Uma reflexão sobre a polémica que tem gerado acesas discussões nas redes sociais.
A bomba estourou nas redes sociais: Pedro Abrunhosa, conhecido portuense de gema, é agora o embaixador internacional do Cante Alentejano. Onde é que isto já se viu? Bem, viu-se em Londres, por exemplo. E eu estive lá.
Concedo que era, à partida, uma proposta inusitada — um concerto de Pedro Abrunhosa, autor de música urbana e nocturna, acompanhado por um Coro de Cante Alentejano, mais associado a paisagens soalheiras e bucólicas. Era uma combinação, no mínimo, curiosa; mas não é dessas misturas inesperadas que nasce a arte transgressiva? Pois bem, o concerto ia acontecer tão perto de mim, em Londres, na icónica Union Chapel, que nem pestanejei.
A minha história com a música de Pedro Abrunhosa é antiga, quase tanto como eu. Sou fã dele desde o “Viagens”, de 1994, álbum em fui viciado entre os oito e os nove anos de idade. A digressão de promoção ao disco parou em Castelo Branco, num espetáculo que incendiou a cidade (naquela altura não acontecia muita coisa por lá) e despertou o meu fascínio pela música tocada ao vivo. Vi o concerto todo em cima de um barril de cerveja ao fundo da sala e foi apenas o primeiro de centenas de concertos que já vi entretanto. Rever Abrunhosa em Londres era, pois, uma inevitabilidade.
O concerto na Union Chapel foi fenomenal — nada mais, nada menos. Num alinhamento que condensou a riquíssima discografia do Pedro Abrunhosa (podem ouvir o podcast), a música já falaria por si mesma, mas o acompanhamento do Cante Alentejano tornou a noite numa experiência visceral, quase religiosa (ou não fosse numa capela), que me voltou a ancorar emocionalmente nas minhas raízes e me puxou as lágrimas por diversas ocasiões. Destaco um solista mais novo, com os mesmos oito ou nove anos que eu tinha naquele concerto em Castelo Branco, e que subiu ao púlpito da capela para cantar "Para Os Braços Da Minha Mãe". Foi arrepiante. Para um português que vive no estrangeiro, ver aquela forma de cantar tão inexoravelmente portuguesa, ainda mais aliada às canções infalíveis do Pedro, é demais para o que a compostura londrina pode aguentar. As saudades de casa bateram à porta e as lágrimas saíram à rua.
Imagino que depois do sucesso retumbante desta mini digressão internacional, e particularmente deste concerto, o Pedro Abrunhosa tenha sentido a vontade de alargar o espectáculo a Portugal (há datas marcadas nos Coliseus de Lisboa e Porto) e para o resto do mundo. Normal. Isto faz dele um embaixador do Cante Alentejano? Talvez, mas somente de forma incidental, da mesma maneira que podemos dizer que Marisa é embaixadora do fado, Ronaldo é embaixador do futebol português, ou a cortiça é embaixadora da indústria nacional. Ninguém nomeou oficialmente nenhum dos anteriores, mas todos se destacaram nos respetivos campos e, como tal, se tornaram figuras de proa. Será esse o problema?
Expliquem-me, os críticos, qual é o problema em ver Pedro Abrunhosa levar um grupo de Cante Alentejano para atuar numa sala cheia em Tóquio, por exemplo? Qual é o medo? Que os japoneses não vejam um gajo de boina e bigode e como tal, fiquem com "a ideia errada" do que é um alentejano? Num país tão pequeno como o nosso, este tipo de clivagem Norte/Sul não faz sentido. Quem vive fora de Portugal rapidamente se apercebe do ridículo que é dividir um país com 10 milhões de habitantes, aproximadamente a população de uma cidade como Londres.
Os factos são estes. Pedro Abrunhosa é um músico, que tem um espetáculo onde projeta, e bem, o Cante Alentejano. Muito mais do que promover o Alentejo, o Pedro está a promover Portugal. O cantor não foi nomeado oficialmente como embaixador de coisa nenhuma, mas um misto de preguiça para pesquisar sobre o assunto e da habitual fome de sangue das hienas das redes sociais, levou a que os ataques a Abrunhosa se multiplicassem em poucas horas. Amo o nosso País, mas a clássica inveja tuga é aquilo de que sinto menos saudades. Hoje ataca Pedro Abrunhosa, amanhã será outro qualquer. É assim, e já o aceitamos como algo normal, parte da nossa cultura. A ideia hoje foi do Pedro, mas tenho a certeza que se amanhã o Janita Salomé quiser fazer algo parecido, e reunir as mesmas condições, não lhe vão dizer que não. Até lá, tentem refrear o ódio sobre quem tenta fazer alguma coisa pela parte virtuosa da nossa cultura.
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