quarta-feira, 31 de maio de 2017

Abram alas à maior Rock 'n' Roll Star – Liam Gallagher está de volta

O Gallagher mais novo deu ontem o seu primeiro concerto a solo e apresentou uma série de novíssimos 'Liam standards'

"I am he, as you are he, as you are me and we are all together!". Nem podia ser de outra maneira – as primeiras palavras que Liam Gallagher proferiu como artista a solo foram a citar o seu maior ídolo. John Lennon não trazia nenhuma mensagem em "I Am The Walrus" (originalmente até foi escrito como um desafio aos professores que analisavam as letras dos Beatles), mas aqui Liam podia querer muita coisa: saudar os fãs que nunca o deixaram e marcaram presença no seu primeiro concerto a solo; homenagear as vítimas dos atentados de Manchester (no palco estavam 22 velas, uma por vítima), cujas famílias receberam a totalidade dos lucros do espectáculo (enorme Liam); simplesmente fazer de John Lennon, ou não se achasse ele a reencarnação do Beatle mais temperamental.
'I just feel the fucking bollocks man. Every time I sing I just feel really fucking good.'
Liam Gallagher
Estava tudo preparado. Nos stands de merchandising já se vendiam t-shirts que perguntavam "Who the fuck is Liam Gallagher?" (quero!) e a audiência já aquecera com temas dos Stone Roses no sistema de som. Sem mais demoras, Liam acendeu o rastilho da audiência com o tema que o próprio personifica: "Rock 'n' Roll Star". Imagens arrepiantes:



A setlist do primeiro concerto a solo reuniu a maioria dos temas mais Liam dos Oasis (todos escritos pelo mano mais velho) e ainda bem. É tão bom voltar a ouvir "slide in baby, together we'll flaaaaa-y"e "let me be the one who shi-a-ines with yooooou-a" por quem sabe cantar estes versos. Que saudades. E claro, só podia vir de Liam a coragem de tocar temas do tão odiado "Be Here Now", sendo que um deles até contou com a participação especial de Bonehead, guitarrista original dos Oasis. Pena que faltassem alguns números essenciais dos Beady Eye, nomeadamente os explosivos "Flick Of The Finger" e "Four Letter Word". No total, o espectáculo durou 13 canções, alinhadas da seguinte forma (com links e tudo, que maravilha):
"Fuckin' in the Bushes" (Oasis)
"Rock 'n' Roll Star" (Oasis)
"Morning Glory" (Oasis)
"Greedy Soul" (estreia)
"Wall of Glass" (estreia)
"Bold" (estreia)
"Paper Crown" (estreia)
"D'You Know What I Mean?" (Oasis)
"Slide Away" (Oasis)
"It Doesn't Have to Be What Way" (estreia)
"You'd Better Run, You'd Better Hide" (estreia)
"Universal Gleam" (Live debut)
"Be Here Now" (com Bonehead) (Oasis)
Encore:
"Live Forever" (a capella) (Oasis)

As músicas novas? Ainda é demasiado cedo para avaliar e a fonte está longe de ser a mais adequada. Como dizia Curt Smith há uns dias, quando questionado sobre a razão de os Tears For Fears não tocarem nada do álbum novo na sua digressão: "Não queremos que a primeira versão que as pessoas ouçam das novas canções seja uma má gravação de telemóvel". Liam não quer saber destas minudências e abriu logo o baú. Assim, com as devidas ressalvas, vou arriscar uma análise ultra-prematura aos novos temas de Liam Gallagher.

"Greedy Soul" foi a primeira do set de ontem e não engana – é malha. É um tema à medida de Liam ("and it's a long way dooooown!!"), na linhagem de canções como "Ain't Got Nothing" e "The Meaning Of Soul". Depois veio "Wall Of Glass", o primeiro single. Também aqui estamos em terrenos classic Liam – uma espécie de Rolling Stones revisited com aquele cheirinho psicadélico ao nível do que fez com os Beady Eye. O que, diga-se, ao contrário do que podem ter lido não é necessariamente insultuoso. Desmantelada a banda, podemos dividir o reportório dos Beady Eye num banco bom e num banco mau: o bom, cheio de canções a rasgar, normalmente atafulhadas na primeira metade do disco; o mau, com slows penosos que não são de forma alguma a praia de Liam (para isso precisa do mano mais velho). É tão exasperante ouvir estes temas como é ver o irmão Noel a tentar puxar os temas de maior andamento, que só Liam consegue agarrar. Mas para isso é que os irmãos se têm um ao outro, não é? Quando é que os manos percebem que são o perfeito complemento um do outro? Enfim, divago. Avancemos na setlist.

