A história do ícone dos anos 80 que nunca o foi
"Quem?", soltarão os mais incautos. Quando pensamos em ícones da cena alternativa dos anos 80, falamos em Morrissey, Robert Smith e Ian Curtis, mas nunca em Roland Orzabal. Muitos não reconhecem sequer o nome de um dos mais subvalorizados músicos da década. Quem ouve a M80 ou frequenta o Plateau, saberá quem são os Tears For Fears, mas talvez seja preciso cantar "Shout, shout, let it all out" para que todos saibam de quem estou a falar. Mas desenganem-se, não é em "Shout" que reside a genialidade de Roland Orzabal; quanto muito, é aí que a percepção do seu virtuosismo no ofício esbarra.
Não atiro facilmente a palavra 'génio' para uma discussão. Não há muitos. Quando se diz que o novo álbum do Kanye West é 'genial', não só se comete um abuso de linguagem, como também se diminui a magnitude do adjectivo. Roland Orzabal não é um génio porque escreveu umas musiquinhas que foram líderes das tabelas em ambos os lados do Atlântico, nem porque já vendeu 30 milhões de álbuns, nem porque gastou mais dinheiro a gravar um álbum do que qualquer outro artista do seu tempo. É-o porque domina a arte da música Pop como catarse, porque sabe burilar pequenas jóias de 4 minutos que condensam emoções e libertam traumas. É-o porque fê-lo consistentemente (embora com largos períodos de interregno, a proactividade não é o seu forte), em estilos diferentes e durante um período de 3 décadas. Pena que ninguém a tenha ouvido (parte dela, pelo menos).
Por ocasião do seu aniversário que ninguém festejou, façamos uma resenha histórica.
Roland foi o principal compositor dos Tears For Fears, banda que formou em Bath com Curt Smith, corria 1981. Curt era a face alegre da banda, a voz açucarada que adocicava a música amarga de Roland. Duas personalidades diferentes, unidas pelas relações traumáticas que tiveram com os respectivos progenitores. Muitos medos e muitas lágrimas. O nome da banda é, aliás, para ser levado à letra — foi retirado de "Prisoners of Pain", livro de Arthur Janov, autor de "The Primal Scream" e responsável pela terapia primal que defendia a substituição dos medos pelas lágrimas. E foi essa premissa que sempre alimentou a música dos Tears For Fears.
"Shout" e "Everybody Wants To Rule The World" foram os temas que atiraram os Tears For Fears para a estratosfera da Pop em 1985 e ainda hoje são habitués nas rádios generalistas. O problema é que são também os menires que tapam a vista do restante trabalho da banda de Bath, largamente ignorado devido à presunção de serem uns meros two-hit-wonders. Longe disso.
O arco discográfico da banda de Bath não é extenso, mas é rico e preciso. Não há uma única maçã podre na caixa. Os anos 80 viram três álbuns, cada um radicalmente diferente do anterior: "The Hurting", "Songs From The Big Chair" e "The Seeds Of Love".
"The Hurting" — o álbum de estreia — é sombrio, introspectivo e minimalista, firmemente indexado na estética sonora da New Wave. Qual "OK Computer", não há álbum tão maravilhosamente depressivo como este. "Mad World", "Pale Shelter" e "Change" foram êxitos, mas longe do sucesso dos seus pares com sentido estético visual mais apurado (como os Duran Duran). Mas como um álbum tão depressivo e desconfortavelmente pessoal poderia ambicionar o sucesso mainstream? Essas ambições estariam guardadas para o segundo álbum.
Em "Songs From The Big The Chair", o campo sonoro expandiu-se e com ele, expandiu-se o público: ambos saíram da cave e foram para os estádios. Os conflitos internos deram lugar aos conflitos com a sociedade e com o sexo oposto e o público pôde finalmente identificar-se com os traumas de Roland ("these are the things I can do without"). Os sucessos vieram em barda: "Shout", "Everybody Wants To Rule The World" e "Head Over Heels".
Mas Roland é um pirómano da vida: sempre que consegue construir qualquer coisa, tem que destruir tudo logo a seguir para fazer de novo. Nunca nada é suficiente ou suficientemente bom. "Para criar, tenho que destruir", diz. E quando todos (público e editora) esperavam uma continuação da fórmula de sucesso de "Songs", Roland gastou 3 anos, 4 produtores, 9 estúdios e 1 milhão de libras para fazer um novo álbum (números absolutamente inauditos na época). Assim nasceu "The Seeds Of Love", um álbum de produção épica e meticulosa e beleza extraordinária, fruto da obsessão de Roland com o detalhe, em busca de um perfeccionismo que só parecia existir na sua mente.
A personalidade obsessiva de Roland atirou Curt para fora dos Tears For Fears e deixou-o a solo na década de 90, onde nos deu dois álbuns criminosamente ignorados: "Elemental" e "Raoul And The Kings Of Spain". Principalmente "Raoul", onde Roland volta a mergulhar em águas profundas dos seus conflitos, desta vez com a família e a religião ("Can we ever hope to seek asylum from the bounds of fate and family?"). Sozinho, sem o açúcar de Curt, ficou a amargura. Roland reflecte sobre a importância da família, explora as relações como campos de batalha, confessa adultério e promete redenção, tudo no mesmo álbum.
