Já ouviram aquele ditado que diz para nunca conhecerem os vossos heróis? Felizmente nem sempre é assim. Há um mês participei num daqueles concursos que assinamos e nunca mais nos lembramos, porque sabemos que é praticamente impossível ganhar - “habilita-te a ir a uma sessão de Q&A (perguntas e respostas) com o Brian May”, anunciava o site dos Queen. Right. Como se fosse possível. Só que na semana passada o impossível aconteceu e eu fui contactado pela editora para estar com mais 20 pessoas. Nem queria acreditar.
Depois de uma noite mal dormida, acordei com o coração aos pulos. Chegara o dia. As instruções da editora eram precisas - era obrigatório apresentar o Covid pass do NHS com as duas vacinas e mesmo assim nenhum contacto com o Brian seria permitido devido à pandemia. Entende-se. O homem já não vai para novo e precisa de se proteger. À chegada ao Regent Street Cinema, uma nova restrição - para além do NHS pass, todos os convidados eram obrigados a fazer um teste rápido à porta. Mas se não era possível contacto, qual o problema? A resposta viria mais tarde.
A sessão tem início com o Brian a lembrar que viu ali os The Who por volta de 1966. The Who em 1966? Fixe. Mas fixe mesmo é o Brian May mesmo ali à minha frente. Começamos por ver os vídeos originais dos três singles do seu álbum de estreia a solo, lançado em 1992 e reeditado agora para chegar à nova geração de fãs que Brian tem abraçado no instagram desde o advento do filme sobre os Queen. Os vídeos de “Driven By You”, “Resurrection” e “Too Much Love Will Kill You” (a versão original de Brian, entenda-se) foram polidos, o áudio remasterizado e parecem e soam gloriosos em volume máximo na sala de cinema. Qualquer destes temas é nível Queen.
Brian regressa para introduzir o novíssimo vídeo para o tema-título de “Back To The Light”. É para isso que estamos aqui. Bem, pelo menos oficialmente (eu estou pelo Brian, mas já la vamos). O vídeo é uma mistura perfeita entre o velho e o novo Brian. Ele viaja no tempo para se encontrar com o seu eu de 46 anos e tocar guitarra na sua própria banda de 1993. Vemos o Brian pujante de cabelo escuro e forte, a liderar a sua banda no centro do palco, e ao lado o Brian de cabelo grisalho e fininho, contente por, como ele refere, “voltar a ser apenas o guitarrista”. O novo vídeo usa imagens do vídeo “Live At Brixton Academy” (que segundo Brian será lançado mais à frente nesta campanha de reedições), gravado em 1993, e mistura com imagens recentes filmadas no Hammersmith Odeon (hoje Apollo), sala mítica para os Queen.
https://www.youtube.com/watch?v=Zvmp8YhEgQk
O vídeo termina e Brian volta a subir a palco visivelmente orgulhoso com o trabalho de Simon Lupton na realização. É ele quem vai conduzir a sessão de perguntas que se seguirá. Brian refere que terá sido o primeiro a fazer um exercício deste género, uma vez que ninguém é tão velho para fazer isto. Cientista e Rock ‘n’ Roll Star, confessa-se apaixonado por filmes de time travel (somos dois) e que se tivesse oportunidade, avisaria o Doc de “Regresso ao Futuro” para voltar para trás - “We fucked up!”, diz Brian com os olhos esbugalhados, na sua melhor melhor imitação de Doc.
