quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Pink FLoydGBTQIA+, Money Madonna, U2 sem gás e outros assuntos da semana na música

Ainda estamos em Janeiro e o ano já nos presenteou com muitas polémicas no mundo da música. Há muito assunto para tratar, por isso vamos pôr a escrita em dia. Começamos pelo caso "Pink FloydGBT" que levou a letra de "Money" demasiado à letra.

Pink FLoydGBTQIA+

O álbum mais consagrado dos Pink Floyd, "The Dark Side Of The Moon", faz 50 anos em março, e como tal, a banda britânica decidiu comemorar a efeméride com uma reedição de luxo (já lá vamos) e uma campanha nas redes sociais, que apresentou um logotipo com o número 50 sob o icónico prisma e o espectro cromático, tal como no álbum original. O resto da história, já devem ter lido, mas deixo a crítica aos Comfortably Dumb para a malta mais acordada das redes sociais como o Nuno Markl. Eu, honestamente, não tenho paciência. Escusado será dizer que quem ouve Pink Floyd, e faz este tipo de comentários, não percebe nada do que está a ouvir.

Como fã dos Pink Floyd, prefiro comentar a absolutamente obscena reedição "de luxo" que a banda preparou, que não é mais que uma versão light da caixa Immersion de 2011, com um terço do conteúdo (mais a mistura Atmos), mas pelo triplo do preço. Irónico que este seja o disco que há 50 anos nos avisou das armadilhas do mundo moderno. Agora são os Pink Floyd a levar à letra — "Grab that cash with both hands and make a stash". Este é um produto tabelado a um preço absolutamente ofensivo, que nos leva a reflectir sobre o valor da música, em plena era do Youtube e Spotify, em que tudo se pode ouvir de borla, e em que as editoras se queixam da falta de vendas físicas, mas depois apresentam produtos obscenos deste calibre. Em que ficamos? Querem atrair mais clientes ou espantar os poucos que, como eu, ainda insistem em comprar tudo e ter a música nas mãos?

O meu nível de fanatismo pelos Pink Floyd é alto, e não arrisco muito se disser que tenho tudo que a banda já lançou em (quase) todas as iterações possíveis. E no entanto, por princípio, vou bloquear este lançamento projectado para cobrar o máximo dos fãs, oferecendo o mínimo possível. Que é como quem diz, já encomendei tudo... Não, estou a brincar. Encomendei apenas o vinil do "Live At Wembley 1974", que ainda por cima é editado. A caixa de luxo, pela primeira vez, não vou comprar. E não sou o único. Conheço muitos fãs que estão cansados de ser explorados e vão atingir os Pink Floyd onde lhes dói mais. No bolso. E são eles socialistas, olhem se não fossem.


Quem desdenha a Madonna, quer comprar

E por falar em "Money", a Madonna vai fazer uma digressão para celebrar os 40 anos anos de carreira, que é como quem diz, a Madge quer o vosso dinheiro. Todo o vosso dinheiro. Os preços para os bilhetes para o concerto no Atlântico (ou aqui em Londres, no o2) são, de facto, de levar as lágrimas aos olhos, e a polémica instalou-se em Portugal, com o próprio promotor do concerto, Nuno Braamcamp, a questionar: "Como é possível o público português ter dinheiro para estas coisas?". Já eu tinha poucas dúvidas que ia esgotar, e não só esgotou, como já há segunda data. O mercado é que dita os preços, e se há público para comprar os bilhetes a este valor, então é jogo limpo. Não é que a Madonna tenha passado a carreira a representar o papel de herói da classe trabalhadora, como o Boss. Já eu, que ainda tinha esperança de um dia ver a Madonna ao vivo, desisti em definitivo da ideia.


Noel Gallagher sai de casa e regressa às origens com novo disco... E a velha banda?

Noel Gallagher é um dos meus heróis e foi por isso com enorme expectativa que recebi a notícia (ou vá, a confirmação - link) do novo disco “Council Skies", a ser lançado em Junho. Noel tem também música nova, “Easy Now”, single de avanço do álbum que é, não vou esconder, uma valente desilusão. Noel apela ao denominador mais comum da sua fanbase e deixa para trás as experimentações electrónicas dos últimos anos. É pena. Dispenso este regresso às origens. Que é como quem diz, já encomendei o álbum nos formatos de triplo vinil, duplo CD e cassete. Enfim, sou fã doente, e com esta idade, temo que esta doença já seja incurável. Mas atenção, em minha defesa isto é música nova, não é uma reedição de material reciclado a preços obscenos... Bem, pelo menos não é reciclado.

Noel também esteve em destaque nos tablóides do UK nas últimas semanas, devido ao seu divórcio com Sara McDonald. O que é que isto tem a ver com música? Pode ter muito. É que Sara foi quem, alegadamente, convenceu Noel a deixar os Oasis há 15 anos, e desde então que está para o mano Liam como o diabo para a cruz. Com o regresso de Noel a Londres, literalmente a solo, a aproximação com o mano mais novo parece inevitável. Será que vamos ter os Oasis de volta em 2024? Graham Coxon, guitarrista dos Blur, já incentivou Liam no Twitter a ligar ao Noel. E assim fecha-se o ciclo da guerra da Britpop, com os Blur a servirem o cachimbo da paz aos Oasis. Quem diria?


U2 têm disco "novo". As canções é que são velhas

Os U2 anunciaram um novo disco, mas em vez de música nova, o álbum será composto por regravações acústicas de temas antigos. Tem sido penosa, esta última década dos U2. Nada grita mais alto "banda em declínio" que um álbum acústico. Regravar ou, como sugerem os U2, "re-imaginar" êxitos antigos só nos prova que o depósito dos U2 está vazio. Isto se ainda houvesse dúvidas depois do sofrível "Songs Of Experience". Fui ver o espectáculo do Bono a solo e adorei as interpretações intimistas e minimalistas naquele contexto. Um filme e álbum ao vivo deste show podem resultar como projecto a solo, mas uma recauchutagem de 40 temas com o selo dos U2? Quem é que vai ouvir isto, em detrimento dos originais? Os U2 precisam urgentemente de afinar o azimute e voltar a ser aquela banda que pensa fora da caixa e nos trouxe "Achtung Baby", "Zooropa", e "Pop". Neste momento mais parecem ligados à máquina e em risco de tornarem num pastiche de si mesmos, qual Elvis na sua fase balofa.


"The Last Of Us" a ser o "Stranger Things" dos Depeche Mode

O primeiro episódio da série "The Last Of Us", que adapta o popular videojogo ao pequeno ecrã, termina com o bombástico "Never Let Me Down", dos Depeche Mode. Consta que, devido ao sucesso da série, esta aparição já está a fazer pelos Depeche Mode o que "Stranger Things" fez pela Kate Bush, quando usou "Running Up That Hill (A Deal With God)". Ainda bem. "Never Let Me Down" é uma malha catedrática e os Depeche Mode já estão a ficar demasiado obscuros para as gerações mais novas, que assim podem ficar a conhecer a banda, principalmente naquela fase imperial entre 1987 e 1990.


