sexta-feira, 10 de junho de 2022

Está na hora de coroar o rei Axl Rose e enterrar a mentira de Alvalade

Os Guns N’ Roses regressaram ao Passeio Marítimo de Algés no último fim‑de‑semana, casa talismã para Axl Rose, depois de dois concertos triunfais naquele palco, primeiro com os AC/DC em 2016 e depois com os Guns em 2017. Não vos posso trazer uma review do concerto porque, enfim, era um concerto dos Guns N' Roses e eu fiz a festa como se fosse 1992. Se quiserem saber o que aconteceu ao pormenor, podem Googlar as reviews de quem lá esteve e se lembra ao pormenor do que aconteceu. 

Do que vi, Slash confirmou mais uma vez que é Deus e os pontos altos foram os mesmos de 2017 — os épicos "Estranged" e "Coma". Axl viu-se à rasquinha nos agudos de "Coma", mas logo a seguir apareceu rejuvenescido a rasgar um impossível "Reckless Life", dos gloriosos tempos dos Hollywood Rose, Troubador e Whiskey A Go-Go. O homem é uma força da natureza e vai adiando todas as previsões de que já está acabado. Não tem a mesma força de 1992, quando corria pelo palco enquanto cantava "You Could Be Mine"? Claro que não. Mas ninguém pede isso ao Mick Jagger, sempre que os Stones dobram mais uma década (e já vão em 60 anos disto).  Porque é que o tio Axl tem que ser diferente? Já nem falo de outros vocalistas com a mesma idade de Axl, como o caso de Jon Bon Jovi, que se apresenta em palco com a voz num estado absolutamente lastimável. O tio Axl cumpriu muito mais que os mínimos olímpicos em Algés. E acreditem, é muito mais difícil agarrar um “Sweet Child O Mine” do que um “Jumpin' Jack Flash”.

Está por isso mais do que na hora de abraçar Axl Rose como a lenda do Rock ‘n’ Roll que ele é. E para isso, temos que desmontar um dos mais infames mitos que tem afundado a sua reputação em Portugal — a suposta "birra" de Alvalade, o propalado “grande falhanço” dos Guns N' Roses em Portugal em 1992. Com certeza já ouviram falar. 

Fora a desmesurada reacção na comunicação social, do qual se destaca uma inexplicável capa do Blitz que chamava Axl Rose de “MARICAS!”, quem lá esteve viu um concerto de Guns N’ Roses típico de 1992. A banda mais perigosa do mundo. Nunca se sabia o que podia acontecer. Uma hora atrasados? Duas, três? Era o prato do dia (em Lisboa foi uma hora de atraso, para que conste). O grande incidente da noite é conhecido e pode ser visto no vídeo de “Dead Horse”, lançado um ano mais tarde. Depois de Mike Patton dos Faith No More instigar o público a mandar garrafas para o palco, e do piso ser limpo no intervalo, houve quem continuasse a mandar líquidos para o centro da ação. E àquela hora, duvido que fosse água limpa, se é que me entendem. Quando os Guns entram com “It’s So Easy” e Axl Rose corre pelo palco adentro, como era seu hábito, ele escorrega e mergulha de boca no palco. Em vez de parar o concerto, que era o que faria mais sentido, pelo menos até perceber se estava bem, o comboio continuou a rolar e Axl cantou mais dois temas no chão (“Mr Brownstone” e “Live And Let Die”), até finalmente sair para o set habitual de Duff, que acontecia todas as noites, e que em Alvalade contou com "Attitude" e "So Fine". Os ataques a Axl reportam que ele “fugiu” ou “desapareceu do palco”, mas se virem o DVD oficial da tour, gravado em Tóquio, ambos os temas são tocados. Também nesse DVD, que mostra uns Guns inusitadamente lavadinhos e bem comportados para 1992, podemos ouvir longos solos de Slash e Matt Sorum — outro argumento bastante popular para criticar Axl, que supostamente obrigou a banda a fazer solos estendidos para ficar fora do palco. Mais um mito desmanchado. 

O outro incidente da noite aconteceu quando Axl parou "Civil War", ao ver alguns very lights voar no público. Tendo em conta o que se passou no Estádio do Jamor uns anos mais tarde, a preocupação do tio Axl era mais do que justificada. Toda a gente quer uma banda perigosa, mas ninguém quer este perigo, certo? Note-se que "Civil War" foi tocado na íntegra mais tarde no concerto. 

Com todas estas incidências, o próprio Axl já se referiu ao concerto de Alvalade como um dos mais difíceis da sua carreira. Mas mesmo contra todos os obstáculos, os Guns tocaram duas horas e meia e chegaram ao fim do espectáculo. O resultado foi um ódio sem igual em Portugal, ou no mundo, aos Guns N' Roses, com a tal capa do Blitz a insultar o tio Axl. Justificado? Temo que não. A razão para uma reacção tão desmesurada na imprensa? Não sei, mas posso adivinhar. Talvez a paixão pelas bandas grunge daquela época terá atirado os Guns para a prateleira dos uncool. Os Nirvana e os Guns estavam de costas voltadas em 1992 e num país cronicamente deprimido como o nosso, a redação do Blitz foi lesta a tomar partido neste conflito (felizmente a Britpop chegou pouco depois para contrabalançar esta depressão). Se fosse um Eddie Vedder a cantar dois temas no chão depois de uma queda aparatosa, tinha sido apelidado de statement. Com Axl Rose, foi uma birra.

Está por isso na hora de queimar este mito e abrir os braços a Axl Rose como o tesouro e o senador do Rock 'n' Roll que ele é. Mick Jagger, Robert Plant, Freddie Mercury, Axl Rose. Axl é um dos herdeiros naturais da dinastia do Rock, que parece estar cada vez mais em extinção. Apreciemo-lo enquanto o cá temos.