "The Idiot", prólogo da trilogia de Berlim de David Bowie. Mas o ponto alto da noite estava guardado para o tema seguinte.  Iggy deixou o aviso: "I can't slow down, I'm not like you, I'm a real wild one". Quem olha para ele, um homem de 69 anos que levou uma vida a alta velocidade e que ainda aparenta ter mais gás que qualquer um de nós, percebe que ele não está a mentir. Está nos olhos dele e acima de tudo, está nas gloriosas pregas que apresenta no torso, cicatrizes de muitas batalhas travadas no passado. Depois do aviso, rebentou "Real Wild Child" e rebentou o motim no público. Pés no ar, mosh intenso — o meu primeiro desde que parti o pé em The Prodigy no Alive do ano passado (desta vez só rebentei os ténis) — e muita transpiração. A loucura total. O próprio Iggy mostrou-se surpreendido com a reacção e antes de acalmar os ânimos com o drum loop de "Nightclubbing" (mais uma malha de "The Idiot") disse e passo a citar: "fuck, fuck, fuck, fuck, fuck, fuck, fuck, fuck, fuckin' motherfuckers!". Tudo dito.
Iggy fechou o concerto com "Search And Destroy" dos Stooges e a casa voltou a ir abaixo (e eu dei um high-five ao Iggy!). Que Rei. Depois da saída da banda, Iggy ainda ficou no palco uns bons minutos a adorar o seu reino, em poses triunfais de quem percebeu ter feito uma coisa maravilhosa ali, naquele momento, em comunhão com o seu povo. Olhando à minha volta, todos pareciam contagiados por um sorriso idiota de quem também tinha percebido a importância daquele momento. Que concerto. Que noite. É para viver estes momentos que um gajo vive. Ao segundo dia, o Super Bock Super Rock 2016 a escaldar.

O Palco Super Bock fechou o segundo dia com os Massive Attack, acompanhados pelos Young Fathers. A banda de Bristol trouxe a Lisboa um espectáculo irrepreensível, hipnotizante, de longe o melhor a nível visual no SBSR e ainda conseguiu a proeza de pôr o Meo Arena a soar bem. Foi um espectáculo de 2016 para 2016: à mesma hora que acontecia um golpe militar na Turquia, já as projecções davam conta do sucedido no palco.
Foi um concerto dado para as bancadas (cheias), com os êxitos (poucos) guardados para o fim: "Safe From Harm" e "Unfinished Sympathy", docinhos para alegrar as hostes que só entraram em apoteose quando apareceu nos ecrãs que Portugal é Campeão Europeu. Foi bom, mas um anti-clímax para o que se viveu umas horas antes. Mas depois da descarga de adrenalina em Iggy Pop, o que se podia esperar?

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