Adeus a Jeff Beck e David Crosby

O ano começou mal para os velhotes da música e ainda vamos em Janeiro. Primeiro foi Jeff Beck, que partiu no dia 10, e depois foi a voz divina de David Crosby, que nos deixou dia 18. Sobre Jeff Beck, já falei no podcast do London Calling na NiTfm — era "o guitarrista dos guitarristas" e só não obteve o reconhecimento que merecia por entre o grande público, uma vez que não era tão dotado como compositor de canções, como era com as cordas da guitarra. Por outro lado, também não teve a sorte de integrar uma banda que tivesse um compositor de excelência, com quem ele pudesse colaborar a tempo inteiro, qual Slash para um Axl,  ou qual Gilmour para um Waters.

Por falar em compositores de excelência, David Crosby foi um cantor, escritor e ativista, cuja influência não é suficientemente reconhecida. Vou falar sobre ele no London Calling desta semana; até lá fiquem com uma playlist que reúne alguns dos pontos altos da sua carreira, desde os Byrds, passando pelas várias iterações dos CSNY, com, e sem, S e Y, e desaguando na sua intermitente carreira a solo, que foi sempre mais brilhante, quando acompanhada. É o caso das colaborações com alguns dos meus artistas favoritos, Phil Collins e David Gilmour, ou todas as vezes que se reunia com o seu amigo (e às vezes arqui-inimigo) de sempre, Graham Nash. A ouvir aqui.

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Pedro Abrunhosa embaixador do Cante Alentejano? Onde é que isto já se viu?

Uma reflexão sobre a polémica que tem gerado acesas discussões nas redes sociais.

A bomba estourou nas redes sociais: Pedro Abrunhosa, conhecido portuense de gema, é agora o embaixador internacional do Cante Alentejano. Onde é que isto já se viu? Bem, viu-se em Londres, por exemplo. E eu estive lá.

Concedo que era, à partida, uma proposta inusitada — um concerto de Pedro Abrunhosa, autor de música urbana e nocturna, acompanhado por um Coro de Cante Alentejano, mais associado a paisagens soalheiras e bucólicas. Era uma combinação, no mínimo, curiosa; mas não é dessas misturas inesperadas que nasce a arte transgressiva? Pois bem, o concerto ia acontecer tão perto de mim, em Londres, na icónica Union Chapel, que nem pestanejei.

A minha história com a música de Pedro Abrunhosa é antiga, quase tanto como eu. Sou fã dele desde o “Viagens”, de 1994, álbum em fui viciado entre os oito e os nove anos de idade. A digressão de promoção ao disco parou em Castelo Branco, num espetáculo que incendiou a cidade (naquela altura não acontecia muita coisa por lá) e despertou o meu fascínio pela música tocada ao vivo. Vi o concerto todo em cima de um barril de cerveja ao fundo da sala e foi apenas o primeiro de centenas de concertos que já vi entretanto. Rever Abrunhosa em Londres era, pois, uma inevitabilidade.

O concerto na Union Chapel foi fenomenal — nada mais, nada menos. Num alinhamento que condensou a riquíssima discografia do Pedro Abrunhosa (podem ouvir o podcast), a música já falaria por si mesma, mas o acompanhamento do Cante Alentejano tornou a noite numa experiência visceral, quase religiosa (ou não fosse numa capela), que me voltou a ancorar emocionalmente nas minhas raízes e me puxou as lágrimas por diversas ocasiões. Destaco um solista mais novo, com os mesmos oito ou nove anos que eu tinha naquele concerto em Castelo Branco, e que subiu ao púlpito da capela para cantar "Para Os Braços Da Minha Mãe". Foi arrepiante. Para um português que vive no estrangeiro, ver aquela forma de cantar tão inexoravelmente portuguesa, ainda mais aliada às canções infalíveis do Pedro, é demais para o que a compostura londrina pode aguentar. As saudades de casa bateram à porta e as lágrimas saíram à rua.

Imagino que depois do sucesso retumbante desta mini digressão internacional, e particularmente deste concerto, o Pedro Abrunhosa tenha sentido a vontade de alargar o espectáculo a Portugal (há datas marcadas nos Coliseus de Lisboa e Porto) e para o resto do mundo. Normal. Isto faz dele um embaixador do Cante Alentejano? Talvez, mas somente de forma incidental, da mesma maneira que podemos dizer que Marisa é embaixadora do fado, Ronaldo é embaixador do futebol português, ou a cortiça é embaixadora da indústria nacional. Ninguém nomeou oficialmente nenhum dos anteriores, mas todos se destacaram nos respetivos campos e, como tal, se tornaram figuras de proa. Será esse o problema?

Expliquem-me, os críticos, qual é o problema em ver Pedro Abrunhosa levar um grupo de Cante Alentejano para atuar numa sala cheia em Tóquio, por exemplo? Qual é o medo? Que os japoneses não vejam um gajo de boina e bigode e como tal, fiquem com "a ideia errada" do que é um alentejano? Num país tão pequeno como o nosso, este tipo de clivagem Norte/Sul não faz sentido. Quem vive fora de Portugal rapidamente se apercebe do ridículo que é dividir um país com 10 milhões de habitantes, aproximadamente a população de uma cidade como Londres.

Os factos são estes. Pedro Abrunhosa é um músico, que tem um espetáculo onde projeta, e bem, o Cante Alentejano. Muito mais do que promover o Alentejo, o Pedro está a promover Portugal. O cantor não foi nomeado oficialmente como embaixador de coisa nenhuma, mas um misto de preguiça para pesquisar sobre o assunto e da habitual fome de sangue das hienas das redes sociais, levou a que os ataques a Abrunhosa se multiplicassem em poucas horas. Amo o nosso País, mas a clássica inveja tuga é aquilo de que sinto menos saudades. Hoje ataca Pedro Abrunhosa, amanhã será outro qualquer. É assim, e já o aceitamos como algo normal, parte da nossa cultura. A ideia hoje foi do Pedro, mas tenho a certeza que se amanhã o Janita Salomé quiser fazer algo parecido, e reunir as mesmas condições, não lhe vão dizer que não. Até lá, tentem refrear o ódio sobre quem tenta fazer alguma coisa pela parte virtuosa da nossa cultura.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Os discos mais esperados de 2023

Agora que fechámos o livro de 2022, é tempo de olharmos para o futuro. 2023 vai trazer-nos uma miríade de discos novos e há muito por que esperar este ano, começando já no dia de hoje que conta com um regresso chave (já lá vamos).

Como é óbvio, o lote dos discos mais esperados de 2023 está mais pesado no início do que no fim. Já temos uma ideia do que esperar para Janeiro e Fevereiro, mas a partir de Março e adiante, as coisas começam a ficar mais complicadas. Temos alguns rumores, indicações, e datas ao vivo que nos podem servir de guia. Vamos a isto, começando pelo início e seguindo em ordem cronológica.


