segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Roland Orzabal, o génio esquecido da música Pop

A história do ícone dos anos 80 que nunca o foi

"Quem?", soltarão os mais incautos. Quando pensamos em ícones da cena alternativa dos anos 80, falamos em Morrissey, Robert Smith e Ian Curtis, mas nunca em Roland Orzabal. Muitos não reconhecem sequer o nome de um dos mais subvalorizados músicos da década. Quem ouve a M80 ou frequenta o Plateau, saberá quem são os Tears For Fears, mas talvez seja preciso cantar "Shout, shout, let it all out" para que todos saibam de quem estou a falar. Mas desenganem-se, não é em "Shout" que reside a genialidade de Roland Orzabal; quanto muito, é aí que a percepção do seu virtuosismo no ofício esbarra.

Não atiro facilmente a palavra 'génio' para uma discussão. Não há muitos. Quando se diz que o novo álbum do Kanye West é 'genial', não só se comete um abuso de linguagem, como também se diminui a magnitude do adjectivo. Roland Orzabal não é um génio porque escreveu umas musiquinhas que foram líderes das tabelas em ambos os lados do Atlântico, nem porque já vendeu 30 milhões de álbuns, nem porque gastou mais dinheiro a gravar um álbum do que qualquer outro artista do seu tempo. É-o porque domina a arte da música Pop como catarse, porque sabe burilar pequenas jóias de 4 minutos que condensam emoções e libertam traumas. É-o porque fê-lo consistentemente (embora com largos períodos de interregno, a proactividade não é o seu forte), em estilos diferentes e durante um período de 3 décadas. Pena que ninguém a tenha ouvido (parte dela, pelo menos).

Por ocasião do seu aniversário que ninguém festejou, façamos uma resenha histórica.

Roland foi o principal compositor dos Tears For Fears, banda que formou em Bath com Curt Smith, corria 1981. Curt era a face alegre da banda, a voz açucarada que adocicava a música amarga de Roland. Duas personalidades diferentes, unidas pelas relações traumáticas que tiveram com os respectivos progenitores. Muitos medos e muitas lágrimas. O nome da banda é, aliás, para ser levado à letra — foi retirado de "Prisoners of Pain", livro de Arthur Janov, autor de "The Primal Scream" e responsável pela terapia primal que defendia a substituição dos medos pelas lágrimas. E foi essa premissa que sempre alimentou a música dos Tears For Fears.

"Shout" e "Everybody Wants To Rule The World" foram os temas que atiraram os Tears For Fears para a estratosfera da Pop em 1985 e ainda hoje são habitués nas rádios generalistas. O problema é que são também os menires que tapam a vista do restante trabalho da banda de Bath, largamente ignorado devido à presunção de serem uns meros two-hit-wonders. Longe disso.
O arco discográfico da banda de Bath não é extenso, mas é rico e preciso. Não há uma única maçã podre na caixa. Os anos 80 viram três álbuns, cada um radicalmente diferente do anterior: "The Hurting", "Songs From The Big Chair" e "The Seeds Of Love".

"The Hurting" — o álbum de estreia — é sombrio, introspectivo e minimalista, firmemente indexado na estética sonora da New Wave. Qual "OK Computer", não há álbum tão maravilhosamente depressivo como este. "Mad World", "Pale Shelter" e "Change" foram êxitos, mas longe do sucesso dos seus pares com sentido estético visual mais apurado (como os Duran Duran). Mas como um álbum tão depressivo e desconfortavelmente pessoal poderia ambicionar o sucesso mainstream? Essas ambições estariam guardadas para o segundo álbum.

Em "Songs From The Big The Chair", o campo sonoro expandiu-se e com ele, expandiu-se o público: ambos saíram da cave e foram para os estádios. Os conflitos internos deram lugar aos conflitos com a sociedade e com o sexo oposto e o público pôde finalmente identificar-se com os traumas de Roland ("these are the things I can do without"). Os sucessos vieram em barda: "Shout", "Everybody Wants To Rule The World" e "Head Over Heels".