Como seria de temer, as coisas começaram a descer quando Liam começou neste registo slow de banco mau em "Bold"; valeu que a meio, o tema salta para um mid-tempo mais interessante. O pior viria a seguir com "Paper Crown", que não passou daquela mediocridade da balada standard Liamizada. Vá lá, miúdo. deixa-te disso, cinge-te ao que és melhor que ninguém. "D'You Know What I Mean?" levantou os ânimos e o inevitável, maior-que-a-vida, "Slide Away" foi o ponto alto do espectáculo.

"It Doesn't Have to Be What Way" recuperou tracção nos temas novos e "You'd Better Run, You'd Better Hide" e "Universal Gleam" (título que Liam queria dar ao último álbum dos Beady Eye) seguiram a trajectória ascendente nesta categoria a que podemos chamar de 'Liam standards'. Em nenhum deles Liam inventa a roda, mas convenhamos ninguém com o mínimo de sanidade estará à espera disso. Esperemos agora pelas versões de estúdio incluídas no novo álbum para formar um juízo mais bem fundamentado.

Mal posso esperar pelo novo álbum. Da minha parte, Liam pode contar sempre com mais uma chance. Foi ele quem me deu a mão quando tinha 14 anos, não conto largá-la jamais. Toda a sorte do mundo, Rkid. Nunca te esqueças do que me ensinaste: "in my mind my dreams are real".

quarta-feira, 24 de maio de 2017

E ao sexto dia, Deus criou Manchester

 Como a cultura de Manchester salvou a minha vida e como a querem matar

Amo Manchester. Amo-a profundamente, não pela sua beleza, mas pela sua alma. Para quem vive e adora viver em Lisboa, não é fácil apreciar Manchester. Ali não há praia nem sunsets, até porque não há sun; quem lá vai à espera de encontrar arco-íris e unicórnios, vai embater de frente com a realidade cinzenta da cidade. À primeira vista feia, triste e austera, a cidade esconde porém uma cultura de afirmação positiva sem paralelo – um oásis de rosas de pedra onde as ruas são frias e solitárias, mas os beijos dados por baixo das pontes metálicas são mágicos e à noite nos podemos sentir como uma estrela de Rock N' Roll. Se acharam a frase anterior desconexa, mas sentem que já ouviram isto antes (parem-me!), então devem ter percebido que comecei aqui algo que não sei se consigo terminar. Passemos, pois, ao assunto: esta é a história de como a música de Manchester salvou a minha vida (não literalmente, Mãe; está descansada).

Eu tinha 14 anos e não me identificava com nada em meu redor. Vivia num quotidiano casa-escola-casa solitário, sem rumo nem guia, de uma desorientação típica adolescente. Até que um dia ouço uma música (e como todas as revoluções na minha vida, esta também começou com uma música). A música chamava-se "Rock 'n' Roll Star" e respondia a todos os meus anseios. Era tudo tão simples – "Tonight I'm a Rock 'n' Roll star". Porque sim. Porque "na minha cabeça, os meus sonhos eram realidade" e se eu quisesse, podia ser tudo. E assim abri a porta à cidade que salvou várias vezes a minha vida e à cultura com que eu, finalmente, me pude identificar – a música de Manchester.

Muitas vidas mais tarde, fui finalmente a Manchester. Visitar o lugar de onde saíram os nossos heróis é uma jogada de risco; a expectativa é alta e a cidade pode não corresponder à imagem que criámos ao ouvir a música. E eu não escondo que o meu primeiro pensamento foi "como raio uma cidade tão fria pode fazer música tão quente?". O que vale é que nos pubs está sempre calor.