Iggy Pop — "Every Loser" (6 de Janeiro)

O ano começa com o muito esperado regresso do padrinho do Punk. Iggy Pop, que aos 75 anos continua a sofrer daquela condição médica de ter que estar sempre em tronco nu, vai lançar o seu décimo nono álbum a solo, "Every Loser", hoje, 6 de Janeiro. É o primeiro disco desde o apagado "Free", de 2019, e as faixas de avanço "Frenzy" e "Strung Out Johnny" prometem um salto qualitativo significativo. Iggy conta com participações especiais de peso, como Duff McKagan, baixista dos Guns N' Roses, ou Chad Smith, baterista dos Red Hot Chili Peppers. A ideia há 10 anos era fazer do (brilhante) "Post Pop Depression" o seu último álbum, mas ainda bem que Iggy continua o mesmo não conformado em tronco nu de sempre.


Gaz Coombes — "Turn The Car" (13 Janeiro)

Gaz Coombes é o vocalista dos Supergrass e tão underrated como a banda que lidera. Gaz regressa já para a semana, 13 de Janeiro, com "Turn The Car", o sucessor de "World's Strongest Man", de 2018. Os singles de avanço "Don't Say It's Over" e "Long Live The Strange" são absolutamente brilhantes, por isso as apostas estão altíssimas para este disco. Estejam atentos aos novos lançamentos no Spotify.


Circa Waves — "Never Going Under" (13 Janeiro)

s Circa Waves regressam também dia 13 de Janeiro, com o seu quinto álbum, "Never Going Under", que sucede ao duplo "Sad Happy" de 2020. Os tempos de ouvir um álbum inteiro no dia de lançamento já lá vão e como tal, já ouvimos 4 faixas de avanço do novo disco: "Living In The Grey", "Carry You Home", "Do You Wanna Talk" e "Hell On Earth".  Espero que o novo disco da banda de Liverpool seja mais como o sombrio "Living In The Grey", e menos como o tonto "Do You Wanna Talk".


We Are Scientists — "Lobes" (20 Janeiro)

Odiados pela crítica americana, mas com uma fanbase significativa no Reino Unido, os We Are Scientists são praticamente desconhecidos em Portugal, apesar de já andarem nisto há mais de 20 anos. O trio californiano volta a 20 de Janeiro para o seu oitavo (!) álbum "Lobes" e, se ouvirem o contagiante single de avanço "Less From You", perceberão que o disco pode trazer mais que uns meros LCD Soundsystem de marca branca. Ou não.


The Smashing Pumpkins — "Atum: Act Two" (27 Janeiro)

Billy Corgan, o que dizer? Sempre um pastiche de si próprio, Billy decidiu agora fazer uma trilogia de álbuns que perfazem uma Ópera Rock, a que chamou "Atum" (leia-se "Autumn", mas em português tem mais piada). Estas coisas não se inventam. O primeiro acto desta Ópera Rock foi desvendado a 14 de Novembro do ano passado, a 27 de Janeiro chega o segundo, e o terceiro chega em Abril. Dito isto, o single de avanço "Beguiled" é das melhores faixas dos Smashing Pumpkins que eu ouvi nos últimos 20 anos, desde "Machina II". Por outro lado, sinto que já disse isto sobre outros temas da banda americana neste período. Pelo menos estão a melhorar.


Ryan Adams – "(What's The Story) Morning Glory?" (Janeiro?)

Ryan Adams tem vindo, quase diariamente, a revelar faixa a faixa as suas versões do icónico disco dos Oasis "(What's The Story) Morning Glory?" — um dos álbuns mais vendidos de sempre no Reino Unido e um marco indelével na cultura popular britânica nos anos 90. Não há data de lançamento para este projecto, mas tendo em conta que Ryan tem lançado uma média de quase um disco por mês no seu site, em ligação directa com os seus fãs, eu aposto que vamos ouvir notícias nas próximas semanas.


Yo La Tengo — "This Stupid World" (10 de Fevereiro)

Formados em 1984, os Yo La Tengo já levam muitos anos e muitos álbuns no seu currículo. "This Stupid World" é o décimo sétimo da banda de New Jersey e foi totalmente produzido pela própria banda. O disco sai a 10 de Feveveiro, sucedendo ao experimentalista "We Have Amnesia Sometimes", de 2020. O single de avanço, "Fallout", dá excelentes indicações para o que pode trazer este álbum.


Orbital — "Optical Delusion" (17 Fevereiro)

Os Orbital são uma relíquia dos anos 90 e, como a maioria delas, separaram-se algures nos anos 00 e regressaram uns anos mais tarde para a vaga revivalista (que agora já está a chegar aos próprios 00). Dito isto, "Optical Delusion" promete ser muito mais que um mero exercício de revivalismo. O primeiro single "Dirty Rat", em colaboração com os Sleaford Mods, é das faixas mais entusiasmantes que ouvi nos últimos meses, por isso atentem no regresso dos Orbital, que podem voltar a invadir as pistas de dança em 2023.


Shame — "Food For Worms" (24 de Fevereiro)

Acompanho os Shame desde o início e posso dizer que fui um dos primeiros a comprar o seu disco de estreia "Songs Of Praise", na bancada de merchandising de um concerto muito transpirado no Electric Ballroom em Camden, estávamos em 2018. O tempo passa a correr e aqui estamos já para o terceiro álbum "Food For Worms", a chegar dia 24 de Fevereiro. O single de avanço "Fingers Of Steel" revela que os rapazes de Brixton mantêm a mesma fúria, mas o som desta feita vem mais polido.


Gorillaz — "Cracker Island" (24 Fevereiro)

Estes dispensam apresentação. Depois de um concerto no Porto em 2022 que converteu muitos cépticos à banda de desenhos animados de Damon Albarn e Jamie Hewlett, os Gorillaz regressam aos discos dia 24 de Fevereiro para o seu oitavo álbum "Cracker Island". Damon é neste momento um dos artistas mais bem conectados da indústria, por isso não é de admirar o desfile de estrelas na folha de créditos do álbum, incluindo os Tame Impala, Bootie Brown e Thundercat. Já pudemos ouvir os singles "Cracker Island", "Baby Queen" e "New Gold", sendo este último, com os Tame Impala, o tema mais forte até ao momento. E não esquecer que ainda teremos o regresso aos palcos dos blur em 2023.


The Lathums — "From Nothing To A Little Bit More" (24 Fevereiro)

O nono álbum dos The Lathums, "From Nothing To A Little Bit More", chega também a 24 de Fevereiro, sucedendo a "How Beautiful Life Can Be", de 2021. O vibrante single de avanço, "Say My Name", faz com o novo disco da banda de Wigan seja uma das minhas apostas para 2023.


