quinta-feira, 30 de março de 2023

Robert Smith foi a cura contra a doença chamada Ticketmaster

A bilheteira meteu-se com o gótico errado, por isso o vocalista dos The Cure obrigou o gigante a devolver o dinheiro das taxas aos compradores


Estás perdoado Robert,  pelo pecado de teres lançado ao mundo "Friday I’m In Love". Quando a digressão americana dos The Cure foi anunciada, Robert Smith prometeu manter os preços dos bilhetes baixos, de modo a não fechar a porta a ninguém aos seus espectáculos. Esta prática, louvável por princípio, faz ainda mais sentido agora que os custos de vida dispararam para toda a gente. E é ainda mais meritória, numa altura em que os artistas de nomeada, alguns deles supostamente os representantes da classe trabalhadora (refiro-me a Bruce Springsteen, obviamente), decidem explorar os seus fãs com preços pornográficos.

Os bilhetes para os The Cure foram postos à venda com preços na ordem dos 20 dólares (18,5 euros) — um valor que nos dias de hoje só se paga para ver bandas em início de carreira, e nunca uma banda lendária como os The Cure. Só que os fãs começaram a queixar-se no Twitter que, em cima dos 20$ do bilhete, tinham: uma taxa de serviço de 11.65 dólares, uma taxa de espaço de 10 dólares e uma taxa de serviço de 5.50 dólares. Ou seja, para um bilhete de 20 dólares, os fãs estavam a pagar mais de 47 dólares, com 27 distribuídos em taxas. Em vez de se esconder por trás de um gabinete de relações públicas no alto do seu trono de marfim, Robert Smith prontificou-se a responder e foi lapidar: "estou tão enojado como todos vocês" com as taxas da Ticketmaster. Smith adiantou que ia indagar o gigante de bilhética americano e daria novidades, "assim que recebesse uma resposta minimamente coerente".

Eu ri-me. Lembro que nem a toda poderosa Taylor Swift conseguiu fazer nada para aliviar os seus fãs das taxas exploratórias da Ticketmaster, que factorizavam o preço dos seus bilhetes. As práticas da Ticketmaster têm roçado o obsceno na exploração do público, principalmente nos Estados Unidos. Longe vão os tempos de bilhetes acessíveis para espectáculos de grandes bandas, disso já sabíamos. Mas não contentes com os preços exploratórios na ordem dos 300 dólares para um bilhete geral de plateia, agora a Ticketmaster reserva-se no direito de aplicar várias taxas à sua discrição. Pensar que Robert Smith, um dinossauro ultrapassado da indústria musical (mais ainda quando comparado com Swift), ia conseguir atingir o porta-aviões da Ticketmaster, era um exercício risível. Só que não.

Aparentemente, a Ticketmaster meteu-se com o gótico errado. Sucede que Smith não é apenas um conhecido anti-social (recordem em baixo o brilhante momento em que ele desmanchou o entusiasmo exacerbado de uma apresentadora do Hall Of Fame, com uma resposta secamente britânica), ele é também um anti-bullshit. Perante a passividade de outros artistas que nos últimos anos têm permitido o gigante americano explorar o público (relembro, para meu grande desgosto, Bruce Springsteen), Smith decidiu tomar uma posição de força, e não descansou enquanto a Ticketmaster não devolveu parte das taxas aos fãs.

O resultado foi uma ação absolutamente inédita, em que a Ticketmaster foi obrigada a devolver 10 dólares a todos os compradores e 5 dólares aos compradores dos bilhetes mais caros. Robert Smith foi o herói improvável e a cura dessa doença chamada Ticketmaster. A minha esperança é que agora que sirva de exemplo para os seus pares.



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