Os Simple Minds tocaram ontem em formato acústico para um Coliseu a 2/3 do gás. Valeu a pena?
A primeira vez que vi os Simple Minds no Coliseu de Lisboa, em Fevereiro de 2012, foi uma das experiências mais bizarras da minha vida. A banda escocesa tocou num Coliseu a rebentar pelas costuras perante um "Público M80" estupefacto, sem saber o que raio se passava à sua frente. Tudo porque ninguém se deu ao trabalho de olhar para o cartaz do concerto, onde os Simple Minds se comprometiam a tocar apenas temas dos seus 5 primeiros álbuns (na verdade são 6, se considerarmos "Sons And Fascination" e "Sister Feelings Call" entidades separadas, mas isto sou eu a ser obsessivo-compulsivo), discos lançados antes do sucesso comercial por que a banda é reconhecida até hoje. Ou seja, êxitos da M80? Temas do tempo em que Jim Kerr usava casacos compridos? Nem vê-los. "Que raio de música é esta? "Não conheço nada disto!" — dizia com ar enojado a senhora sentada ao meu lado, enquanto ajeitava a sua écharpe bordô cuidadosamente enrolada no pescoço. Com esta experiência traumática, a senhora da écharpe bordô aprendeu a olhar para os cartazes e ontem já não apareceu no Coliseu.
Desta vez o cartaz anunciava um concerto em formato acústico, um conceito popularizado há 20 anos por programas de televisão como o "MTV Unplugged", mas entretanto caído em desuso. Talvez por isso, o Público M80 não aderiu em massa (até porque desta vez o concerto foi promovido pela Renascença) e a sala apresentou-se apenas a 2/3 da capacidade. E eu até os compreendo. Eu próprio — fã de quase todas as iterações da banda — entrei no Coliseu apreensivo com a ideia de um concerto inteiramente acústico. Mas depois entrou Jim Kerr e em poucos minutos, o vocalista dos SM fez-me recordar por que ainda é um dos "chosen few" (para citar uma banda do seu tempo) em cima de um palco.
Ao entrar ao com do clássico "New Gold Dream (81/82/83/84)", Jim viu a sala meio vazia (1/3 vazia, vá) e sem mais, saltou para o público e deu a volta à sala, onde distribuiu bacalhaus, abraços e selfies. O vocalista mostrou-se muito bem disposto ao longo da noite, encaixando uma piada entre temas sempre que possível, seja a imitar o sotaque de Sean Connery, a reflectir sobre o "casamento" de 40 anos com o guitarrista Charlie Burchill, ou a recordar a primeira vez que a banda veio a Portugal, quando em 1980 abriram para "o seu herói" Peter Gabriel no Dramático de "Cascai".
Claro que a tepidez do formato acústico começaria a dar de si e logo no quarto tema da setlist, quando Jim tentou puxar pelo público em "Mandela Day", nada lhe foi devolvido. Foi uma luta que a banda travou durante toda a noite. A favor dos Simple Minds estiveram as canções, que de tão universais (a maioria), funcionam em qualquer roupagem. Porque não tenham dúvidas, os SM são uma banda muito maior que o "legado M80" resumido a dois temas. O arco discográfico da banda escocesa na década entre "Life In A Day" (1979) a "Street Fighting Years" (1989) é tão rico e diverso, que põe no chinelo muitas bandas que saíram dos anos 80 com maior reputação. Mas divago.
Desde então, os Simple Minds aperfeiçoaram ao longo dos anos uma fórmula infalível para os seus concertos: começar com o estrondo de um clássico como "Waterfront" ou "New Gold Dream" (que também abriu ontem na nova roupagem); depois elencar uma sequência do álbum novo; seguir com mais uma marretada de 3 ou 4 clássicos e só depois, com a audiência bem quente, dar espaço a um segmento com arranjos novos, ou um set acústico. Nesta digressão, os SM optaram por fazer um único e longo set acústico e eu não posso deixar de me interrogar porque é que se submeteram a um desafio deste calibre. Se um concerto dos Simple Minds, com os seus altos e baixos, é (ou pode ser) uma experiência tão catártica e explosiva, porquê limitá-lo a algo tão insosso?
A um determinado ponto no concerto, Jim Kerr sentiu-se na obrigação de explicar ao público que a ideia do acústico nasceu há 20 anos (quando era moda e todas as bandas o faziam), mas que nunca avançou porque a banda achava que ia ser "boring". Acabariam por reconsiderar no ano passado devido a uma oferta muito generosa "em dinheiro e chocolate" de um promotor suíço. Se calhar a banda estava certa.
Em suma, valeu a pena porque foram os Simple Minds e eles têm um lote de canções infalíveis (ainda deu para o Público M80 se levantar em massa lá para o fim com os inevitáveis "Don't You (Forget About Me)" e "Alive And Kicking"), mas poderia ter sido muito melhor. O meu único receio depois deste meio (ou 1/3) de fiasco, é que a banda de Jim Kerr não volte tão depressa a Lisboa.
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