Lana Del Rey — "Did You Know That There's a Tunnel Under Ocean Blvd" (10 Março)

A maravilhosa Lana Del Rey regressa a 10 de Março com o seu nono álbum, "Did You Know That There's a Tunnel Under Ocean Blvd", sucessor de "Blue Bannisters" de 2021. O excelente tema-título saiu em Setembro passado e só nos dá indicações positivas para o que eu espero que seja um dos álbuns do ano.


A Certain Ratio — "1982" (31 Março)

Os veteranos de Manchester já andam nisto desde 1977, e apesar de manterem sempre uma base de seguidores sólida, parece que andam sempre escondidos das luzes, sempre nos bastidores da indústria. E nisto têm um novo álbum, "1982", que será com certeza um dos mistérios do ano.


Metallica — "72 Seasons" (14 Abril

Não há banda que trate melhor os seus fãs, que os Metallica. Anunciado em Novembro passado, com data para 14 de Abril, o décimo primeiro álbum da banda de São Francisco, "72 Seasons", vai chegar com uma mega digressão já projectada para 2024. Os velhotes não enganam, vão ser os novos Rolling Stones.


Noel Gallagher's High Flying Birds — "Council Skies" (Maio)

Ainda sem anúncio oficial, o novo disco de Noel Gallagher já aparece na Amazon com data marcada para Maio, mês do 55º aniversário do Chefe. Noel já anunciou que o álbum vai ser uma "homenagem a Manchester", o que pode significar muita coisa. O single de avanço, "Pretty Boy", com guitarras de Johnny Marr (Manchester!) indica que Noel mantém-se no seu território familiar nos últimos anos, mais virado para o beat do que para o refrão orelhudo. Ainda bem. Ia detestar ver o Noel tornar-se num pastiche de si mesmo.


Depeche Mode — "Memento Mori" (Maio?)

Depois da morte do membro fundador, Andy Fletcher, em Maio passado, os membros sobreviventes dos Depeche Mode, Dave Gahan e Martin Gore, anunciaram ao mundo a vontade de continuar e um regresso ao estúdio para trabalhar em material original. Ainda não há música nova, mas já está uma digressão marcada, com o nome de Memento Mori, a revelar o nome do novo álbum. A digressão começa em Maio, por isso devemos ouvir mais detalhes do novo disco até lá.


Peter Gabriel — "i/o" (Maio?)

Peter Gabriel chocou os seus (já descrentes) fãs quando anunciou o regresso aos palco no fim do ano passado, numa digressão para promover um novo disco, intitulado de "i/o". O último álbum do ex vocalista dos Genesis, "Up", já data de 2002, há 20 anos portanto. Os bilhetes começaram a ser vendidos (eu já tenho o meu), mas notícias do álbum é que nada. Tendo em conta que a tour começa em Maio, presumo que, até lá, vamos ter o álbum nas mãos. Desde a meia noite de hoje, que já podem ouvir o  primeiro single no Spotify, "Panopticom", e não desaponta.


Morrissey — "Bonfire Of Teenagers" (?)

Originalmente alinhado para lançamento em Fevereiro deste ano, o décimo quarto álbum a solo de Morrissey, "Bonfire Of Teenagers", pode nunca ver a luz do dia. O disco foi descrito pelo vocalista dos The Smiths como o melhor da sua carreira e se é difícil fazer fé no que sai da boca do mancuniano nestes últimos anos, o maravilhoso primeiro single "Rebels Without Applause" (com um riff a fazer lembrar "This Charming Man") indica que é possível que ele não esteja assim tão longe da verdade. Se nos faz lembrar The Smiths, só pode ser bom. A verdadeira constelação de participações neste disco (Chad Smith, Flea, Josh Klinghoffer, Iggy Pop, Miley Cyrus) também adivinha que podemos estar na presença de algo especial. O problema é que (e com o Stephen parece haver sempre um problema) a Capitol Records deixou Morrissey e por isso o álbum não tem uma editora para o seu lançamento. Teremos então que esperar que Morrissey resolva este imbróglio para finalmente poder ouvir "Bonfire Of Teenagers", o autoproclamado melhor álbum de sempre de Morrissey.


The Cure — "Songs Of A Lost World" (?)

Sem data de lançamento, o décimo quarto álbum dos The Cure já tem nome, "Songs Of A Lost World", e está previsto para este ano. É o primeiro disco da banda de Robert Smith desde "4:13 Dream", de 2008.

Podem ouvir tudo o que está em cima e mais ainda na playlist em baixo, numa lista mais exaustiva dos lançamentos deste ano, também ordenada cronologicamente.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O casal de imbecis que quer impedir "Last Christmas" de ajudar os outros

A propósito do casal que angariou dinheiro para tirar do ar uma das canções mais amadas e mais generosas da quadra natalícia.



Se têm acompanhado as notícias desta silly season natalícia, já devem ter lido sobre aquele casal de imbecis que convenceu centenas de outros imbecis a doarem dinheiro para a causa mais estúpida do ano — comprar os direitos de "Last Christmas" dos Wham!, destruir as masters e tirar a música do ar. Não que eu queira dar muita publicidade a este grupo de idiotas, mas a NiT escreveu sobre isso, e podem ler tudo aqui.

Como piada, a ideia pode funcionar para os tristes. Mais que isso, não passa de uma manobra para ganhar publicidade (como eu lhes estou aqui a dar), ou, na pior das hipóteses, uma grande burla. Na prática, a ideia é obviamente inexequível. "Last Christmas" é uma das mais populares, mais perenes e mais amadas canções de Natal da História da música popular. Foi originalmente lançada em 1984, há quase 40 anos, mas a sua popularidade não pára de aumentar. Originalmente impedida de chegar ao lugar cimeiro das tabelas por outro grande hit natalício onde George Michael também canta — "Do They Know It's Christmas", da Band Aid —, "Last Christmas" foi até há 2 anos o single mais vendido nas tabelas britânicas que nunca chegara a número 1. Foi apenas na última semana de 2020 (tecnicamente no dia 1 Janeiro de 2021), que o tema finalmente alcançou o primeiro lugar. A canção não vai desaparecer tão cedo e não é um grupo de idiotas que pode mudar isso.

O que este casal fez, ao convencer centenas de tontos a darem o seu dinheiro, angariando uma soma a norte de 62 mil dólares, foi basicamente burlar esta gente de gosto discutível e capacidade cognitiva indiscutivelmente fraca. Com esta soma, muito abaixo dos 20 milhões necessários para começar a conversa com a editora, nem sequer vão conseguir retirar os "oooh ooaah" do George no início da música, antes da lírica começar. E no entanto, amealharam dinheiro suficiente para não trabalhar um ano, à custa de alguns idiotas. Bem feito para eles. Tentar acenar dinheiro mal intencionado para acabar com o que milhões de outras pessoas gostam é a antítese do que é o Natal. A propósito desta idiotice, a vocalista dos Skunk Anansie, Skin, comentou: "aposto que eles mudariam de ideias quando o dinheiro das royalties começasse a entrar!"

