terça-feira, 10 de outubro de 2017

Quilómetros de música — Uma viagem pelas 10 melhores canções sobre estrada, automóveis e roadtrips

Uma lista para ouvir de pedal a fundo.

A relação do automóvel com a música é tão antiga como a paixão do homem pela própria máquina. A partir do momento em que se tornou um meio de transporte acessível às massas e passou a fazer parte do nosso quotidiano, acompanhando-nos para todo o lado, o automóvel tornou-se numa musa de inspiração. Há um conforto que só aquela máquina solitária, cega, surda e muda nos pode oferecer. O triângulo amoroso homem-música-automóvel foi estreitado com o advento do auto-rádio, que tornou o próprio veículo num local privilegiado para audição de música, com vista cinemática para a paisagem lá fora.

É no espírito da celebração deste casamento perfeito entre a música e o automóvel que proponho uma viagem pelos 10 melhores temas sobre estrada, automóveis e roadtrips. Algumas escolhas são óbvias, outras talvez nem tanto, mas todas são prova que a relação entre o homem e a sua querida máquina automóvel é melhor explicada com guitarras eléctricas em volume máximo. No fim ainda ficam com a playlist do Spotify. Para ouvir de pedal a fundo.

10. AC/DC — "Highway To Hell" ("Highway To Hell", 1979)



Não podia faltar. Bem sei que ao mesmo tempo que clicavam neste post, já estavam a fervilhar com a a vossa própria lista das canções que tinham que estar aqui e grande probabilidade há que "Highway To Hell" fosse uma delas. Aqui a têm. Estamos numa auto-estrada a caminho do inferno e ainda bem, porque hell ain't a bad place to be.

9. The Clash — "Brand New Cadillac" ("London Calling", 1979) 



Qual carro clássico, sucessivamente tratado com pinturas renovadas ao longo dos anos, "Brand New Cadillac" foi originalmente um tema rockabilly de Vince Taylor and his Playboys em 1959 — incluído como Lado B do single "Pledgin' My Love" — e levou múltiplas roupagens nas 6 décadas seguintes. Em 2014, o tema foi regravado pela enésima vez para utilização num anúncio da Cadillac, mas nem essa, nem nenhuma outra toca sequer na versão dos The Clash.
Em 1979, vinte anos depois do seu lançamento original, os The Clash gravaram uma versão portentosa de "Brand New Cadillac" para o seu álbum seminal "London Calling" e deram com esta versão toda uma nova dimensão de coolness ao Cadillac.

8. Guns N' Roses — "Dust N' Bones" ("Use Your Illusion I", 1991)



Se achavam que isto ia ser uma lista de musiquinhas para acompanhar anúncios sorridentes de automóveis para a TV, esqueçam lá isso. Nem todas as viagens terminam com uma chegada em segurança e "Dust N' Bones" é certamente um desses casos:

"All about some guy who gets his brains all splattered on your beloved motherfuckin' Highway 65."

Axl Rose introduz desta forma elucidativa aquele que é um dos temas mais niilistas dos Guns ("in the end we are just dust n' bones"), num concerto em 1991 no Estado de Indiana, por onde passa a Interstate 65. É uma das melhores contribuições de Izzy Stradlin para os caóticos Use Your Illusions, mas não é propriamente um tema para abrir o vidro e meter a cabeça de fora da janela. A não ser que ao mesmo tempo passe um camião em sentido contrário.

7. Eagles — "Take It Easy" ("Eagles", 1972)



Por falar em meter a cabeça de fora da janela, eis a canção perfeita para o efeito. A discografia dos Eagles pode ser caracterizada na generalidade como o arquétipo de "música de estrada". Não que eles tenham inventado o conceito, mas adoptaram-no do imaginário americano do Country Rock e da Americana e exploraram-no até ao limite. São os próprios que admitem que adoptaram essa estratégia comercial na sua música.
"Take It Easy", como tantas canções dos Eagles, preenche o vácuo mental de quem vai ao volante com paisagens e histórias dramáticas de vidas mais interessantes e perigosas que as que vivemos. Pela capacidade de teleporte, é a banda sonora cinemática perfeita tanto para uma roadtrip no deserto, como para o regresso a casa ao fim de um dia no escritório.

6. Mark Knopfler — "Speedway At Nazareth" ("Sailing To Philadelphia", 2000)



Que a música dos Dire Straits é do melhor combustível para a condução, não é segredo para ninguém. Mark Knopfler reconheceu esse potencial em 1982, ao fazer-nos companhia no trânsito com o épico "Telegraph Road"("six lanes of traffic, three lanes moving slow"). Por isso não foi surpresa que quando Knopfler decidiu fazer um álbum sobre o imaginário americano na viragem do milénio – "Sailing To Philadelphia" –, o escocês tivesse aproveitado o potencial automobilístico da sua música com o superlativo "Speedway At Nazareth". O tema nasceu das conversas que Knopfler teve ao longo dos anos com o seu amigo sueco Stefan Johansson – antigo piloto de Fórmula CART e Fórmula 1 – e conta a história de uma temporada das corridas da NASCAR, utilizando-a como uma metáfora para a vida. Impossível não meter prego a fundo no acelerador quando se ouve o solo de guitarra final.

