sexta-feira, 8 de julho de 2016

Adeus, David Gilmour

As horas angustiantes que antecedem o regresso a Pompeia

No último ano ano vi o David Gilmour ao vivo por 5 vezes em 3 países diferentes: Pula, Verona, Florença e duas vezes em Hollywood. A sexta - e última - será hoje, daqui a poucas horas: no grande anfiteatro das ruínas de Pompeia, um local sagrado. Mas já lá vamos.Escrevo ainda em Roma, deitado no piso de cima de um beliche periclitante, num quarto que chora com o fedor de 10 pessoas amontoadas a padecer de hidrofobia. Mas como condenar os hidrófobos, quando a casa de banho parece ter mais vida selvagem que o Amazonas?
Tenho que me levantar daqui a um par de horas para levar um carro alugado até ao sopé do Vesúvio, mas não consigo dormir. Não é o cheiro a cavalo, é o cavalo do meu coração que bate a galope, com tanto de excitação, como de nervosismo.

Já ando nisto há semanas. Ver os Pink Floyd sempre foi o meu sonho (o outro é ver os Queen com o Freddie Mercury; eu sei, não sou meigo a pedir), mas como os Floyd já lá vão e sem o Rick já não voltam, ver o David Gilmour ao vivo é a next best thing. Fui um dos sortudos que em 2006 pôde vê-lo com Richard, numa mini-digressão por salas intimistas para promover o álbum "On An Island".
Numa altura em que era estudante, aproveitava o Verão para ganhar uns trocos, normalmente para torrar em música. Juntei as poupanças de um ano e fui a Paris, onde vi o David no Grand Rex - um pequeno teatro com menos de 500 pessoas - e ouvi "Echoes", "High Hopes" e "Wot's Uh The Deal". Foi a melhor noite da minha vida.


Como a vida não é mais que esta incessante perseguição de um momento mágico, quando David anunciou nova digressão no ano passado, tratei de marcar o maior número de concertos que pude: Pula foi mágico como Paris, só faltou Richard; Verona foi o caos e em Florença, terceiro concerto em 4 dias, ver David já era quase corriqueiro; este ano fui duas vezes ao Hollywood Bowl (sempre desejara ali ver um concerto) e foi fantástico, mas aquela magia de Paris e Pula nunca mais voltou.
Por isso decidi que esta será a última vez que vou ver o David Gilmour. E que melhor maneira de terminar, se não no sítio onde tudo começou?

Foi aos 16 anos, quando fui de Castelo Branco a Lisboa, para ver o Benfica. Não ia a Lisboa muitas vezes, era um acontecimento para mim. Já na altura, fazia uns biscates no Verão para juntar dinheiro e comprar os CDs que queria durante o ano, mas naquele dia vinha com os bolsos lisos. Tive que convencer o meu Pai a oferecer-me o DVD com o filme "Pink Floyd Live At Pompeii". Afinal, fora ele quem me tinha introduzido aos Pink Floyd, expondo-me sucessivamente à gravação ("em noite de trovoada", diria agora o meu Pai) do concerto no Canal Grande, em Veneza, tinha eu apenas 3 anos. O meu Pai anuiu ao meu discurso e eu lá trouxe o DVD. Mal eu sabia que o filme iria para sempre mudar a minha vida.
Durante meses, vivi obcecado com o filme. Perturbou-me. Deu-me pesadelos. Para a mente susceptível de um rapaz de 16 anos da Beira que não conhecia muito do mundo, aquilo era a coisa mais cool que já vira na vida.

Não se trata apenas de ter aberto a porta da minha vida aos Pink Floyd e de me ter tornado um fã tão fanático, capaz de despender um salário para ver um dos membros da banda (e faltar a um edição recheadíssima do Alive). É muito mais que isso.
O "Live At Pompeii" abriu a minha mente a diferentes tipos de música e de arte, no geral. Tornou-me menos empírico e mais criativo. Ensinou-me a aceitar o que é estranho, esquisito e inóspito. Ensinou-me a ver a beleza no que à primeira parece feio. Ensinou-me a gostar mais do áspero do que o polido. Ensinou-me a ver virtude na diferença. Em suma, mudou a minha forma de ver o mundo.
Acima de tudo, fez-me sentir que era aceitável ser diferente, pensar fora da caixa, não querer ser do rebanho. Se eu hoje sou quem sou, muito se deve à weirdness daquele filme.
Por tudo isto, faz todo o sentido terminar ali. É como se toda a minha vida confluísse neste dia, neste lugar sagrado onde tudo começou. É um ciclo que se fecha.

Isto é tudo muito poético, mas a verdade é que agora estou numa pilha de nervos. Como em todas as grandes aventuras, esta também envolve perigo. Chegarei a tempo? Chegarei à frente junto às grades? Fuck knows.
Compreendam a minha ansiedade. Nunca me casei, nunca tive filhos, nunca vi o Benfica na final da Champions. Este é possivelmente o dia mais importante da minha vida - o dia da minha despedida do David.

Bem, pensando melhor, tudo começou quando o meu Pai me submeteu ao visionamento do concerto de Veneza em 1989. Quem sabe se o David não volta ao Canal Grande? Tinha que voltar a despedir-me dele, parece-me.

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