quarta-feira, 29 de junho de 2016

Em defesa dos Wham!, a melhor banda Pop de sempre

Uma ode à máquina de música dançável de George Michael

É um dos maiores e mais injustos preconceitos da nossa sociedade: em Portugal, gostar de Wham! ainda é tabu. Com os anos, chegámos à conclusão que era aceitável gostar de Prince, Madonna e Michael Jackson (e ainda bem), mas por alguma razão, ainda temos que murmurar que gostamos de George Michael e dos Wham!. Raramente se vê uma menção ao duo Pop britânico na imprensa portuguesa; na rádio, só passa o "Last Christmas" por altura no Natal e à noite, até o Plateau se recusa a passar outro tema que não o "Wake Me Up Before You Go-Go". Um ultraje.

Qual não é o meu espanto, pois, quando vejo esta semana duas peças diferentes sobre os Wham!, primeiro pelo Nuno Galopim (Máquina de Escrever), a propósito dos 30 anos do último concerto da banda e depois pelo Tiago Castro no"Álbum de família" da Radar, homenageando "Make It Big" de 1984. Fica aqui a minha ovação ao Nuno e ao Tiago. Já era tempo de fazer justiça aos Wham!, a melhor banda Pop de sempre.

Melhor banda Pop de sempre? "Que heresia!", já vos estou a ouvir, enquanto preparam o arremesso da esferográfica ao monitor. Calma, eu explico. Comecemos pelo princípio: os Wham! foram um duo de vida meteórica formado por George Michael e Andrew Ridgeley, que brilhou de forma incandescente na sua curta passagem pelo panorama musical. O registo da banda no Reino Unido é verdadeiramente avassalador: de 1982 a 1986, lançaram 9 singles e todos (sublinho: TODOS) entraram para o Top 10 das tabelas britânicas, sendo que 4 deles chegaram ao 1º lugar. Os álbuns "Fantastic" e "Make It Big" também foram #1. São números impressionantes que dão uma ideia ideia do impacto que os Wham! tiveram na altura.

Bem sei que toquei num assunto delicado: será que a popularidade e a qualidade da música são duas variáveis directamente relacionáveis? Não necessariamente, mas também não têm que ser inversamente proporcionais. O "Bohemian Rhapsody" foi #1 durante nove semanas e ninguém discute a valia da canção.
Os Wham! foram muito mais que apenas um fenómeno de popularidade. Se olharmos para a Pop de hoje, percebemos que há demasiados intérpretes que não escrevem as suas próprias canções, puros produtos de venda ao público que vêem as suas carreiras projectadas ao milímetro, desde a imagem, à produção da música e à respectiva promoção. É como uma linha de montagem, onde todas as decisões resultam de uma análise puramente técnica e comercial. Fecha-se o espaço à arte e ao rasgo e traçam-se fronteiras de forma e conteúdo. Tudo soa ao mesmo. No fim de contas, "arte" é coisa que ali não mora e o "artista" pouco tem a ver com o processo, a não ser dar a cara para o público.

Os Wham!, por outro lado, eram um produto saído somente da cabeça de George Michael. George era o mentor, cantor, compositor e o produtor da banda e ainda tocava múltiplos instrumentos nos discos (tudo isto quando tinha pouco mais que 20 anos).  Andrew Ridgeley, o outro membro do duo, estava lá apenas para atrair uma faixa etária mais velha e tirando o apoio moral, ainda hoje se está para saber o que fazia Andrew exactamente nos Wham! (a sua guitarra nem sequer era ligada nos concertos).

É certo que os Wham! tinham uma forte componente de imagem, mas também os Beatles a tinham no início de carreira, durante o auge da Beatlemania. E os Wham! não soavam como nada do que havia em 1983 no Reino Unido. Num panorama Pop onde despontavam os Duran Duran na New Wave e os Culture Club no Reggae, os Wham! faziam música Disco com toques de Soul; quanto muito, soavam como a Motown. Era música negra americana dos 70, para um público branco britânico dos anos 80. George Michael foi, aliás, sozinho, a Motown britânica dos anos 80; numa altura em que a própria Motown estava moribunda, sobrevivendo à tona de água apenas com artistas como Lionel Ritchie e Stevie Wonder. Mas se a nossa sociedade aceita pacificamente que Stevie Wonder é um génio (é mesmo), então por que raio tanto desdém pelos Wham!?

"Isso é música de paneleiros" é a minha justificação preferida. Então e o Freddie Mercury, não é "paneleiro" também? E não é o melhor de sempre? Então não podemos ouvir a música do senhor porque ele gosta de dormir com cavalheiros? Não me faz muito sentido.
"Isso é piroso", dizem-me. Certo. Então e alguém sairia à rua com as roupas roxas que o Prince usava? E o David Bowie? Um foleiro. Não vamos gostar de nenhum deles? Também não me parece válido.
"Eu não gosto da música, nem sou obrigado a gostar". Claro que não, mas expliquem-me, como é que podem não ficar contagiados por temas como "Club Tropicana", "I'm Your Man" ou "Freedom" e ser arrebatados com uma urgência de saltar para a pista de dança? Não? Nada? Então o melhor é verem isso com o médico, porque o sangue que vos corre nas veias está prestes a gelar.

Não tenham medo de gostar dos Wham! e muito menos tenham medo de admitir que gostam. A sério, vão ver que é "Fantastic" e não dói nada.