"E ao sexto dia, Deus criou Manchester" – pode ler-se à porta do Afflecks, um dos mais icónicos lugares da cidade, em pleno coração do Northern Quarter. Aqui acredita-se piamente que Manchester é um lugar mágico e sagrado. E não é para menos. Afinal este é o lugar que deu berço às bandas mais cool da história do Rock: Oasis, The Stone Roses, The Smiths, Joy Division, New Order, James; outras menos cool mas com igual sucesso como Simply Red, Take That, The Hollies e The 1975 e outras menos conhecidas mas de igual pujança como os Buzzcocks, The Fall, Happy Mondays, A Certain Ratio, The Durutti Column (e restante legado da Factory Records e de Madchester). Só neste bocadinho enumerei 15 bandas saídas da capital mundial do estilo.

Gostei tanto de Manchester, que voltei logo a seguir para ver The Stone Roses – heróis da cidade e símbolos maiores da sua cultura (reparem na t-shirt que usei para a minha foto na NiT) – e ali deixei parte do meu coração. A que trouxe comigo, partiu-se esta semana a ver aquelas imagens horripilantes de um lugar onde eu já fui tão feliz.

É a mesma história do Bataclan. Estão outra vez a querer atacar o meu, o nosso, modo de vida. Agora doeu ainda mais, porque atacaram o lugar onde tenho parte do meu coração, porque atacaram a geração mais nova, porque atacaram o oásis da cultura da positividade. Mas estão com azar. Em Manchester, por pior que as coisas pareçam, há sempre alguém que se levanta e diz que "I am the resurrection and I am the life". Manchester é vida. Não é assim que a vão matar.


quinta-feira, 18 de maio de 2017

Chris Cornell, a estrela que era um de nós

A memória dos Soundgarden no Hyde Park

"Devem estar todos aqui para ver os Black Sabbath. Mas não faz mal, nós estamos aqui para o mesmo". Foi com esta nobreza e humildade que Chris Cornell saudou a audiência no Hyde Park em 2014, quando tive o privilégio de ver os Soundgarden abrir para os Sabbath. Já era fã de Chris, o vocalista – dono de um vozeirão de potência hercúlea; fiquei imediatamente fã de Chris, o homem.

Chris Cornell era um de nós. Um rocker como eu e milhões mais, que gostava de Beatles, David Bowie, Black Sabbath, Led Zeppelin, Bruce Springsteen, Pink Floyd, Metallica, U2... Se tivéssemos andado juntos na escola, seríamos amigos. Fazemos parte do mesmo grupo, sentimos a música da mesma forma; idolatramos os nossos artistas preferidos da mesma maneira, porque são "eles" que nos acompanham no nosso quotidiano, nos altos e baixos, na saúde e na doença e naquela lenga-lenga toda que o padre canta no casamento. Aliás, não deixa de ser curioso que seja com "eles" o mais sólido e eterno dos matrimónios que alguma vez contraímos.

Chris também queria ser um "deles". No início de carreira, Chris despedia-se do público com um bazofe – "Boa noite, nós somos os Black Sabbath" –; era a expressão de um sonho. Os Soundgarden acabariam por ganhar fama mundial, primeiro quando correram o mundo a abrir para os Guns N' Roses, depois com o êxito global de "Black Hole Sun"; mas nunca tiveram o reconhecimento que mereciam.

De todas as bandas de Seattle (que adoramos chamar de Grunge), os Soundgarden eram a mais completa. Apresentavam uma fusão de Hard Rock britânico, Metal californiano e Psicadelismo Floydiano, que resultava numa amálgama de música quente do deserto asfixiada dentro de uma cave fria de Seattle. Há uma ansiedade na música dos Soundgarden, uma vontade de sair, um desejo em explodir que não pode ser mais reprimido. O desejo é reforçado pela voz mastodôntica de Chris Cornell, que parece estar sempre à beira de rebentar. Como a minha, sempre que (tento) cantar o "Beyond The Wheel" no carro.

Apesar de se ter tornado num "deles", Chris Cornell nunca deixou de ser um nós. Foi esse sentimento que transmitiu quando entrou em palco a abrir para os seus ídolos Black Sabbath. Foi a única vez que vi as duas bandas ao vivo. Não haverá uma próxima.
No início de uma noite mágica que acabou benzida em chuva londrina, os Soundgarden entraram em palco com uma surpresa: "Acabámos de decidir há 15 minutos que vamos fazer pela última vez algo que só fizemos duas vezes no passado. Vamos tocar o álbum "Superunknown" na íntegra". Loucura.

