quarta-feira, 14 de março de 2018

Definitivamente talvez

"I can't tell you the way I feel, because the way I feel is all so new to me", ou os altos e baixos da vida de um novo Londoner.



Dia 1 — 5:00

O que é que eu fui fazer à minha vida?

Eu tinha tudo. Uma vida tranquila, uma casa na praia, um emprego estável, carro pago ao banco, tudo. O que me terá então passado pela cabeça, para mandar tudo ao ar e ir para Londres correr atrás de uma fantasia? O que raio fui eu fazer à minha vida?!

Era só este pensamento que me martelava em loop enquanto me olhava ao espelho àquela hora - às 5 da porra da manhã, hora obscena a que estou obrigado a me levantar para fazer o commute diário para o trabalho. Mas isto são horas para alguém que não sofra de incontinência "já" estar de pé? Se ainda fosse "ainda"... Logo eu, um noctívago, dorminhoco inato, que tantas vezes me levantei às 9:00 em dias de semana, depois de vencer o despertador pelo cansaço de tanto tocar. Logo eu, um atrasadista por excelência, que nunca cheguei a horas a coisa nenhuma, nem sequer a entrevistas de empregos onde fiquei (incluindo este). Logo eu, que sempre desconfiei de pessoas que chegam a horas. Logo eu, que sempre olhei para quem acorda com a pica toda (morning fucking people) como um sinal desviante de sociopatia. Logo eu, que sou este somatório de indigências sociológicas, fui meter-me na terra conhecida mundialmente pela pontualidade.

Àquela hora estranha para um ser humano estar acordado, depois de uma noite dormida em blocos de hora-e-meia, só me ecoavam na cabeça as palavras da minha avó de 95 anos (parece-me importante sublinhar a longevidade da senhora), que me ligara na noite anterior em prantos, a perguntar "meu filho, o que foste fazer à tua vida?!". Sei lá, Vó. Sei lá.

Como em todos os outros precipícios da minha vida, sempre o mesmo arnês na hora da queda. A música. Nas colunas tocava "Definitely Maybe" dos Oasis. O álbum que me me salvou a vida quando tinha 15 anos, veio outra vez em meu socorro e estava ali a segurar-me a mão. Firme. Não deixa cair.
"There we were, now here we are; all this confusion, nothing's the same to me" / "I can't tell you the way I feel, because the way I feel is all so new to me", cantava Liam Gallagher em "Columbia", alinhando versos com o que eu sentia naquela manhã. Da cabeça confusa de um adolescente para a de um adulto não menos confuso, foi um pequeno salto. Levantei a cabeça, penteei o cabelo à Londoner e saí de casa a sentir-me "Supersonic".


Dia 1 — 8:06

Quando cheguei ao trabalho, tinha uma surpresa à espera. Não, não era a carta de despedimento por ter chegado atrasado OUTRA VEZ, logo no meu primeiro dia. Não. Já me tinham dado trabalho. Que era nem mais nem menos que parte do projecto de reabilitação da Battersea Power Station. A BATTERSEA POWER STATION! Para quem não sabe, é a central termoeléctrica na margem sul do Tamisa que aparece na capa do álbum "Animals" dos Pink Floyd e que eu só não classifico taxativamente como a capa mais fixe de sempre, porque os Pink Floyd têm outras artworks que também são as mais fixes de sempre. E sim, eu tenho a perfeita noção que tenho um problema com a exclusividade do conceito de "melhor de sempre". Já me disseram.


Mas isto? Isto é a Battersea Power Station! Aqui não há dúvidas, é mesmo o meu edifício preferido de sempre! Aquele que eu desenhava no caderno quando tinha 12 anos. É o meu sonho. Não, corrijo, nem nos meus sonhos me vi a trabalhar aqui. É um sinal! Só pode ser um sinal que estou no sítio certo, que fiz a escolha certa, que tudo estava escrito e destinado! Agora não é só "in my mind my dreams are real" ("Rock 'n' Roll Star"). Agora é aqui mesmo em carne, osso, betão e estrutura metálica. Tudo aconteceu por uma razão, todas as estradas vieram dar aqui.


Dia 1 — 18:16

Saí da estação de Earls Court, atravessei a estrada e fiz aqueles 100 metros até minha casa em lágrimas. Não sei se por tristeza, se por alegria. Estava assustado com todas as mudanças, mas ollhava à minha volta e via uma beleza idílica, parecia um filme. Finalmente cumpriu-se Londres. "These could be the best days of our lives, but I don't think we've been living very wise" ("Digsy's Dinner"). Naquele momento, tive a certeza que tomara a decisão correcta. Tudo parecia fazer sentido.

Entro em casa e percebo que não havia aquecimento. A senhoria não queria saber disso nem dos outros problemas da casa. E logo percebi que afinal nada era perfeito. Meu Freddie, o que raio fui fazer à minha vida? Intercalo agora períodos de êxtase indescritível com arrependimentos madalénicos. É difícil explicar a montanha-russa emocional onde viajo por estes dias. É muita coisa a acontecer ao mesmo tempo e sinto que a minha cabeça vai explodir. O meu sonho londrino está definitivamente a ser um desastre. Ou talvez o sonho seja mesmo assim. Talvez se fosse de outra forma não seria tão bom. Talvez tenha tomado mesmo a decisão certa em vir atrás da minha fantasia. Fuck knows. Definitivamente talvez.

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