Nos anos 00, Roland lançou "Tomcats Screaming Outside" — o seu primeiro (e único) trabalho a solo, inspirado no álbum Drum and Bass de David Bowie, "Outside". Só que o álbum teve o azar de ser lançado no dia 11 de Setembro de 2001 (esse mesmo) e como tal passou completamente despercebido. Depois vieram as pazes com Curt Smith fizeram e um álbum com título a condizer: "Everybody Loves A Happy Ending". Pegando no ponto que deixaram em "Seeds", sob forte influência de Paul McCartney ("because McCartney is, of course, the new Lennon", diz Roland) e das paisagens de "Sgt. Pepper", "Happy Ending" é de longe o álbum mais colorido da banda. À boa maneira dos Tears For Fears, todo o álbum é um exercício de catarse. Foi da dor que saíram todos os álbuns da banda — da infância ("The Hurting"), da procura do sucesso ("Songs"), da sua destruição ("Seeds"), da separação ("Elemental") e do casamento ("Raoul") — mas desta feita, da dor resultou um arco-íris.
Curt e Roland voltaram a gravar e esperam-se novidades para breve. Da minha parte, confesso-me particularmente expectante por este novo desafio do nosso herói. Roland é um recluso e nunca se sabe muito dele, mas julgando pelos posts espirituosos que vai fazendo no Twitter, este será o primeiro álbum que fará enquanto goza de paz de espírito. Não me levem a mal, adoro-o, mas sabendo que foi da dor que surgiu toda a sua arte, que será do novo álbum dos Tears For Fears com um Roland feliz? Ou será que Roland Orzabal é como todos nós e a sua vida nas redes sociais é muito melhor do que a sua vida na realidade? O novo álbum dar-nos-á essa resposta.
Se quiserem conhecer melhor o Roland e os Tears For Fears, não deixem de checar a playlist.
Se quiserem conhecer melhor o Roland e os Tears For Fears, não deixem de checar a playlist.
Incrível!
ResponderEliminarO maior :)
EliminarCurto até hoje é meus filhos também...Mega banda dos anos 80.
EliminarCurto até hoje é meus filhos também...Mega banda dos anos 80.
EliminarPerfeito!
ResponderEliminarAmei cara!
ResponderEliminarEsse artista é de uma genialidade fora do comum. Aprendi com as músicas de Roland a superar meus medos e deprecões e hoje posso me dizer um homem feliz. Que a felicidade de Roland Orzabal nos traga a espiritualidade musical para enfrentarmos está era de discórdia entre povos. Que este album venha com muito amor.
ResponderEliminarMuito bom!!! Adorei!!!
ResponderEliminarOs fãs de carteirinha de Mr.Orzabal estão há mais de dez anos na expectativa do novo álbum...acreditávamos que ele traria novidades nesta tour que estão fazendo com Hall & Oats nos EUA...ainda não foi desta vez!
ResponderEliminarContinuemos na nossa angustia!!!
Ótimo artigo! Acabei de assistir (pela tv, infelizmente) a um show dos queridíssimos Tears for fears no Rock in Rio. Nossa! Quantas lembranças de minha adolescência nos anos 80!! E como eu amava o Orzabal! Sua voz continua potente e adorável!
ResponderEliminarTambém assisti e fiz uma viagem no tempo. Estou ouvindo tudo deles. Roland é um gênio mesmo.
EliminarPor favor, qual o twitter do Roland? Só achei dos filhos dele e do Curt.
ResponderEliminarEle excluiu há pouco tempo.
EliminarSeeds of love é o meu preferido
ResponderEliminarTudo neles é maravilhoso, não importa a fase , sempre serão parte da minha vida, dos meus medos e minha lágrimas principalmente...😔❤️
ResponderEliminarGosto da banda desde os anos 80, mas não tinha a menor ideia da história deles. Banda muito boa, vale a pena ouvir.
ResponderEliminarmuito interessante falar dele como depressivo, amo, sempre que estou para baixo ouço Tears for Fears até cansar (o vizinho, pq eu não canso... ) e justamente a voz dele me passa uma força enorme e me deixa bem.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
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ResponderEliminarSwords Ana knives uma música incrível
ResponderEliminarSou apaixonada por ele desde os meus 11 anos quandogravaram the seeds of love , ja escuta desde os 4 anos quando minhas irmãs escutavam , mas me apaixonei pelo roland com 11 anos , costumo dizer que ele vai ser sempre meu único amor , pois eu sempre fui louca por ele , nunca amei homem nenhum ,acho que ele tomou meu coração desde menina , ele pode estar mais velho mais meu amor continua grande , essa voz dele p mim não tem igual , vou amar ele a vida toda
ResponderEliminarBanda top. Gosto desde sempre. Anos 80 vivi , escutei é tudo de bom !
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