sexta-feira, 14 de julho de 2017

O regresso ao Liceu que deixou muito a desejar dos Red Hot e o sangue novo dos The Orwells

Os Red Hot Chili Peppers deram um concerto demasiado curto e The Orwells foram a surpresa
O Super Bock Super Rock começou ontem e teve logo no primeiro dia o cartaz mais forte. Com algumas novidades e problemas antigos, estes são os destaques do primeiro dia de festival.

Red Hot Chili Peppers (Palco Super Bock Super Rock, 20h40)


Permitam-me um pequeno enquadramento. O primeiro (e último, até ontem) concerto que os Red Hot Chili Peppers deram no Pavilhão Atlântico, em Janeiro de 2003, foi um dos mais importantes da minha vida. Tinha 17 anos e a morar em Castelo Branco, estava longe de tudo o que me interessava; mas quando os Red Hot anunciaram a sua vinda a Portugal, eu sabia que tinha que lá estar. É preciso recuar no espaço e no tempo para perceber a dimensão deste acontecimento: os Red Hot eram na altura a banda do Liceu; eram eles que mais consistentemente passavam na rádio da Associação de Estudantes e eram a banda mais traficada no auge das cópias de CDs, tanto pelo seu álbum de 1999 "Californication", como o então recém-lançado "By The Way". Para mim, aquele concerto era uma espécie de corolário do Liceu; e foi, de facto, um momento decisivo da minha vida — porque a minha mãe não me deixou ir e com isso desencadeou uma fome de concertos para a vida (se soubesse disto, talvez me tivesse deixado ir).

Importa este enquadramento para perceber a magnitude do concerto de ontem no Super Bock Super Rock —  14 anos depois, pude finalmente estar no Atlântico (agora Meo Arena) para satisfazer a minha fantasia adolescente. Tantos anos esperei e tanto que o concerto deixou a minha fantasia a desejar. Começando logo pela duração do espectáculo, abaixo da hora e meia. Para uma banda que não vinha a Portugal há 11 anos, um set com 15 canções deixa muita água na boca. Para um headliner de um festival, ainda por cima o nome mais forte do cartaz (e de muito longe), torna-se incompreensível.

Claro que se este set de 15 canções fosse um concentrado "sempre a abrir" de êxitos, a história teria sido outra. Mas não foi assim. Foram demais os temas fulcrais da carreira da banda que ficaram de fora. Detesto ser aquele gajo do 'shut up and play the hits', mas dois temas do "Blood Sugar Sex Magik" e um tema do "Californication"? Compreendo que não desse para tocar todos e admito a minha parcialidade emocional em favor do "Californication", mas não houve "Scar Tissue", "Around The World", "Road Trippin'" e nem sequer houve "Otherside", provavelmente o tema de maior tracção dos Red Hot em Portugal (e o maior êxito do Liceu). Até "Under The Bridge" (!!!) ficou de fora. Já nem falo em "Dani California", "Higher Ground" ou "My Friends", porque este não era claramente um set de êxitos. Valeram "Aeroplane" e "Suck My Kiss", dois 'minor hits' que me souberam pela vida, qual sandes após jejum prolongado.

Quem não esteve lá e leu até aqui, poderá pensar que o concerto de ontem foi terrível. Nada disso. Só deixou muito a desejar e não correspondeu às minhas (admito que estratosféricas) expectativas. Os Red Hot Chili Peppers continuam a ser uma banda insanamente boa de palco. Que animais. Dá gosto vê-los tocar, tanto nas canções como nos pequenos (e tasteful) improvisos funk que fazem entre músicas. O Flea é uma verdadeira besta do baixo, sempre imprevisível, volta e meia a deixar Chad Smith aos papéis na bateria para acompanhar as suas mudanças de andamento. Mas o Chad não se vai abaixo e esteve quase sempre irrepreensível (não tinha tanta piada de outra forma). Josh Klinghoffer cumpre como substituto de John Frusciante ao vivo (nos discos a história é diferente) e confesso que não senti a falta de John tanto como temia. E por falar em animais, Anthony Kiedis mantém a mestria na arte de ocupar o palco. Pena que não o pudéssemos ouvir em condições, mas isso não era culpa dele (já lá vamos).

Houve momentos de pura apoteose colectiva no concerto de ontem. Sempre que a banda sacava de um clássico, o pavilhão ia ao rubro com um rugido tão ensurdecedor como eu acho que nunca ali ouvi. Foi assim no início com "Cant' Stop" e a meio do set com "Californication". Mas não me lembro de uma histeria no Atlântico ao nível do "Snow (Hey Oh)" de ontem, altura em que a banda praticamente deixou de se ouvir em favor do público a cantar por cima de um ruído indistinguível. Todos os anos tenho que escrever a mesma coisa: a acústica continua a ser o maior problema do Pavilhão Atlântico. Mas até para os standards (baixíssimos) daquela casa, o som no concerto dos Red Hot foi demasiado mau. E acreditem que houve muitos maus exemplos ao longo dos anos. É uma questão antiga que urge resolver, nem que para isso tenhamos que voltar ao pó do Meco.

A setlist foi algo pesada em temas pós-Frusciante (quase um terço do set), com três temas do novo álbum "The Getaway". Dos temas novos, o óbvio destaque é "Goodbye Angels" — mais recente single da banda —, uma malha que eu poderia imaginar em qualquer um dos álbuns clássicos da banda.

Os Red Hot despediram-se com o clássico "Give It Away" e estranhamente Kiedis foi-se embora sem se despedir da audiência (ou fui eu que perdi alguma coisa?). No fim ficaram Flea para agradecer o apoio do público (que foi em grande número e alto barulho) e Chad Smith para distribuir souvenirs e dizer adeus com um "we'll come back soon". Tendo em conta as recentes notícias da separação da banda, Chad deixou-nos o coração mais descansado.


The Orwells (Palco EDP, 20h)



Se os Red Hot deixaram muito a desejar, as expectativas foram ultrapassadas a alta velocidade pelos The Orwells no Palco EDP. Foram a surpresa da noite. O motim começou, desculpem, o concerto começou às 20:00, ainda sob a luz do dia e foi o perfeito aquecimento para o festival. Num concerto para uma plateia muito jovem (ainda era cedo), houve espaço para mosh, crowdsurfing, tudo.

Independentemente do que possam ter lido nas publicações mais trendy, os Orwells não são apenas mais uma 'guitar band' igual às outra. Em primeiro lugar, porque não soam igual às outras 'guitar bands'. A banda de Chicago tem uma sonoridade distintiva, construída pelas guitarras de Dominic Corso e Matt O'Keefe (a fazer lembrar os primórdios dos Oasis), que as separa das demais bandas de garagem que povoam os palcos secundários dos festivais. Depois, porque isso se sente. A energia no Palco EDP andou em ping-pong entre a banda e o público, ora entusiasmando os miúdos lá à frente para mais um mosh, ora puxando pelo vocalista para mais uma dança. O vocalista Mario Cuomo é um frontman à antiga, não toca nenhum instrumento, só canta e dá show à boa maneira de Jagger, Iggy e, obviamente, Kiedis.

São bandas como os Orwells o sangue novo que vai mantendo a chama do Rock 'n' Roll acesa. Quem lá esteve e sentiu a chama das guitarras, sabe do que estou a falar. Claro que estes concertos também têm os seus senãos, nomeadamente o prejuízo em cerveja. É que é muito difícil manter a cerveja no copo enquanto se está a saltar, ou no meio de um mosh.

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