5. The Stills–Young Band — "Long May You Run" ("Long May You Run", 1976)



"Long May You Run" é uma carta de amor adorável de Neil Young a um veículo, com uma inspiração ligeiramente mórbida. Se gostam do tema e não querem ser spoilados com a sua verdadeira origem, é melhor pensarem bem antes de continuar a ler.
Na verdade, "Long May You Run" é uma homenagem de Neil ao seu querido Mortimer Hearseburg ("Mort"), um Pontiac de 1948 que foi o seu primeiro carro e era um... carro fúnebre. Neil Young não o utilizava para esse efeito, mas talvez aproveitasse o espaço lá atrás para umas belas sestas nas suas roadtrips. Foi precisamente numa dessas viagens ao volante do seu Mort – entre Toronto e Los Angeles – que Neil conheceu Stephen Stills e juntos formaram os Buffalo Springfield. Os dois continuaram a colaborar ao longo da década seguinte nos CSNY (Crosby, Stills, Nash & Young), mas quando estes se zangaram na mega-digressão de estádios em 1974, Stills e Young decidiram continuar onde tinham ficado nos Buffalo e lançaram "Long May You Run" em 1976.
Quanto ao Mortimer Hearseburg, o veículo acabaria por morrer em Junho de 1965, quando a caixa de velocidades rebentou em Blind River, Ontario (embora a letra diga que foi em 1962).

4. Tom Petty & The Heartbreakers — "Runnin' Down A Dream" ("Full Moon Fever", 1989)



E eis que chegamos ao mestre incontestável das roadtrips. A lírica cinemática, o solo que convida a carregar no acelerador, está aqui tudo. Tom Petty sabia como ninguém curar a banda sonora para uma viagem ao volante de um automóvel. A sua música evocava a pureza da descoberta, a inocência da aventura, a curiosidade pelo desconhecido.

"I felt so good like anything was possible."

"Runnin' Down A Dream" fala sobre as diferentes etapas da vida no contexto de uma roadtrip. Esteja a fazer sol lá fora ou a chover, o optimismo é uma constante, porque estamos a correr para o sonho:

"I put the pedal down to make some time, there's something good waitin' down this road."

Tom personificava o idealismo do coração americano pré-11 de Setembro, quando a amabilidade e o espírito aventureiro se sobrepunham à paranóia do desconhecido. Perdemos o músico na semana passada, mas ele deixou-nos o legado que nos vai acompanhar para sempre ao volante.

3. Steppenwolf — "Born To Be Wild" ("Steppenwolf", 1968)



Música central do épico motoqueiro "Easy Rider" de 1969, este é o tema pelo qual todos os outros nesta lista de alguma forma se guiaram. "Born To Be Wild" foi lançado originalmente no álbum homónimo dos Steppenwolf em 1968 e posteriormente usado em inúmeras bandas sonoras incluindo, obviamente, "Easy Rider", filme que projectou o tema a hino eterno dos motores.

2. Deep Purple — "Highway Star" ("Machine Head", 1972)



O expoente máximo da história de amor entre o homem e o automóvel. "Highway Star" retrata o automóvel como extensão natural do homem; como catalisador das suas emoções; como mulher-troféu que é mais bonita que todas as outras e que anda mais que todas as outras.
O tema nasceu no autocarro dos Deep Purple a caminho de Portsmouth em 1971, quando um jornalista perguntou à banda como era o sue processo de composição e Ritchie Blackamore – só para demonstrar – pegou numa guitarra acústica e inventou um riff, ao mesmo tempo que Ian Gillian improvisava a letra com uma declaração de amor ao seu carro. O tema foi criado ali, na hora, e tocado pela primeira vez nessa mesma noite. Seria gravado em Dezembro desse ano em Montreux e lançado no seguinte como tema de abertura do álbum "Machine Head".
"Highway Star" é pedal a fundo do princípio ao fim, a música perfeita para conduzir.

20-11. Menções honrosas

10 temas que não entraram na lista, mas poderiam ter entrado.

20. Tom Cochrane — "Life Is A Highway"
19. Saxon — "Wheels Of Steel"
18. The Kinks — "Drivin'"
17. ZZ Top — "I'm Bad, I'm Nationwide"
16. Brian May — "Driven By You"
15. Iggy Pop — "The Passenger"
14. The Doors — "Roadhouse Blues"
13. The Rolling Stones — "Start Me Up"
12. Queen — "I'm In Love With My Car"
11. Golden Earring — "Radar Love"

1. Bruce Springsteen — "Born To Run" ("Born To Run", 1975)



"I gotta know how it feels. I wanna know if love is wild. I wanna know if love is real."

Muito mais que uma música sobre conduzir, "Born To Run" é uma música sobre fugir. A estrada como a vida; o carro como a fuga; o assento do pendura como metáfora do casamento. É o jovem sonhador Bruce Springsteen a definir quem era e ao que vinha. Uma canção maior que o automóvel, maior que a estrada e maior que a vida. Porque a vida não é nada mais que uma longa – por vezes tranquila, por vezes tortuosa –, mas sempre fascinante estrada.



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