Mas Roland é um pirómano da vida: sempre que consegue construir qualquer coisa, tem que destruir tudo logo a seguir para fazer de novo. Nunca nada é suficiente ou suficientemente bom. "Para criar, tenho que destruir", diz. E quando todos (público e editora) esperavam uma continuação da fórmula de sucesso de "Songs", Roland gastou 3 anos, 4 produtores, 9 estúdios e 1 milhão de libras para fazer um novo álbum (números absolutamente inauditos na época). Assim nasceu "The Seeds Of Love", um álbum de produção épica e meticulosa e beleza extraordinária, fruto da obsessão de Roland com o detalhe, em busca de um perfeccionismo que só parecia existir na sua mente.

A personalidade obsessiva de Roland atirou Curt para fora dos Tears For Fears e deixou-o a solo na década de 90, onde nos deu dois álbuns criminosamente ignorados: "Elemental" e "Raoul And The Kings Of Spain". Principalmente "Raoul", onde Roland volta a mergulhar em águas profundas dos seus conflitos, desta vez com a família e a religião ("Can we ever hope to seek asylum from the bounds of fate and family?"). Sozinho, sem o açúcar de Curt, ficou a amargura. Roland reflecte sobre a importância da família, explora as relações como campos de batalha, confessa adultério e promete redenção, tudo no mesmo álbum.

Nos anos 00, Roland lançou "Tomcats Screaming Outside" — o seu primeiro (e único) trabalho a solo, inspirado no álbum Drum and Bass de David Bowie, "Outside". Só que o álbum teve o azar de ser lançado no dia 11 de Setembro de 2001 (esse mesmo) e como tal passou completamente despercebido. Depois vieram as pazes com Curt Smith fizeram e um álbum com título a condizer: "Everybody Loves A Happy Ending". Pegando no ponto que deixaram em "Seeds", sob forte influência de Paul McCartney ("because McCartney is, of course, the new Lennon", diz Roland) e das paisagens de "Sgt. Pepper", "Happy Ending" é de longe o álbum mais colorido da banda. À boa maneira dos Tears For Fears, todo o álbum é um exercício de catarse. Foi da dor que saíram todos os álbuns da banda — da infância ("The Hurting"), da procura do sucesso ("Songs"), da sua destruição ("Seeds"), da separação ("Elemental") e do casamento ("Raoul") — mas desta feita, da dor resultou um arco-íris.

Curt e Roland voltaram a gravar e esperam-se novidades para breve. Da minha parte, confesso-me particularmente expectante por este novo desafio do nosso herói. Roland é um recluso e nunca se sabe muito dele, mas julgando pelos posts espirituosos que vai fazendo no Twitter, este será o primeiro álbum que fará enquanto goza de paz de espírito. Não me levem a mal, adoro-o, mas sabendo que foi da dor que surgiu toda a sua arte, que será do novo álbum dos Tears For Fears com um Roland feliz? Ou será que Roland Orzabal é como todos nós e a sua vida nas redes sociais é muito melhor do que a sua vida na realidade? O novo álbum dar-nos-á essa resposta.

Se quiserem conhecer melhor o Roland e os Tears For Fears, não deixem de checar a playlist.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Plágio, inspiração ou ganância? - O Rock N' Roll em julgamento

Quando Led Zeppelin, Pharrell Williams e The Verve vão ao palco do tribunal

Muito pouco se tem passado no mundo da música. Com a queda dos bad boys que entretinham o nosso quotidiano mundano (temos que ser politicamente correctos, não é?) e com a míngua de novas "bandas-marca" que vendem t-shirts e enchem estádios, a indústria sofre e isso reflecte-se tanto na tão falada queda de vendas, como na falta de assunto nas publicações musicais. Têm seguido o feed da NME e da Rolling Stone? Pois. Notícias requentadas e histórias sobre cinema e séries para encher o mural. Se até o Cid foi obrigado a pedir desculpas - e a chorar - por causa de uma brincadeira, numa das cenas mais indecorosas por que já vi passar uma estrela Rock, vai ficar muito difícil a sobrevivência destas publicações.

