quarta-feira, 16 de maio de 2018

Temam o pior — O filme dos Queen que tem tudo para correr mal

A minha bipolaridade antes e depois de ver o trailer de "Bohemian Rhapsody"

Antes de ver o trailer (texto escrito na noite de 14 de Maio):
Vem aí "Bohemian Rhapsody", o filme que promete trazer a história não contada de Freddie Mercury e da música dos Queen. Ora, sendo eu um fã irremediável dos Queen e sendo o Freddie — em quem se centra a história do filme — o meu herói de sempre, só posso estar a vibrar de excitação. Certo? Certo?! Errado.

Por mais que eu devesse estar entusiasmado com um filme sobre a vida do meu herói, não consigo deixar de pensar que vai ser um desastre de proporções épicas. O filme tem tudo para correr mal. Este é, aliás, um desastre anunciado desde há 8 anos. Lembro que foi em 2010 que se deu o início da produção do filme e foi feito o casting de Sacha Baron Cohen. Sacha que, 6 anos depois, se fartou dos Queen e mandou o projecto mais ambicioso da sua vida às malvas. Claro que quando digo "fartou-se dos Queen", quero realmente dizer "fartou-se de Brian May", o verdadeiro (único?) timoneiro do porta-aviões da banda britânica neste momento (o Roger quer é copos, caça e bater em tambores). Adoro o Brian, mas ele é um control freak e os anos infinitos de produção falhada do filme evidenciaram que ele estava a tentar polir ao máximo a imagem do Freddie. O afastamento do Sacha foi provocado por essa mesma diferença criativa .

É isto que me deixa com suores frios. Todos os sinais apontam para uma total higienização de Freddie Mercury em "Bohemian Rhapsody". E o que me chateia mais nem é a possível distorção dos factos da sua vida (que até pode ser compreensível, em função de um enredo mais cinemático), mas sim a higienização da sua personalidade. Temo que o filme pinte Freddie como um herói impoluto que não foi de maneira nenhuma. Temo que a preocupação em preservar a imagem lhe apague todas as nuances, todas as linhas turvas que eram precisamente as que lhe conferiam maior beleza e de onde nasceram as suas melhores obras. Obras como o tema-título do filme, "Bohemian Rhapsody".

Não tenho medo de ver os defeitos nos meus heróis. Pelo contrário. É nos defeitos que eles mostram humanismo. Vejo beleza na sua complexidade e até na sua falência. Sacha Baron Cohen parecia o perfect fit para o personagem — denso, misterioso e personalidade forte. Rami Malek de Mr. Robot? Não tenho tanta certeza. Pelo menos aceitou à partida as condições impostas pela banda. Mas quem sou eu para o criticar? Eu também aceitaria tudo o que me pusessem à frente, só pela oportunidade de ser o Freddie.

A preocupação de Brian May tem algum fundamento. Nesta era em que o politicamente correcto esmaga todas as formas de expressão livre em favor de versões lixiviadas da realidade, é um desafio fazer um filme sobre os insanos anos 70 e loucos 80s que tenha apelo universal. Mas tanto polimento vai inevitavelmente fazer sofrer o produto final. Um filme sobre Freddie Mercury que não é para maiores de 18 anos? Please.

Compreendo que a banda queira centrar o enredo na música, mas para se contar a verdadeira história de Freddie Mercury, é preciso sujar as mãos. E muito. Se queriam um filme fiel à realidade, talvez o melhor realizador para o projecto fosse o infame Gaspar Noé, que acabou de ir a Cannes com mais uma sangria de sexo, música e alienação. E olha, não foi precisamente assim a vida do Freddie?!



O enredo de "Bohemian Rhapsody" não é difícil de adivinhar e pelo que Brian May deixou escapar no Instagram, até já foi ensaiado no documentário "Days of Our Lives". Querem uma aposta? Lembrem-se que leram aqui primeiro:

