segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Há um Mexefest para cada um e o meu foi de Samuel Úria

Crónica da última data no calendário da temporada festivaleira


Ano após ano, o Vodafone Mexefest vai solidificando a sua posição como o último festival dos melómanos da cidade (e de um pouco por todo o país, a avaliar pelo sotaque nortenho ouvido amiúde). Não só pela posição derradeira no calendário da temporada festivaleira, mas também por ser o último reduto dos que procuram música para além das ondas das rádios generalistas. Sem os nomes sonantes que fazem o palco principal dos maiores festivais, o Mexefest compõe o seu cartaz com artistas em ascensão (Aldous Harding), novíssimas coqueluches da cena alternativa (Cigarettes After Sex), nomes mais consolidados do Indie (Destroyer) e apostas seguras no plano nacional (Valete, Manel Cruz). E que bom termos um festival assim.

O bonito do Mexefest é que são vários festivais dentro de um festival. Com ofertas para todos os estilos de música, o Mexe permite que cada um possa fazer o seu próprio cartaz. E é bom que essa escolha seja firme, sem hesitações nem deambulações entre concertos — metade deste aqui e metade daquele ali —, com risco de se perder o tempo no caminho avenida acima e avenida abaixo (ou, pior, nas desesperantes filas para a entrada em algumas salas subdimensionadas) e no fim de contas, não se ver nada. Vi alguns espectadores mais desavisados em discussões de grupo desta índole e não é bonito. O melhor é seguir a velha máxima de "amigo não empata amigo", cada um vê o que quer e no fim encontram-se todos para uma imperial de balanço do que foi melhor. Fica a lição para o ano.

Por exemplo, os aficionados do Hip Hop tiveram jackpot no primeiro dia com joker de Valete e Orelha Negra. Eu gostaria de ter visto o Valete e ainda mais de ter visto o Manel Cruz, mas com os dois à mesma hora de Destroyer, a escolha caiu fatalmente no meu canadiano preferido a seguir ao Neil Young. Dan Bejar não esteve, porém, nas suas noites mais selvagens. O reportório foi apresentado de forma irrepreensível, mas faltou-lhe aquela intensidade a que me habituou em noites passadas. Alguém na Avenida comentava que Bejar parecia estar mais preocupado em beber do que em cantar, mas foi exactamente o contrário. De todos as vezes que vi os Destroyer, esta foi aquela em que Bejar bebeu menos; e foi também a mais morna. No Music Box, há 5 anos, Bejar bebeu tanto que teve que pedir ao bar um refill da sua geleira de minis a meio do concerto. E acreditem, o ambiente fervia por baixo da Rua do Alecrim. Mas também é verdade que o álbum que trazia na altura ("Kaputt") era bem melhor que este "Ken". O momento alto do concerto foi precisamente quando no fim se recordou "Chinatown" do álbum de 2011. Findo o espectáculo, tempo de seguir avenida acima.

Não pensem que isto da mobilidade no Mexefest é uma chatice. Pelo contrário, faz parte do espectáculo. Os carros de boleia do festival são muitos e muito voluntariosos. Mas o melhor são mesmo os autocarros com banda a tocar. Por falar nisso, El Señor no Vodafone Bus foram uma belíssima surpresa no primeiro dia. Não deve ser fácil tocar nos solavancos do trânsito da Avenida da Liberdade.

Se os Destroyer estiveram em noite mais morna, o ambiente à porta do S. Jorge fervia para ver Samuel Úria. Era a fila impaciente para entrar numa sala já a rebentar pelas costuras. Lá dentro, o tondelense pegava fogo à Sala Manoel Oliveira — palco maior dos cinemas — com a ajuda da Gisela João e da Ana Bacalhau (Deolinda). Samuel fechou o espectáculo com uma versão eufórica e furiosa de "Teimoso" que levantou toda a sala e que ainda ressoa hoje, dois dias volvidos, na minha cabeça com o grito "Eu nunca fui do Prog Rock!". E por acaso eu até sou do Prog Rock. Obrigado Samuel, é o momento que levo do festival.

A segunda noite tinha como pratos fortes do meu roteiro Cigarettes After Sex, Everything Everything e Moullinex. Sem grandes surpresas, os Cigarettes After Sex proporcionaram a maior enchente do festival no Coliseu dos Recreios. Nem a presença de Aldous Harding no S. Jorge — acabadinha de ganhar o galardão de álbum do ano para a Rough Trade — demoveu o público do nome mais forte de todo o cartaz. O set dos Cigarettes After Sex foi, como se esperava, moody e calmo, apenas interrompido pelos rugidos do público, nem só entre canções, desproporcionalmente vocal para a tranquilidade da música que saía das colunas. O som começou demasiado baixo e após alguns gritos de "MAIS ALTO!" no público lá foi levantado a volumes condizentes com o tamanho do Coliseu. A própria banda não parecia estar preparada para a dimensão da audiência que os esperava em Lisboa, mas pela reacção não devem demorar muito a voltar a terras portuguesas.

A minha curiosidade pelo Math Rock dos Everything Everything prendia-se muito pela sua origem. É que já dizia o Peter Hook (Joy Division / New Order), uma das 10 condições para uma banda ter sucesso é viver em Manchester. Os Everything Everything são mancunianos, mas têm mais de Wild Beasts do que de New Orde. É difícil ver-lhes os traços subversivos dos seus conterrâneos. Foi um passo abaixo no Coliseu, antes do clímax da festa que viveu a seguir com Moullinex. Um fecho de festival enérgico, ideal para o público despejar as últimas gotas do depósito da temporada festivaleira de 2017. Para o ano há mais.

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