Mas pior que a maldade de tentar impedir os outros de ouvir música que gostam é impedir que os mais necessitados beneficiem do dinheiro que é todos os anos angariado por "Last Christmas". Bem sei que não é um facto muito conhecido, até porque o George Michael ajudava os outros desinteressadamente, sempre com a condição de não ser conhecido como o benfeitor — a maior parte destes casos só foram conhecidos após a sua morte em 2016. Mas a verdade é que o dinheiro das royalties de "Last Christmas" ganho por George Michael é doado a causas humanitárias desde 1984... até aos dias de hoje. Foi a própria família que confirmou esse era o desejo de George, em mais um acto de bondade de um homem que era demasiado boa gente para um mundo tantas vezes cruel para com ele.

George disse em 1985 à revista Smash Hits (as minhas fontes sobre o George Michael são seguras): "Todos os meus lucros de "Last Christmas" vão também para a Etiópia. O Band Aid foi óptimo, mas foi só um dia na vida de toda a gente. Acho que não é suficiente. É impossível não ter uma consciência social sobre estas coisas quando estás a fazer rios de dinheiro. Por isso tentei convencer a editora, CBS, para doar a parte deles dos lucros também, mas eles não quiseram "abrir um precedente". Mas espero que outros artistas no Top 10 de Natal também doem os seus lucros". Que eu saiba, foi só mesmo George Michael a fazê-lo. Saudades do George.

Por isso já sabem, sempre que ouvirem "Last Christmas", para além de ouvirem uma grande música, também estão a ajudar. Não é isso que é o Natal?


sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Quero tudo e quero tudo agora: os Queen lançam caixa de luxo de “The Miracle”


Quando soube que os Queen iam lançar uma box de luxo do álbum "The Miracle", a minha reação foi de estupefação — “A sério, o "The Miracle"? Qual é que vão fazer a seguir, o "Flash Gordon"?”. Não é segredo que não morro de amores pelo antepenúltimo disco dos Queen, mas como fã incurável que sou, já tinha a box nas mãos no primeiro dia. O meu veredicto final não podia estar mais longe da impressão inicial. Este é o melhor lançamento de arquivo dos Queen desde, pelo menos, 2014, quando saiu “Live At The Rainbow”.

Independentemente da (falta de) inspiração do álbum, “The Miracle” é um disco importante na história dos Queen. Ao mesmo tempo que a banda tentava fazer um comeback portentoso — não foi por acaso que o single de avanço foi o roqueiro “I Want It All” —, por esta altura, circa 1987, os Queen já sabiam da condição de Freddie, por isso o disco começa a ter um feeling de despedida. A colocação de “Was It All Worth It?” no fim do disco também não é inocente. Este feeling seria muito mais acentuado nas sessões subsequentes, que deram origem a “Innuendo” e “Made In Heaven”. O estado de espírito de “The Miracle” é ainda muito mais optimista, desde a abertura com "Party", até ao tema-título "The Miracle".

A escolha deste disco para uma edição de luxo é enigmática, por não ser (de todo) um dos melhores discos dos Queen, mas por outro lado essa é precisamente a razão que torna a reavaliação de “The Miracle” mais premente. Será assim tão mau como a fama que carrega? Esta caixa confirma que não.

Para esta edição de luxo, os Queen foram à master digital restaurar a versão original de "The Miracle", que tinha “Too Much Love Will Kill You” no Lado A, entre "I Want It All" e "The Invisible Man". O tema ficou envolto em disputas de royalties que não foram resolvidas antes do lançamento do disco, e como tal, só veria a luz do dia no álbum a solo de Brian May, “Back To The Light”, em 1992. A versão das sessões de “The Miracle” só apareceria mais tarde, no disco póstumo dos Queen, “Made In Heaven”, em 1995. Devido ao facto de ser uma master digital, não podemos esperar grandes melhorias nesta nova tiragem em vinil, mas fica restituída a verdade do álbum.

A origem digital do álbum, que foi gravado praticamente por inteiro numa consola digital, e com uso excessivo de instrumentação electrónica, é um dos sintomas que explicam a tepidez e a falta de alma em "The Miracle". Como se explica o abuso da electrónica, especialmente quando se tem executantes tão virtuosos numa banda como os Queen? O factor humano é providencial na sonoridade dos Queen e isso fica provado no segundo disco da caixa, "The Miracle Sessions" — a jóia da coroa desta edição —, que mostra Freddie, Brian, Roger e John em estúdio, livres e soltos, a tocarem as suas partes nos respectivos instrumentos. Estes foram, em muitos casos, substituídos mais tarde por sintetizadores. À falta de versões ao vivo destas canções (não houve digressão devido à condição de Freddie), "The Miracle Sessions" mostra-nos como soariam estes temas caso os Queen tivessem levado o álbum para a estrada.

"The Miracle Sessions" é então dividido em duas partes, começando com uma versão alternativa do álbum, constituída por uma amálgama de demos, takes alternativos e ensaios de estúdio, colados com diálogo para dar uma sensação de continuidade. É uma experiência alternativa ao álbum original que, como referi em cima, é o mais próximo que alguma vez estaremos de ouvir as canções de "The Miracle" ao vivo. E é uma maravilha. Mesmo faixas absolutamente amorfas como "Party" e "Rain Must Fall" ganham nova vida nestas versões com instrumentação humana. É a primeira vez que ouvimos "Breakthru", de longe o melhor tema de The Miracle, com bateria e baixo verdadeiros. Este disco confirma também que "Breakthru" é na verdade uma colagem com outro tema, "When Love Breaks Up", que ouvimos aqui pela primeira vez.

Como seria de esperar, as melhores músicas da iteração final do álbum são as melhores músicas dos ensaios. "Scandal" soa por isso gloriosamente na sua versão despida em estúdio. O ensaio de "I Want It All" bate ainda mais forte que a versão final e é delicioso ouvir Freddie a deixar escapar um “shit!” quando entra cedo demais em "I Want It All". Freddie volta a antecipar-se em "Rain Must Fall", mas desta vez consegue segurar o vernáculo. "The Invisible Man" é aqui a demo original de Roger, que já conhecíamos da edição deluxe de 2011, mas agora com um take alternativo e estendido do solo de guitarra de Brian May no fim.

A segunda parte de "The Miracle Sessions" desvenda uma antologia de canções, (supostamente) completamente novas, gravadas nas sessões de "The Miracle". Supostamente porque temas como "Dog With A Bone", "I Guess We’re Falling Out", e o mais recente single "Face it Alone" já eram conhecidos dos fãs que frequentavam as convenções dos Queen desde há décadas. Confesso que esperava que a escolha para o tema de promoção a esta box recaísse sobre "I Guess We’re Falling Out", uma música muito mais radiofónica e representativa do material mais upbeat das sessões de "The Miracle" — em oposição a "Face It Alone", que captura melhor o mood mais sombrio de "Innuendo". O facto é que "Falling Out" requeria gravações adicionais devido aos nananas de Freddie, que revelam que a lírica não estava terminada (e que explica por que não foi utilizado em "Made In Heaven").

