domingo, 22 de maio de 2016

Queen+ Adam Lambert: um amor cego e por vezes surdo

O concerto de Queen+ Adam Lambert no segundo dia do Rock In Rio 2016
(imagem roubada ao SAPO)

Nos primeiros tempos da internet, quando devorava toda a informação online sobre os Queen, li uma review do concerto do Brian May no Dramático de Cascais em 1993, onde o cronista se mostrava surpreendido com a quantidade de miúdos que tinham ido ver o guitarrista de uma banda defunta há mais de dois anos e que sabiam todas as letras de trás para a frente. Vinte e três anos mais tarde, sou eu a escrever a crónica de um concerto do Brian e o que posso dizer é que fiquei perplexo com a quantidade de miúdos (e miúdas) no Parque da Bela Vista, que gritaram em volume máximo todos os êxitos dos Queen.

Mas qual é a surpresa? Com a idade deles, também eu já sabia tudo de cor. A diferença é que a minha geração, sem ter vivido o período áureo dos Queen, viveu a morte de Freddie Mercury — um acontecimento que abalou o mundo — e a subsequente febre pelos Queen. A nova geração não viveu nada disso, são um produto totalmente pós-Freddie e mesmo assim são doidos pelas músicas. Como explicar, então, este fenómeno?

A explicação é fácil: não há banda que passe tanto na rádio generalista em Portugal, como os Queen. Quantos êxitos dos Queen é que conseguem enumerar de cabeça? Se já sintonizaram uma rádio portuguesa, conseguem facilmente chegar a pelo menos 20. É por isso fácil entender que nenhuma banda "clássica" tenha níveis de popularidade na geração mais nova como os Queen.

A vinda dos Queen+ Adam Lambert era por isso uma aposta ganha à partida pelo Rock In Rio. Ou será que era mesmo? O concerto com Paul Rodgers em 2005 não foi muito bem recebido e os cépticos cedo se apressaram a relembrar essa desilusão. Mas ontem à saída da Bela Vista, era difícil encontrar opiniões desfavoráveis. Essa aparente unanimidade deixou-me, confesso, confuso.

Não me levem a mal, eu gostei do concerto. Amo as canções e o amor é cego e às vezes surdo (só assim se explica a insistência em colocar gatos estrangulados a cantar o "Somebody To Love" no palco do karaoke). Também gostei do Adam Lambert. É impossível não gostar dele. O miúdo tem um vozeirão, sabe-se mexer num palco e vê-se que tem um respeito bíblico pela música dos Queen e pelo próprio Freddie Mercury, esclarecendo logo à partida que só há um Freddie e que ele está apenas a fazer a sua interpretação dos escritos sagrados. Mas é aqui que começa o meu problema com Adam: ele tanto tenta emular Freddie naquele registo Ídolos, que a sua interpretação se torna por vezes exagerada, risível, quase a roçar a paródia. Especialmente quando carrega nos agudos, alturas em que mais parece estar a prestar provas para um musical ou um bar de karaoke. O miúdo é bom, mas peca pela falta de personalidade própria.

Curiosamente, foi este o principal pecado de Paul Rodgers com os Queen: excesso de cunho pessoal nas canções que todos conheciam. Soava estranho. Q+PR era uma entidade bizarra, mas tinha uma alma própria e independente. O que vimos no Rock In Rio com Q+AL não é nada mais que uma banda de tributo aos Queen com dois membros da banda original (mais o Spike Edney, que acompanha os Queen desde 1984). E no entanto, o público adorou.

É isto que é preciso entender: mais do que Adam, mais do que Brian e Roger e até mais do que Freddie, as pessoas amam as canções dos Queen. É um legado gigantesco, opulento e diversificado de 18 anos, entre 73 e 91, que em 2016,  25 anos depois do término, continua forte como nunca. Ouvir a loucura da gente nova em "Don't Stop Me Now" (injectada pelo uso na publicidade) é perceber que não há nenhum (nem um!) hit internacional nos últimos anos com o mesmo impacto em solo português que um tema de um álbum obscuro dos Queen de 1978 com o título enganador de "Jazz" (numa altura em que a banda começava a perder o poder de fogo, obrigando-se a uma reinvenção da sua sonoridade no álbum seguinte "The Game"). É incrível. O amor é mesmo cego.

Para mim, soube a pouco. Queria ter ouvido o "'39" no set acústico, queria um "Too Much Love Will Kill You" com Brian na voz (o tema foi originalmente um êxito a solo para Brian) e mais que tudo, queria o "I'm In Love With My Car" com Roger Taylor na bateria e na voz ao mesmo tempo, como nos concertos de 2005. Queria mais Brian e mais Roger.
Contudo, o maior crime da noite foi mesmo o cruel estrangulamento do solo de Brian May em "Crazy Little Thing Called Love", o ponto álbum do lendário concerto de Wembley e — porquê ter medo das palavras? — da História da humanidade em geral.
Em suma, foi bom, foi respeitoso para com Freddie, os fãs gostaram, a Roberta ganhou a aposta em trazer os Q+AL, mas foi pouco arrojado, teve pouca personalidade e podia ter sido muito melhor. Ao contrário da lendária actuação dos Queen no primeiro Rock In Rio em 1985, esta não ficará para a História, mas no fim de contas, eu diverti-me e os outros 74 mil, também.

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