O concerto foi como uma reunião do Liceu, com o regresso de Matt Cameron à bateria (Matt era o baterista original dos Soundgarden, mas quando a banda se separou no final dos anos 90, juntou-se aos Pearl Jam) e a aparição de Mike McCredy. também dos Pearl Jam, para o tema-título de "Superunknown". Foi uma festa de Seattle, todos juntos como nos tempos dos Temple Of The Dog, só que em vez de uma cave em Seattle, estávamos num parque em Londres. Foi esta a última vez que os Soundgarden tocaram na Europa (Chris regressaria no ano passado, mas a solo) e é a memória que levo de Chris Cornell. Um de nós.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

As três vitórias de Salvador Sobral, ou como maçar a malta da massa

O que espera a Salvador Sobral no panorama musical português? 


O meu Pai já mal abria os olhos e as minhas capacidades de focagem também não eram as melhores. Sentados à mesa de um restaurante, em pleno auge dos inebriados festejos do Tetra, tive que pedir à minha Mãe para ir junto à televisão verificar se eu estava a ver bem, ou se os 3 litros de cerveja já estavam a bater. Era verdade, o Salvador estava mesmo 100 pontos à frente do segundo lugar e preparava-se para trazer para Portugal o aparentemente inatingível caneco da Eurovisão. Primeira vitória.

A apoteótica chegada ao aeroporto no dia seguinte completou a mais épica jornada da História de Portugal desde que Vasco da Gama chegou a Belém com as caravelas carregadas de especiarias de Calecute. Aquela recepção é algo que, no plano musical, só tem paralelo com a aterragem dos Beatles na América. Era o dado que faltava para perfilar Salvador como o novo herói nacional; um palco que, tenho a certeza, o Ronaldo não se importará de dividir. Mas findos os festejos, fica a pergunta: e agora, que futuro está reservado para Salvador no panorama musical português?

Em primeiro lugar, faço votos para que o Salvador goze esse futuro com saúde. Também sou fã dos Queen (gostei de o ver com o "Crazy Little Thing Called Love" nos Ídolos), mas não quero que ele siga os passos do Freddie e nos deixe antes do tempo. Cuida-te, rapaz. Mas voltemos ao panorama musical português.

Olhemos para exemplos como Dulce Pontes, Anabela, Lúcia Moniz, ou José Cid – alguns dos seus mais bem sucedidos antecessores no euro-festival –, para ter uma ideia melhor do que espera a Salvador. Dulce Pontes esteve consistentemente no topo das tabelas nacionais ao longo dos anos 90 (e chegou a mercados tão longínquos como o Japão), mas foi perdendo fulgor comercial e é hoje praticamente uma figura de culto. A Anabela (por quem eu me apaixonei quando tinha 7 aninhos) não teve muito sucesso nos discos, mas tornou-se na "menina do La Féria" e estrela maior do teatro musical português. A Lúcia Moniz teve um grande êxito em inglês com o Nuno Bettencourt ("Try Again"), mas é mais conhecida pela sua carreira na representação. O José Cid é talvez o exemplo de carreira comercial mais longa e consistente, ainda assim não se livrando de períodos de ocaso e de um ou outro backlash causado pela sua língua afiada. Nenhum deles é um artista que possa ir ao palco principal de um grande festival em Portugal, muito menos ser headliner.

Da mesma forma, não é líquido que seja dado ao novo herói nacional o espaço no mainstream que a sua voz merece, dado o baixo teor em kizomba da sua música. Salvador sabe disto e o seu discurso de vitória levanta a questão de forma não muito subtil: "que esta seja uma vitória da música com conteúdo; música não é fogo-de-artifício, música é sentimento". Um "discurso polémico", dizem. Polémico, porque é verdade e dizer a verdade nestes dias do politicamente correcto é uma grande maçada, porque maça a malta da massa. Segunda vitória.

