domingo, 3 de abril de 2022

Os Red Hot Chilli Peppers regressam a casa com "Unlimited Love", só que já lá não vive ninguém

"Unlimited Love" tem todos os elementos de um disco clássico dos Red Hot Chilli Peppers, mas onde está a faísca?

A notícia incendiou as redes sociais em Dezembro de 2019 — o mago da guitarra John Frusciante estava de volta aos Red Hot Chilli Peppers. "De onde nunca deveria ter saído", pensámos todos. Sacrificado foi Josh Klinghoffer, o guitarrista que substituiu Frusciante em 2009, quando este abandonou a banda pela segunda vez, repetindo a rebelião pós "Blood Sugas Sex Magik". Neste período com Josh, os Red Hot lançaram dois discos — "I'm With You" (2011) e "The Getaway" (2016), ambos desesperadamente insípidos, sem a chama que era tão característica da banda californiana.

O regresso de John antecipava mais uma nova era para os Red Hot Chilli Peppers, uma sexta vida para o gato que teima em ressuscitar. Sexta vida? Sim. A história dos Red Hot é uma história de tragédia e sobrevivência e pode ser capitulada com a presença, ou ausência, de Frusciante. Começando com os early years, do funk testosteronado com Hilel Slovak ao leme das guitarras e o sucesso morno de uma banda de culto. A banda perdeu Slovak para as drogas em 1988 e depois veio John, um miúdo fanático pelos primeiros discos da banda, mas também de Elton John, Kraftwerk e The Velvet Underground, a trazer uma renovada palete sónica que catapultou os Red Hot para a estratosfera — o álbum "Blood Sugar Sex Magik", um dos mais importantes dos anos 90, vendeu mais de 13 milhões de cópias. Na ressaca do sucesso, sem saber lidar com a fama e a braços com um problema de heroína, Frusciante saiu em 1992. 

Começa a terceira fase dos Red Hot, meio perdida, com várias experiências até chegar a Dave Navarro na guitarra e um disco mais dark — "One Hot Minute" — que hoje, em retrospectiva, podemos dizer que não foi assim tão mau quanto isso. Mas a banda estava à espera de John para voar novamente e o seu regresso em 1999 trouxe a segunda obra-prima da banda — "Californication". Foi "o" disco do meu liceu. Canções como o tema-título, "Scar Tissue", "Otherside", "Around The World", ou "Road Trippin," coloriram o único disco que juntava todos, sublinho TODOS no pátio, em unanimidade. A banda seguiu nesta quarta fase em ombros, com "By The Way" e "Stadium Arcadium" e os hits que não paravam de sair. Mas John saiu mais uma vez 2009, para explorar outros territórios musicais e os Red Hot voltaram a mergulhar na escuridão. Josh Klinghoffer era um guitarrista mais do que competente para disfarçar a ausência de John em palco, mas em estúdio a história é diferente. Compreende-se, pois, o entusiasmo do público, quando John regressou em 2019. Só que depois, já sabem, veio o Covid. 

Como quase todas as bandas de nomeada, sem poder levar a sua valiosíssima marca de estádio em estádio, a máquina dos Red Hot entrou em modo pausa. Nos bastidores, nascia o entusiasmante novo álbum da banda reunida com o seu talismã John Frusciante e o público ficou à espera de notícias do novo disco. Até este ano. "Unlimited Love" foi anunciado em Fevereiro, e chegou-nos na sua (longa) totalidade na última sexta-feira. É o primeiro disco da formação clássica dos Red Hot Chilli Peppers desde "Stadium Arcadium" em 2006 e confortavelmente o melhor desde então. Mas será que isso chega para pôr o disco na mesma prateleira dos astros do panteão discográfico dos Red Hot? Temo que não.

"Unlimited Love" é um disco tão fácil de ouvir, que quase se configura na categoria de easy-listening. Especialmente para os fãs veteranos de Red Hot. Nós, que andámos com a banda de mão dada através das suas várias vidas, conseguimos reconhecer todos os elementos familiares, que nos transportam para sons e tempos do passado — a entrega rap de Kiedis, o baixo pulsante de Flea, a batida potente de Chad e, claro, a guitarra melódica de John Frusciante, de que tantas saudades tínhamos. Mas onde está a chama? Onde está a faísca? Onde estão as melodias memoráveis e os solos de guitarra arrebatadores, que nos compelem a repetidas audições? Pomos o disco a tocar e, apesar da sua ultra-longa duração — 17 canções e 1 hora e 13 minutos — chegamos ao fim com relativa facilidade, como se de um disco de ambient music se tratasse. Essa é a parte boa. A parte menos boa é que num disco tão longo e tão igual, teremos dificuldade em relembrar quais foram os pontos altos. 

O meu ponto alto foi "The Heavy Wing", talvez a melhor possibilidade dos RHCP para um hit single. O álbum brilha mais intensamente quando Frusciante rasga um solo na sua Stratocaster, como no referido "The Heavy Wing", "The Great Apes" e "Watchu Thinkin'". São esses os momentos que nos fazem parar para ouvir, como antigamente.

Se há elogio que deve ser dado aos Red Hot, é à sua indelével capacidade de reinvenção, renascendo uma e outra vez para atrair novos públicos, regenerando a sua audiência como poucas bandas se podem orgulhar. Entre as várias fases da banda, estão pelo menos 3 ou 4 gerações diferentes de fãs e só a última era com Josh pode ser apontada como um falhanço em atrair novos seguidores. Infelizmente, também não será nesta sexta fase, com "Unlimited Love", que esse regeneração voltará a ter lugar.

"Unlimited Love" é um disco de regresso a casa para os Red Hot Chilli Peppers. Só que já lá não vive ninguém. A verdade, dura e crua, é que não há hits em "Unlimited Love". E isso pode ser doloroso para quem queria ver a sua banda favorita de volta às rádios generalistas com a mesma força que 1992, 1999, e 2006. Não vai acontecer. O sucesso mainstream de outros tempos já lá vai. 

A culpa não é só dos Red Hot e não só da relativa "mesmidez" de "Unlimited Love", vezes a mais em piloto automático. Há 20 anos, este álbum duplo teria sido recebido com o martelo da MTV a tocar os vídeos em loop e o disco, mesmo se fosse recebido tepidamente pela crítica, seria sempre um enorme sucesso. Mas estamos em 2022 e o Rock está maioritariamente moribundo, pelo menos para o mainstream. Os Red Hot Chilli Peppers são hoje uma relíquia do passado e teriam que ter na manga um disco extraordinário para repetir o milagre da ressurreição de 1999. O veredicto de "Unlimited Love" fica assim entregue aos ouvidos do tipo de ouvinte. Os fãs antigos da banda vão adorar o regresso a casa da banda da Califórnia. Todos os outros vão passar ao lado do disco.

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