sexta-feira, 20 de maio de 2016

Bruce Springsteen, o nosso amor é real




Vamos pôr as coisas nestes termos: desde que as caravelas chegaram da Índia, que Lisboa não vivia uma noite assim. Bruce Springsteen e a E Street Band chegaram à cidade com o objectivo de despejar um tanque de amor, prazer e redenção e quem esteve ontem no Parque da Bela Vista não saiu de lá o mesmo. Não pode ser só de mim, aqueles sorrisos contagiados de boca em boca não enganam. Hoje de manhã, até parecia que a cidade acordava mais bonita.

Bruce Springsteen deu um concerto infalível, pejado de êxitos, ainda mais que em 2012. Se já nos concertos em Espanha, Bruce tinha largado as performances completas de "The River", em Lisboa jogou ainda mais pelo seguro. Do álbum que dá nome à digressão, só tivemos o tema-título e os festeiros "Out In The Street" ("oh-oh oh-ó-oh") e "Hungry Heart". Faltaram (pelo menos) "The Ties That Bind" e "Two Hearts", mas não havia tempo para tudo. Este foi, aliás, um concerto curto para os standards de Bruce Springsteen, com "apenas" 3 horas de duração.
Bruce entrou em palco perto da meia-noite com os trovões de "Badlands" (ainda estou a ouvir na minha cabeça os "ooooooh-óóóóó-oooooohhh-ooooooh-ooooooh"s) e o delírio de "My Love Will Not Let You Down" — um dos meus dois requests para ontem (o outro era "Spirit In The Night", igualmente satisfeito) e depois foi desfilar de ases e manilhas a baterem na mesa ininterruptamente: "Born To Run", "Born In The U.S.A.", "Dancing In the Dark", "Glory Days", "Because The Night", não faltou nenhum. Quando chegou a "Twist And Shout", eram quase 3 da manhã, já o público estava rendido e a voz me tinha rebentado. Por fim, ainda tivemos direito a um bónus, com um "This Hard Land" acústico e a solo para fechar a noite.

O público, composto por uma mescla de fãs — facilmente identificáveis pelo evidente fanatismo característico dos fãs do Bruce (sei do que falo, pois sou um deles) — e de espectadores-transeuntes, que apareceram ali por acaso, por convite, ou por exclusão de partes, foi com certeza um caso atípico para Bruce. Ele está habituado a entrar em campo já a golear, mas esta audiência, ele teve que batalhar para ganhar.
Veio há pouco falar-me um colega que foi ao Rock In Rio "por acaso", sem ser fã de Bruce e sem conhecer o seu espólio para além dos êxitos. Disse-me nunca ter visto nada assim. Os olhos dele brilhavam, parecia o pastorinho acabado de ver Nossa Senhora em cima da árvore. É o costume, depois da desconfiança inicial, hoje é ver os cépticos rendidos, a digladiarem-se pelo melhor superlativo para Bruce. E como os compreendo, já começam a faltar palavras para descrever esta experiência quase metafísica que é viver um concerto do Bruce Springsteen. E é impossível fugir aos superlativos na ressaca física e anímica de uma noite destas. Melhor concerto de sempre em solo português? Bem, o melhor desde o último de Bruce, certamente que foi.

O legado constrói-se com presenças e só o facto de Bruce ter ignorado o nosso país durante décadas pode explicar que Portugal seja um caso à parte na Europa, o único lugar onde Bruce não esgota estádios num abrir e fechar de olhos (fenómeno que aqui parece estar reservado para os U2). Mas está a mudar. Ao fim de dois concertos em quatro anos e de muita imprensa convertida, basta passar os olhos pelas redes sociais para perceber que Bruce já começa a ter um séquito importante em Portugal. O nosso amor é real. Esperemos que seja suficiente para cá trazer o Boss mais vezes.

Antes de Bruce, vieram os inevitáveis Xutos e Pontapés. Desde a primeira vez que os "vi" em Lloret Del Mar (deitado num barril de cerveja) que já estive em 20 concertos e este foi um dos melhores. A audiência à minha volta parece ter achado o mesmo, uma vez que cantou a plenos pulmões êxitos como "Chuva Dissolvente", "Não Sou O Único" e "Contentores". Noto também que o meu Xuto preferido (bom trocadilho) — João Cabeleira — parece cada vez mais o Lemmy. Que Rei.

Os Stereophonics foram a desilusão da noite. Gosto muito da banda galesa, mas eles pareceram sempre desligados do público e nunca conseguiram derrubar aquela barreira de quem não foi ao festival para os ver propositadamente. É pena. A surpresa foram os Black Lips no Palco Vodafone, a mandarem o sol abaixo com uma descarga de decibéis. Também gostei do guitarrista, que levou o casaco do pai, 4 números acima.

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