Não é certa a extensão da recauchutagem em estúdio de "Face It Alone" (há ali pelo menos uma correção de tom na faixa vocal de Freddie) a quanto foi tratado, mas tendo em conta o resultado minimalista, não me parece que Brian e Roger tenham mexido muito com as gravações originais. E este até é um exemplo em que um solo a rasgar de Brian May poderia elevar a canção para outro nível. "Face It Alone" nao é o melhor tema "perdido" interpretado por Freddie Mercury (esse continua a ser "It's In Everyone Of Us" de David Pomeranz, a última performance ao vivo na vida de Freddie), mas em todo o caso, é sempre bom ouvir música "nova" de Freddie Mercury. Nem que fosse a cantar o "Malhão".

"Dog With A Bone" é mais uma sessão de improviso do que uma canção, mas serve para nos relembrar da versatilidade e poder absurdos da voz de Roger Taylor. Só mesmo nos Queen é que alguém com este talento pode ser "só" o baterista. "Water" e "You Know You Belong To Me" são, estas sim, composições completamente novas e desconhecidas de Brian May, e eu só me pergunto se ele se esqueceu da existência destes temas. Nunca mais apareceram em discos dos Queen, ou sequer a solo.

O terceiro disco da caixa, "Miracumentals" (a sério, Brian? Não era melhor, sei lá, Instrumiracles? Ok, é igualmente mau), é outra revelação — um disco de versões instrumentais que revela pequenos detalhes, como por exemplo as harmonias na introdução de "Breakthru", as quais parecem retiradas de um tema do álbum “Barcelona”, que Freddie produziu na mesma altura que “The Miracle”. É um disco óptimo para fazer karaoke.

O set inclui ainda material vídeo em BluRay e DVD, que reúne os clipes de "The Miracle" e os respectivos making-ofs. Mais importante ainda, é possível escolher as misturas surround dos singles, que foram criadas há 20 anos para o DVD "Greatest Video Hits 2", bem como os respectivos comentários de Brian e Roger, também gravados para esse DVD. É pena que o resto do álbum não tenha sido misturado em surround.

A box de “The Miracle” é, de longe, o melhor produto a sair da esfera dos Queen nos últimos anos. Tem que ser o novo barómetro para os próximos lançamentos. E se a nova regra do Dr Brian May for lançar versões expandidas dos álbuns menos bem conotados dos Queen, que venha daí uma caixa de luxo do "Hot Space". Nenhum outro disco dos Queen precisa tanto de uma reavaliação como esta corajosa e transgressiva incursão pela Gay Disco no início dos anos 80.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Bono ao vivo no London Palladium: a música despida dos U2 num espetáculo intimista

Os últimos dez anos não foram simpáticos para Bono. Desde o fim da tremendamente bem sucedida 360º Tour (que pudemos ver em Coimbra), que parece que os U2 só sabem dar passos em falso. Primeiro, foi o infame lançamento de “Songs Of Innocence”, forçado a todos os utilizadores da Apple no mundo. Quando estalou a (absolutamente exagerada) polémica que, sublinhe-se, só aconteceu porque eram os U2, Bono fez pior ainda — pediu desculpa. Ora, o que podia ser visto como uma acção de promoção punk e transgressiva (que o foi), de repente esvaiu-se num pedido de desculpas envergonhado. Menos cool que isto era impossível. O disco, bem melhor do que lhe dão crédito, merecia mais. Mas como as coisas podem ficar sempre pior, depois veio o abominável “Songs Of Experience”, onde os U2 tentaram ser os Coldplay, vendendo a sua sonoridade a qualquer preço em busca do sucesso nas tabelas. Não o tiveram. Sem surpresa, SoE falhou, num tiro importante no porta-aviões dos U2, que os fez repensar a direcção que a banda tomava. Já lá vão cinco anos desde o mais recente disco dos U2. O que não quer dizer que os irlandeses estejam parados.

À semelhança do que têm feito outras estrelas Rock nos últimos anos (o isolamento na pandemia ajudou a tal), Bono escreveu uma autobiografia, a qual saiu no início deste mês. E à semelhança do que fez Bruce Springsteen quando lançou o seu livro, Bono decidiu apresentar “Surrender: 40 Songs, One Story” num espectáculo que é, efectivamente, uma peça de teatro sobre a sua vida, com a sua música, e interpretada por si. Esta receita pode soar um exercício de extrema auto-indulgência, especialmente quando falamos de Bono (o próprio admitiu-o), mas pincelada com a dose certa de ironia e humor auto-depreciativo, tornou-se na melhor coisa que o vocalista dos U2 fez desde, sei lá, o dueto com Luciano Pavarotti em 1995. Mas mais sobre isso daqui a pouco.

Serve esta longa introdução para vos dizer que, esta quarta-feira, 16 de novembro, fui ver o Bono apresentar o seu espetáculo “Stories Of Surrender” ao Palladium, no bairro de Soho, em Londres (ou como disse Bono “trocar o estádio pelo Palladium, para estar a solo em Soho”), e foi dos melhores shows que eu já vi na vida. Um Bono On Broadway, mas em West End, com um twist. Vamos por partes.

Ainda antes de começar, percebia-se que a noite ia ser especial. Três filas atrás de mim, sentou-se Noel Gallagher, que entrou na plateia para uma ovação de pé do público, que ele reagiu com um rasgado sorriso e um punho em riste (o Noel adora a atenção). Umas seis ou sete filas à minha frente, sentou-se Bob Geldof, mentor do Live Aid, que Bono saudou diretamente mais tarde no espectáculo, como o homem que lhe ensinou a “nunca aceitar um não como resposta”. Ao meu lado estava também Sadiq Khan, presidente da Câmara de Londres. E Bono ainda identificou Paul McGuinness, histórico manager dos U2.

No palco, o cenário não podia ser mais diferente do habitual banquete de adereços visuais dos U2 — apenas um violoncelo, uma harpa (!), um set de percussão e um laptop para os eventuais efeitos sonoros do espectáculo. E só. As canções foram despidas ao ponto de serem quase irreconhecíveis da sua forma original, e com isto pudemos testemunhar a humanidade, honestidade e proximidade da música dos U2, normalmente habituadas aos grandes palcos, mas tanta vezes diluída na megalomania das apresentações ao vivo. Nunca ninguém ouvira estas canções assim, por isso Bono teve que ir lá dentro, ao coração da música, buscar a alma e a razão que estiveram na sua origem, para as interpretações mais viscerais da sua música.

O cenário no palco era completado por uma mesa, quatro cadeiras (o mesmo número de elementos dos U2) e duas poltronas, onde Bono interpretou cenas chave da sua vida, fazendo o papel de si mesmo e de todos os outros intervenientes. Com direito a vozes e tudo. Ouvimos representações de Pavarotti, da Princesa Diana, dos quatro membros dos U2, e mais importantemente, da sua mulher Alison e do seu Pai Brendan Hewson.