A história começa com quatro rapazes que se conhecem no Imperial College em Londres e que rapidamente ganham notoriedade às costas do seu extravagante frontman. A banda faz três álbuns sempre em crescendo de popularidade, mas vê-se na bancarrota, apesar do sucesso. É aqui revelado o primeiro vilão da história, o manager dos Queen, que a banda descobre, lhes anda a sugar o dinheiro.
Os Queen são salvos por John Reid, manager de Elton John que, reza a lenda, diz aos Queen para não se preocuparem com mais nada sem ser fazer o melhor álbum de sempre. A banda vai para estúdio gravar "Bohemian Rhapsody", tema que é inicialmente rejeitado pelas rádios, mas mais tarde descoberto por Kenny Everett — DJ da BBC que fica obcecado com a opereta de Freddie — e passa o tema 14 vezes num só dia. Os Queen levantam voo e planam alto sobre os anos 70, chegando ao topo do mundo em 1980, com o sucesso retumbante de "Another One Bites The Dust" nos EUA.
É aqui que entra o segundo vilão da história: Paul Prenter. Freddie nomeia Prenter como o seu assistente pessoal e este dá-lhe a conhecer a louca vida gay de Nova Iorque no início dos anos 80 (vida essa que culminou na doença que o matou). Prenter, que achava que Freddie era maior que os Queen, convence-o que a banda deviam soar como a música que eles ouviam nas discotecas que frequentavam. Isto cria uma clivagem nos Queen, com Brian e Roger de um lado a quererem seguir a sua herança Rock 'n' Roll, Freddie e Prenter do outro a quererem adoptar uma linguagem mais gay e John, fã dos Chic e do movimento Disco, no meio a tentar equilibrar as coisas.
Deste choque resulta o álbum "Hot Space" e a inevitável implosão da banda, que infelizmente nunca chega a um equilíbrio em estúdio. A clivagem é notória e o álbum sofre com a sonoridade de duas bandas diferentes, cada uma a tocar para seu lado. O equilíbrio chegaria mais tarde em palco, quando os rapazes são obrigados a tocar em conjunto e ser uma banda novamente. Os Queen fazem finalmente das canções de "Hot Space", canções dos Queen e embarcam numa das melhores digressões da sua História, que acaba num triunfante concerto em Milton Keynes (mais tarde lançado em DVD como "On Fire At The Bowl"). Esta comunhão não é suficiente para manter os Queen vivos e a banda acaba por se separar, embora tal nunca seja oficialmente admitido.
Freddie vai a solo e recebe mais dinheiro sozinho para "Mr Bad Guy" do que os Queen receberam para "Hot Space", irritando ainda mais a banda. O disco adopta uma sonoridade full on gay club e, como se pode adivinhar pelo facto de ninguém se lembrar dele nos dias de hoje, é um espectacular falhanço. A banda reforma-se para "The Works", um álbum muito mais sóbrio que é bem recebido pelo público.
Mas como um mal nunca vem só e não há duas sem três, o terceiro naufrágio dos Queen acontece quando a banda tem a infeliz ideia de fazer uma residência em Sun City, terra do Apartheid, no Outono de 1984. A crescente consciencialização social dos anos 80 não perdoa os Queen pela ofensa e a banda cai em desgraça. E é aqui que, caído do céu, surge o Live Aid. Os Queen vêem no evento uma oportunidade de redenção e contra todas as expectativas e uma doença de Freddie cuja gravidade ainda não era bem entendida, fazem a melhor actuação da história da humanidade. O filme termina com Freddie e os Queen em glória.



E aí têm, a história dos Queen e o mais-que-provável plot do filme em apenas sete parágrafos. Já foi contada em "Days Of Our Lives" e não vejo a necessidade de voltar a fazê-lo neste filme. Os Queen estão a andar sobre gelo muito fino e qualquer passo em falso será fatal. Posso estar redondamente enganado acerca de "Bohemian Rhapsody", mas os sinais não são nada animadores. Atentem só no cartaz do filme:


O mau gosto deste cartaz é de uma atrocidade indizível. Começando pela cor azeiteira, passando pelo reflexo do grafismo dos Queen nos óculos e terminando no lema do filme, que inexplicavelmente não é uma linha escrita por Freddie Mercury. E tanto que havia por onde escolher. "Anyway the wind blows" teria sido perfeito, ainda mais sendo do tema-título do filme.

Obviamente que vou ver "Bohemian Rhapsody", mas levo poucas ou nenhumas expectativas. O último pedido de Freddie a Jim Beach (manager dos Queen desde 1978) foi "façam o que quiserem com a minha música, mas por favor nunca me tornem aborrecido." Espero que Brian May se tenha lembrado disso a fazer este filme.

Depois de ver o trailer (texto escrito na noite de 15 de Maio):


Vem aí "Bohemian Rhapsody", o filme que vai contar a história dos Queen, a minha banda preferida e de Freddie Mercury, o meu herói de sempre! WE WILL, WE WILL ROCK YOU! (bate três vezes na mesa) WE WILL, WE WILL ROCK YOU! (bate mais três vezes na mesa). Nunca mais chega Novembro.

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