Tempo de responder a algumas questões da sala, diz Simon Lupton - “Quem é que tem perguntas?”. Antes de ele terminar a questão, já eu estou de braço no ar, pois claro, mortinho por interagir com o meu herói. Passam-me o microfone e neste momento, os nervos que carrego desde manhã suspendem-me num estado zen. Dirijo-me directamente ao Brian May: “antes de mais, obrigado por esta oportunidade e parabéns pelo novo vídeo”. Repito em traços gerais a impressão que descrevi atrás nesta crónica, em como o vídeo é bem sucedido em misturar o velho com o novo e a passar a mensagem pretendida. O Brian agradece e responde “what’s your name, sir?” Sim, o Brian May quer saber o nome. “Sou o Nuno Bento, sou português e coleciono todos os seus trabalhos, tanto oficiais, como não oficiais”. Arranco uma gargalhada ao Brian (isto está mesmo a acontecer?) e assim ganho crédito par falar mais um bocadinho com ele: “Brian, o meu álbum favorito é o “A Day At Races”, onde eu acho que os Queen atingiram o seu pináculo, especialmente no Lado A, que eu considero ser o crowning achievement da discografia dos Queen, o qual soma na medida perfeita todos os elementos que fizeram os Queen extraordinários. Contudo, raramente vejo o Brian falar neste disco. Como é que se sente acerca deste álbum hoje em dia?”
O Brian parece surpreendido com esta referência: “eu vejo esse disco como o irmão gémeo do “A Night At The Opera”, foi de facto o disco onde levámos ao limite a nossa criatividade num estilo mais barroco e eloquente. Depois achámos que esgotámos essa vertente e regressámos a um estilo mais simples no “News Of The World”. Eu insisto: “concordo que o “Opera” e o “Races” são gémeos, mas a atenção vai sempre toda para o primeiro. Será que podemos esperar uma edição expandida para o “A Day At The Races”, como já tivemos para o “A Night At The Opera”?” Brian olha para mim pensativo e responde: “quem sabe?”. É o fim da minha intervenção e registo a minha pulsação em níveis taquicárdicos.
Nas perguntas seguintes, Brian esclarece que não está a pensar em voltar aos palcos em nome próprio - “eu nunca quis deixar de ser o guitarrista dos Queen. É só isso que eu quero ser”, confessa. Eu, que sempre fui contra a colaboração com o Adam Lambert e apologista que o Brian May e o Roger Taylor deviam ir para a estrada “sozinhos” (isto é, sem vocalistas adicionais, a partilhar as responsabilidades do microfone), engoli em seco. O Brian adianta que pode fazer uma aparição “algures” na digressão a solo do Roger que se avizinha. Eu vou vê-lo a Shepherd’s Bush no próximo mês, a walking distance de onde o Brian mora, por isso espero ver os Queen, sem o “+”, nessa noite. Agora que penso nisso, o John também mora a poucas estações de metro. Hum…
No fim da sessão, quando todos esperavam pela saída imediata do Brian (não podia haver contacto, lembram-se?), ele puxou a cadeira para a frente do palco e chamou a si os seus fãs. Ficaram assim explicados os testes obrigatórios à entrada. Depois de quase 2 anos fechado em casa, o Brian estava evidentemente com saudades dos seus fiéis. Cheguei-me à frente com o meu “A Day At The Races” (eu ia preparado para qualquer eventualidade) e o Brian recebeu-me com o maior sorriso e a maior simpatia “obrigado por vires Nuno, gostei mesmo da tua pergunta”. Obrigado eu, Brian! Obrigado eu.
Assinou o meu disco e, não sei porquê, terá achado que a caneta lhe fugiu e que o autógrafo não saiu bem. Olhou desapontado para a assinatura e pediu-me desculpa - “estou destreinado”, suspirou. Ri-me com uma lágrima já a sair e assegurei-lhe que estava perfeito assim mesmo, não podia ter saído melhor. Pedi só uma foto para a posteridade. O Brian puxou-me pelo ombro na sua direcção e eu fiz um sorriso estúpido para a câmara como se tivesse 15 anos. E naquele momento tinha.
O Brian foi simpático, afável, atencioso e muito mais do que eu alguma vez poderia esperar. Já diz o povo: nunca devem conhecer os vossos heróis, excepto se o vosso herói for o Brian May.
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