Não alheio ao assunto da falta de assunto está a nova moda dos processos por plágio. Uma das (poucas) notícias deste Verão foi o processo movido aos Led Zeppelin pelos Spirit, por alegadamente terem copiado a introdução acústica de "Stairway To Heaven" (de 1970), a partir do instrumental "Taurus" de 1968. Os Led Zeppelin abriram para os Spirit na sua primeira digressão americana e isso deixou sempre Randy California (vocalista e guitarrista dos Spirit e autor de "Taurus") com a convicção que Stairway era dele e melindrado por não lhe ter sido dado o crédito, "nem sequer um telefonema de agradecimento". Randy morreu em 1997 e agora foi a família, em posse dos direitos de autor do falecido guitarrista, quem processou à banda britânica.

O julgamento já terminou e absolveu os Led Zeppelin das acusações de plágio. E ainda bem. Ainda bem, porque os Led Zeppelin não copiaram os Spirit? Claro que copiaram! Mas o gamanço faz parte do Rock N' Roll. Que seria do Rock N' Roll sem o "empréstimo" (para lhe dar um nome mais leve) de melodias? Quantas progressões de acordes são possíveis? É um número finito. Quantas vezes as mesmas progressões harmónicas foram repetidas e copiadas? É um número infinito. Porque é que de todos os "empréstimos", foi o "Stairway To Heaven" que foi a tribunal? Porque é aqui que está o dinheiro.  Que maneira mais fácil de fazer dinheiro do que mover um processo contra uma mega-banda por causa de uma mega-canção? E é isto.

"Stairway To Heaven" é muito mais que "só" uma canção, é uma marca em si mesma. Na verdade, o historial de "empréstimos" dos Zeppelin é muitíssimo mais vasto e com casos bem mais evidentes que Stairway. Mesmo relativamente a "Stairway To Heaven", outros se poderiam queixar. Dêem uma passagem pelos links para ouvirem alguns casos pelos vossos ouvidos e tirarem as vossa conclusões.
A questão que importa colocar não é se os Zeppelin roubaram ou não esta ou aquela parte de músicas deste ou daquele artista para criarem a sua própria obra. A verdadeira questão é: e depois? Vamos agora limitar a música num sistema finito e fechado, sem lugar à inspiração por parte de terceiros? Já nem vou falar na subjectividade que acarreta tal apreciação. Se toda a gente for processar toda a gente, para além de se abrir um novelo sem fim, acaba-se com a música Rock de vez.

A sentença no caso Led Zeppelin é por isso justa e esperada. Inesperada, foi a sentença no caso de plágio movido a Pharrell Williams pela família de Marvin Gaye por causa de "Blurred Lines", onde Pharrell foi considerado culpado e obrigado a pagar milhões aos filhos de Marvin. Integridade artística? O tanas. Tal como no caso dos Zeppelin, foi a família - e não o próprio artista - a mover o processo. E porquê? Dinheiro, claro está. Muito. É que "Blurred Lines" foi "só" a canção mais tocada de 2013, tornando-se um dos singles mais vendidos de sempre, com quase 15 milhões de cópias. O problema é que este caso abriu um precedente gravíssimo, que felizmente não foi respeitado no julgamento "Stairway To Heaven".

Outro precedente já aberto foi o vergonhoso processo dos Rolling Stones contra os The Verve nos anos 90, devido a "Bitter Sweet Symphony". Tudo por causa de um sample de uma versão de "The Last Time" cuja utilização, imagine-se, eles próprios tinham autorizado, pese embora o arranjo tenha sido escrito por outro músico. Quando Symphony se tornou um fenómeno de popularidade em todo o mundo durante 1997 e 1998, a editora dos Stones mudou de ideias e achou que Richard Ashcroft havia, afinal, "abusado" no uso do sample que, ironicamente, nem sequer faz parte da versão original de "The Last Time". A editora processou-o pelos créditos do tema e ganhou. Todo o dinheiro ganho com "Bitter Sweet Symphony", retroactivos incluídos, vai agora para as contas dos Stones. Como se todo o dinheiro do mundo não fosse já suficiente para Mick e Keith. Pura ganância.

Quem não se lembra do "Anzol" dos Rádio Macau e da sua inusitada semelhança com "Just Like Heaven" dos The Cure, lançada uns meses antes? (offtopic: o quão badass é a Xana neste vídeo e 1988?) Estão a ver o Robert Smith a processar o Flak pelos direitos do "Anzol" e respectivos lucros das vendas dos Rádio Macau? Pois.