Ouvimos sempre que "as pessoas gostam do que gostam" e que se deve "dar ao público o que ele quer". O tanas. É tudo uma grande treta que inventaram para justificar o esgoto que nos querem escoar pela garganta a fundo. Normalmente a equação funciona ao contrário: o público gosta daquilo que lhes é dado e quanto mais lhes dão disso, mais eles querem. É como no livro do Astérix em que os romanos queriam vender menires e com a devida publicidade conseguiram convencer todas as famílias da Gália que ter um menir em casa é que era. As pessoas gostam de kizomba porque lhes é atirada kizomba aos baldes. Ponto.

Como em todas as áreas, é preciso educar para colher frutos. É preciso educar o hábito de procurar música (e arte no geral) e não se limitar a comer o que é posto no prato. Nem todos gostamos do mesmo e ainda bem, mas deve ser incutida a vontade da pesquisa e da descoberta. Se educarem os miúdos com caca, eles vão ouvir caca. E caca sai muito mais barato à malta da massa. Já aqui o escrevi antes: há demasiadas coisas medíocres na nossa vida, a música não pode ser uma delas. Não espero que Salvador revolucione o panorama musical português, mas pelo menos abriu o debate para que possamos começar a pensar nele. Terceira vitória.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Força, Salvador!

A história de um convertido ao Salvador Sobral

Cedo nos habituámos a falar da música portuguesa como uma velhinha que precisamos de ajudar a atravessar a estrada. "Temos que apoiar a música portuguesa", ouvimos amiúde. Pois temos, mas a verdade implacável é que ninguém vai apoiar coisa nenhuma a contragosto. A vontade, felizmente, não pode ser legislada e não é com os Homens da Luta que vamos unir o país à volta de uma canção. Por isso é que nisto, o Salvador Sobral (que, apesar das dificuldades motoras, não é nenhuma velhinha) já ganhou, ao conseguir aquilo que poucos se podem orgulhar em Portugal: unir um país no seu apoio, parte dele inicialmente céptico. Eu incluído.

Permitam-me a defesa. Nada tenho contra o Salvador. Ele tem uma voz cristalina e um estilo singular de rapaz dos Salesianos submetido a um Extreme Makeover numa Convenção do Bloco de Esquerda; apela a todos os quadrantes. Contra a canção da Luísa, muito menos. "Amar Pelos Dois" é inatacável, um clássico tema de festival que joga noutro campeonato relativamente à maioria da concorrência na Eurovisão. E depois há a forma frágil, ébria de emoção e plena de nuance com que Salvador interpreta o tema, que o põe vários furos acima dos interpretes "by the book" do festival. Adoro também o atrevimento de não cantar em inglês, ontem reforçado pelo decidido "muito obrigado" no fim do tema.

O meu senão com o Salvador era a forma negligente como, no meio do seu expressionismo físico, se afastava do microfone e nos impedia de ouvirmos o som da sua voz. Mas se há uma lição que podermos tirar do tema que levou Salvador à Eurovisão é que ele pode "Amar Pelos Dois" sem fazer planos do que virá depois. Nisto do amor temos que aceitar o outro pelo que ele/ela é e eu, devagarinho, aprendi a gostar do Salvador.

Por isso deixem-me, também eu, saltar para a carruagem de apoio ao Salvador. Temos todos os dados para ganhar, desde que os nossos emigrantes não estejam na rua a festejar o Tetra do Benfica e se esqueçam de votar. Só falta mesmo alguém amarrar o rapaz ao microfone e a taça é nossa (estou a brincar, Salvador; mas vê lá, não te afastes muito do micro, senão não podemos ouvir essa voz que dá arrepios). Força miúdo, traz para casa o caneco.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Os Simple Minds em formato acústico estão Alive, mas pouco Kicking

Os Simple Minds tocaram ontem em formato acústico para um Coliseu a 2/3 do gás. Valeu a pena?

A primeira vez que vi os Simple Minds no Coliseu de Lisboa, em Fevereiro de 2012, foi uma das experiências mais bizarras da minha vida. A banda escocesa tocou num Coliseu a rebentar pelas costuras perante um "Público M80" estupefacto, sem saber o que raio se passava à sua frente. Tudo porque ninguém se deu ao trabalho de olhar para o cartaz do concerto, onde os Simple Minds se comprometiam a tocar apenas temas dos seus 5 primeiros álbuns (na verdade são 6, se considerarmos "Sons And Fascination" e "Sister Feelings Call" entidades separadas, mas isto sou eu a ser obsessivo-compulsivo), discos lançados antes do sucesso comercial por que a banda é reconhecida até hoje. Ou seja, êxitos da M80? Temas do tempo em que Jim Kerr usava casacos compridos? Nem vê-los. "Que raio de música é esta? "Não conheço nada disto!" — dizia com ar enojado a senhora sentada ao meu lado, enquanto ajeitava a sua écharpe bordô cuidadosamente enrolada no pescoço. Com esta experiência traumática, a senhora da écharpe bordô aprendeu a olhar para os cartazes e ontem já não apareceu no Coliseu.