Creio que a maioria do público se sentou no Palladium à espera de um espetáculo que mostrasse as canções dos U2 e a história da sua génese. Não foi bem isso que aconteceu. Essas estórias fizeram parte do show, com a criação de “I Will Follow” e “Sunday Bloody Sunday” à cabeça, mas estiveram longe de ser a parte mais importante da noite. Por falar em “Sunday Bloody Sunday”, quando Bono começou a cantar o refrão, praticamente a capella, o público juntou-se em uníssono. Era a força do hábito, do hábito dos estádios. Mas não era uma dessas noites. Com um gesto preciso e enfático, mostrando a sua indelével capacidade para dominar uma audiência, Bono acenou para baixo, como quem manda baixar o volume e mais ninguém cantou, mais ninguém se ouviu na sala. Pelo menos até “Pride (In The Name Of Love)”, quando Bono fez o mesmo gesto, mas desta feita para cima, como quem agora levanta o volume, e a audiência imediatamente anuiu, juntando-se-lhe a gritar “in the naaaaaaaame of loooove, one man in the name of love”. Podia ser este o nome do livro e do espectáculo. “Pride” foi a primeira vez que Bono recebeu um (tímido) elogio do seu Pai, com quem manteve até ao fim uma relação difícil e distante — ou apenas irlandesa —, e que nunca se deixou impressionar pelos milhões de fãs que o filho atraía. Bono desesperava pela aprovação do Pai e foi nessa busca incessante de atenção que conseguiu outro objectivo “menor” — a adulação de milhões de seguidores… Mas nunca do próprio Pai, quem ele mais desejava.

Bono começou por apresentar o espetáculo desta forma: “A história de como a minha mulher Alison me salvou de mim mesmo”. A música foi sempre o fio condutor e o elo de ligação entre todas as estórias, mas foi mesmo a história de como ele perseguiu a aprovação do seu Pai que roubou o coração do espetáculo. Um irlandês rijo e tradicional, Brendan Hewson não queria nem ouvir falar da família real britânica, isto até a Princesa Diana lhe aparecer à frente e em 8 segundos, séculos de dor geracional acumulada contra a realeza são dissolvidos, com apenas um sorriso da Lady Di. Relembro que Bono reproduz estas cenas com as vozes e os trejeitos de cada um dos intervenientes e é hilariante. Bono senta-se na poltrona a falar com o seu Pai em diferentes fases da sua vida, até ao momento em que Bono testemunha os últimos momentos do velho Hewson a lutar contra um cancro que o atirou para uma cama de um hospital. As penúltimas palavras do Pai de Bono foram: “Leva-me para fora daqui, quero ir para casa!”. Brendan murmurou qualquer coisa que Bono não percebeu, e quando este se aproximou para tentar ouvir, o seu Pai gritou “FUCK OFF!”. Foram as suas últimas palavras. Neste momento, eu estou no meu lugar já desfeito em lágrimas, sem conseguir controlar um choro copioso devido à inimaginável dor que deve ser ver um Pai naquele sofrimento. Bono disse que gosta de pensar que o seu Pai, nas últimas palavras, mandou foder toda a bagagem de dor que acumulou na sua vida. Eu queria ter-lhe dito que acho que ele mandou foder a morte. Que nunca se deu como rendido e mesmo quando estava prestes a ser derrotado, a última palavra que lhe ocorreu foi de resistência.

Bono terminou o espetáculo, já com o público lavado em lágrimas (bem, pelo menos eu estava), com uma interpretação emocional de “Torna A Surriento”, uma das melodias favoritas do Pai, que foi interpretado pelo cantor favorito de Bono— Luciano Pavarotti —, segundo ele, a melhor voz que alguma vez existiu no planeta Terra. A segunda vez que Bono impressionou o Pai foi quando o levou a conhecer Pavarotti — “algum cantor a sério tem que fazer companhia ao Luciano”, aludindo ao facto que ele sim, era um tenor, e Bono não. Mas quando o seu Pai morreu, diz Bono, um milagre aconteceu e ele começou a cantar como um tenor. Foi a herança que o velho Hewson lhe deixou.

Com a sua autobiografia sincera e este espetáculo intimista, Bono desceu do seu Olimpo de Rock Star e voltou a humanizar-se. No palco nu do Palladium, Bono não se podia esconder atrás de plataformas rotativas, fatos com lasers, ou limões espelhados gigantes. Para contar e cantar a sua história, teve por isso que ir buscar dentro de si o que fez dele um cantor e um comunicador de excelência. E provou que ainda mantém intactos todos os dons que o levaram até aqui. Foi maravilhoso. Fiz as pazes com o Bono e com a música dos U2 e estou já preparado para o próximo disco.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

“Only The Strong Survive”: o projecto de vaidade que fecha o ano horrível de Bruce Springsteen


Sou fã do Bruce Springsteen desde que o meu Pai trouxe para casa um CD de capa branca, com um homem de guitarra às costas, tinha eu 9 anos. Desde que fui introduzido com o “Greatest Hits”, que tive a minha vida preenchida e aumentada pela música do Bruce. Entre o meu velhinho blogue e as publicações da NiT, já escrevi mais de 30 textos sobre o Boss, todos elogiosos para com a sua música. Num artigo escrito há 3 anos, conto o episódio de quando o conheci pessoalmente e pude atestar que ele era tão cool como eu imaginava. Acrescentei na altura que Bruce “é muito mais do que um mero herói. Os heróis têm uma vida finita e perfeita. Vivem durante um filme, um livro, uma música. Bruce é real, com todas as imperfeições que tal encerra e que constroem um personagem muito mais complexo”. Eu gosto de ver os meus heróis sob a lupa dos seus defeitos (não há nenhum que não os tenha), de modo a humanizá-los. Porque todos os heróis cometem erros e Bruce acumulou muitos no último ano. E o pior de tudo, é que eu acho que ele nem sequer sabe que errou.

As coisas até começaram a prometer com o anúncio da digressão europeia da E Street Band, a primeira desde 2017; e possivelmente a última, tendo em conta que Bruce já leva 73 anos e os shows da banda são célebres pela energia eletrizante e pela duração acima das 3 horas. A bolha de entusiasmo rebentou rapidamente com o escândalo da venda de bilhetes para a digressão americana (que eu vou explicar com mais detalhe em baixo) e, como as coisas podem ficar sempre piores, agora chega-nos um álbum de covers Soul absolutamente insípido, que na melhor das hipóteses nos diz que Bruce entrou na sua fase Rod Stewart — artisticamente vazio e remetido a uma carreira de cantor de karaoke — e na pior, nos sugere que Bruce está na sua fase Madonna — completamente alienado do mundo real.

Vamos por partes. Antes de nos focarmos no novo disco, puxemos um meses para trás, até ao escândalo do “preço dinâmico” dos bilhetes na digressão americana. Para quem não sabe, o esquema de preço dinâmico segue a mesma lógica que se usa nos hotéis e nas viagens de avião, isto é, uma procura elevada no sistema dispara o preço dos bilhetes. Apesar do esquema ter sido anunciado, os fãs, fiéis e alheios a esta nova forma de extorsão, mobilizaram-se de cartão de crédito em punho à hora do início da venda de bilhetes, como sempre o fizeram no passado. O resultado foi catastrófico. Com o sistema entupido em poucos minutos, os preços das entradas para a plateia dispararam para a ordem dos 5 mil dólares. Até os lugares longe do palco não se conseguiam comprar por menos de 500 dólares.

É verdade que este sistema não é original, os Rolling Stones já faziam isto, mas os Stones nunca chamaram a si um pedestal moral, do qual Bruce sempre se valeu, por exemplo, nas suas posições políticas. Os bilhetes venderam-se, como sempre, mas não todos. Pela primeira vez, Springsteen vai entrar numa digressão que à partida não está esgotada. Além desta efeméride, o resultado prático da manobra foi que milhares de fãs do Bruce, que o seguem há décadas, ficaram de fora dos concertos. Os shows passaram a ser, efetivamente, um exclusivo para os super ricos, e um luxo proibitivo para a classe média. Ele afastou conscientemente os fãs que passam dificuldades, os mesmos sobre quem ele vai cantar.

Supostamente, este esquema vem auto-regular o mercado, ainda que de uma forma selvaticamente liberal e claro, ultra lucrativa para o Bruce. Ora, Bruce Springsteen é reconhecidamente um artista com uma posição política forte e fortemente à esquerda. Como se explica, então, tal ganância a quem toda a vida cantou sobre as provações da classe trabalhadora? Ficou uma nódoa que vai ser difícil, se não impossível, de tirar.

Compreender-se-ia esta manobra num quadro de dificuldades financeiras, ou de angariação de fundos para uma causa. Mas não. Bruce acabou de receber um cheque recorde de 500 milhões de euros (!) da editora pela venda dos direitos do seu catálogo, a maior quantia um artista já recebeu, e um valor que nem sequer é comensurável para a tal classe média que ele representa. Nada contra ver o Bruce receber tal quantia, pelo contrário, eu próprio já lhe deu muito do meu bolso (comprei bilhetes para quatro datas desta digressão e, acreditem, não foram baratos); mas para quem é tão obscenamente (e meritoriamente) rico, reitera-se a questão: como se justifica esta exploração predadora aos bolsos dos seus tão fiéis fãs?

A única explicação que encontro é esta: Bruce Springsteen está completamente desconectado com a realidade. Talvez da idade, talvez do (muito) dinheiro, talvez da muita bajulação (da qual eu também sou culpado), alguma coisa parece ter mudado em Bruce desde a pandemia. Depois de uma vida sempre com os pés no chão, Bruce parece finalmente ter-se deslumbrado. O novo álbum, “Only The Strong Survive”, um disco de covers Soul a ser lançado na próxima semana, parece vir a confirmar isto. E se eu utilizei o verbo “parecer” três vezes neste parágrafo, é porque ainda estou em negação.

Não há nada de particularmente obsceno sobre este disco. A premissa é inofensiva: Bruce Springsteen quis fazer um álbum de homenagem aos seus heróis do Soul, com uma coletânea de covers. Não são temas muito populares (como fora a seleção de Phil Collins, no seu disco “Going Back”, de premissa semelhante), nem tão-pouco completamente desconhecidos. As canções trazem a tarimba de qualidade da Motown, da performance nas tabelas, e do teste do tempo.

Mas também não há nada de particularmente, ou sequer remotamente interessante neste disco. Sem música assinada por ele, Bruce tinha aqui a oportunidade de pôr a sua impressão digital nas suas canções favoritas, mas os temas são largamente uma cópia tirada a papel químico dos originais. Quem conhece as versões originais, não vai encontrar nada de novo aqui, a não ser a voz de Bruce. E convenhamos, com um Bruce septuagenário a cantar, não há nenhuma razão para se ouvir estas versões em detrimento dos originais da Motown. A escolha do nome do disco, diga-se, também não foi a mais feliz. Para quem acabou de lançar um álbum sobre a morte dos seus amigos (“A Letter To You”), segui-lo com “Only The Strong Survive” não foi propriamente a melhor ideia.

Nem tudo é mau. Quando a música começa a tocar, está tudo no sítio, com a produção de Ron Aniello a fazer a colagem primorosa às gravações antigas. Ouvimos Bruce a canalizar o seu melhor sotaque de Filadélfia e Nova Orleães, a interpretar temas que claramente lhe dizem muito. A performance em “The Sun Ain’t Gonna Shine Anymore” é o meu ponto alto do disco, talvez porque seja o tema mais próximo do que Bruce escrevia nos anos 70, ou talvez porque tenha mais do seu cunho pessoal. É preciso procurar o dedo de Bruce no detalhe e nas entoações, como em “Someday We’ll Be Together”, uma interpretação potente que fecha o disco e que supera o original de Diana Ross, mais nuanceada, mas menos emocional que Bruce. É a excepção que confirma a regra de “Only The Strong Survive”.

Se a ideia era fazer um disco Soul, seria muito melhor Bruce recorrer às suas próprias composições. Atentem, por exemplo, no disco “The Promise”, com canções escritas na época de “Darkness” (1976-1977), mas só lançadas em 2010. Uma seleção desse repertório permite-nos ouvir como seria um verdadeiro álbum Soul de Bruce Springsteen: “The Brokenhearted”, “Someday (We’ll Be Together)” — não confundir com o tema das Supremes, “One Way Street”, “Breakaway”, e só aqui já temos pelo menos meio disco maravilhoso.

Em última análise, “Only The Strong Survive” é um projecto de vaidade que vai chegar no dia 11 de novembro e vai desaparecer tão depressa como chegou, sem deixar marca. Os fãs vão comprar, ouvir uma vez e guardar para nunca mais. Não haverá uma única pessoa, dos milhões que compraram bilhetes para a tour do próximo ano, a pedir um destes temas para o set de Bruce. Com tanta música nova para ouvir, é difícil encontrar um motivo para escutar este disco mais que uma vez. E isto vem de quem ainda hoje ouve em repeat faixas dos últimos discos “Western Stars” e “A Letter To You”. Infelizmente, “Only The Strong Survive” parece vir de alguém que já não tem nada a dizer, e tendo em conta os últimos discos de Bruce, eu nem acho que isso seja verdade. Mas é certamente, e de longe, o projecto mais descartável da carreira de Bruce Springsteen.

No fundo, é um disco novo de Bruce Springsteen que não tem música de Bruce Springsteen, e esse é o grande problema de “Only The Strong Survive”. É bege, insosso, sem a chama da E Street Band e sem a sinceridade dos seus discos a solo. E pior, é apenas o primeiro volume, com um segundo previsto para Março. Os fãs, ávidos por música nova do Bruce, vão ter que continuar à espera.