Desta vez o cartaz anunciava um concerto em formato acústico, um conceito popularizado há 20 anos por programas de televisão como o "MTV Unplugged", mas entretanto caído em desuso. Talvez por isso, o Público M80 não aderiu em massa (até porque desta vez o concerto foi promovido pela Renascença) e a sala apresentou-se apenas a 2/3 da capacidade. E eu até os compreendo. Eu próprio — fã de quase todas as iterações da banda — entrei no Coliseu apreensivo com a ideia de um concerto inteiramente acústico. Mas depois entrou Jim Kerr e em poucos minutos, o vocalista dos SM fez-me recordar por que ainda é um dos "chosen few" (para citar uma banda do seu tempo) em cima de um palco.

Ao entrar ao com do clássico "New Gold Dream (81/82/83/84)", Jim viu a sala meio vazia (1/3 vazia, vá) e sem mais, saltou para o público e deu a volta à sala, onde distribuiu bacalhaus, abraços e selfies. O vocalista mostrou-se muito bem disposto ao longo da noite, encaixando uma piada entre temas sempre que possível, seja a imitar o sotaque de Sean Connery, a reflectir sobre o "casamento" de 40 anos com o guitarrista Charlie Burchill, ou a recordar a primeira vez que a banda veio a Portugal, quando em 1980 abriram para "o seu herói" Peter Gabriel no Dramático de "Cascai".

Claro que a tepidez do formato acústico começaria a dar de si e logo no quarto tema da setlist, quando Jim tentou puxar pelo público em "Mandela Day", nada lhe foi devolvido. Foi uma luta que a banda travou durante toda a noite. A favor dos Simple Minds estiveram as canções, que de tão universais (a maioria), funcionam em qualquer roupagem. Porque não tenham dúvidas, os SM são uma banda muito maior que o "legado M80" resumido a dois temas. O arco discográfico da banda escocesa na década entre "Life In A Day" (1979) a "Street Fighting Years" (1989) é tão rico e diverso, que põe no chinelo muitas bandas que saíram dos anos 80 com maior reputação. Mas divago.

Desde então, os Simple Minds aperfeiçoaram ao longo dos anos uma fórmula infalível para os seus concertos: começar com o estrondo de um clássico como "Waterfront" ou "New Gold Dream" (que também abriu ontem na nova roupagem); depois elencar uma sequência do álbum novo; seguir com mais uma marretada de 3 ou 4 clássicos e só depois, com a audiência bem quente, dar espaço a um segmento com arranjos novos, ou um set acústico. Nesta digressão, os SM optaram por fazer um único e longo set acústico e eu não posso deixar de me interrogar porque é que se submeteram a um desafio deste calibre. Se um concerto dos Simple Minds, com os seus altos e baixos, é (ou pode ser) uma experiência tão catártica e explosiva, porquê limitá-lo a algo tão insosso?

A um determinado ponto no concerto, Jim Kerr sentiu-se na obrigação de explicar ao público que a ideia do acústico nasceu há 20 anos (quando era moda e todas as bandas o faziam), mas que nunca avançou porque a banda achava que ia ser "boring". Acabariam por reconsiderar no ano passado devido a uma oferta muito generosa "em dinheiro e chocolate" de um promotor suíço. Se calhar a banda estava certa.

Em suma, valeu a pena porque foram os Simple Minds e eles têm um lote de canções infalíveis (ainda deu para o Público M80 se levantar em massa lá para o fim com os inevitáveis "Don't You (Forget About Me)" e "Alive And Kicking"), mas poderia ter sido muito melhor. O meu único receio depois deste meio (ou 1/3) de fiasco, é que a banda de Jim Kerr não volte tão depressa a Lisboa.