Quase tão antigo como o conflito israelo-palestiniano, e tão ou mais interessante, é o conflito Waters-Gilmouriano. Duas estrelas que durante duas décadas colidiram numa supernova criativa e que agora parecem nao sair do buraco negro. As duas últimas semanas trouxeram muitas novidades, mas desta vez nem todas más. Aqui o tio Nuno, parte interessada neste conflito há mais de 30 anos, dá-vos o update do essencial.
Comecemos pelo fim. Ontem saiu uma entrevista à Rolling Stone do casal inseparável John/Yok..., errr desculpem, David/Polly, onde o tio David atira a matar sobre o tio Roger. Na parte mais escaldante da entrevista, a inevitável pergunta dos Pink Floyd, David não mostrou a sua habitual contenção:
RS: Is there anything going on with Pink Floyd on the archival front? There’s been talk of an Animals reissue in recent years.
Gilmour: Well, a very lovely Animals remix has been done, but someone has tried to force some liner notes on it that I haven’t approved and, um, someone is digging his heels and not allowing it to be released.
Samson: But you don’t have liner notes, do you?
Gilmour: No, we’ve never had liner notes.
Samson: Why are you suddenly having liner notes?
Gilmour: Because someone wants them, and they got a journalist to write some, and I didn’t approve them. And he’s just getting a bit shirty. You know how he is, poor boy.
Ora, esta entrevista e esta resposta em particular, explicam o que aconteceu na semana passada na barricada do tio Roger que, como sabemos, não é propriamente conhecido pela sua contenção. Num vídeo carregado de veneno, o Roger anunciou o lançamento da nova remistura do álbum Animals, bloqueada desde 2018 pelo conflito Waters-Gilmouriano, tudo graças àbonomia do próprio Roger, que ia ceder pela sua parte e anuir ao lançamento sem as liner notes escritas por Mark Blake (autor de "Pigs Might Fly: The Inside Story of Pink Floyd"), que contariam a história por trás da criação do álbum e que David se recusava a incluir nesta reissue. Algumas notas sobre isto:
Em primeiro lugar, o David está (quase) correcto em como, mal ou bem, os lançamentos dos Pink Floyd nunca tem liner notes. Curiosamente, a excepção que me recordo é a caixa "Shine On", que o próprio David lançou como projecto pessoal em 1992, quica para "legitimar" os seus Floyd ao lado dos classic Floyd, numa altura em que o assunto ainda era, e muito, discutido (hoje acho que não há discussão - os Floyd dos 80s e 90s são tão Floyd como os dos 70s). Retirando essa (curiosa) excepção, de facto, os lançamentos dos Floyd costumam deixar a música falar por si e deixar o "behind the scenes" envolto em mistério.
Depois, como é óbvio, a inclusão destas liner notes é mais do interesse do Roger do que do David, uma vez que o Roger é que foi o principal responsável pela criação e pelo conceito do álbum "Animals". Se David tivesse levado a sua ideia avante, o álbum "Wish You Were Here" teria sido formado por 3 longas composições: "Shine On You Crazy Diamond" no Lado A e "Raving And Drooling" e "You Gotta Be Crazy" no Lado B. Teria sido um álbum largamente instrumental mas, segundo Roger (e bem), sem um fio condutor. Com a composição conjunta do tema "Wish You Were Here", o disco ganhou uma nova direcção e o resto é história. Para "Animals", uma nova perspectiva Orwelliana recuperou "Raving And Drooling" de Roger como "Sheep" e "You Gotta Be Crazy" de David como "Dogs". A face política de então inspirou Roger para "Pigs (Three Different Ones)" (com a ajuda de um loop de Rick Wright e que nunca foi creditado) e estava assim feito o álbum mais sombrio dos Pink Floyd. Para Roger, ele compôs 4/5 do álbum. Para David, ele compôs metade, uma vez que "Dogs" compõem a quase totalidade do Lado A. Ambos têm razão à sua maneira, mas é impossível fazê-los concordar em quem fez mais ou em quem fez o que (o que, convenhamos, é um bocado triste quando pensamos que estes senhores já tem 80 anos). As liner notes de Mark Blake, mais elogiosas para o Roger, foram assim naturalmente vetadas pelo David. E assim chegámos a 3 anos de um conflito sem fim à vista. Até há semana passada.
O vídeo de Roger a anunciar a reedição de "Animals" apanhou toda a gente de surpresa, primeiro porque ninguém sabia por que este projecto estava bloqueado e segundo, porque não lhe cabe a ele fazer esse anúncio. Para todos os efeitos, o Roger saiu da banda em 1985, anunciando que os Pink Floyd eram uma "força esgotada". David tinha outras ideias e levou a bandeira dos Pink Floyd pelos anos 80 e 90, introduzindo a banda a novas gerações (eu incluído), provando que Roger estava errado. Entretanto, os Pink Floyd tornaram-se num million dollar business e Roger, responsável pela maioria da sua música, ficou de fora da esfera de decisões, por (má) decisão própria. Para o bem e para o mal, é assim que funciona. Chegados aos dias de hoje, temos o ridículo dos livros de Polly Samson a serem anunciados no site oficial dos Pink Floyd e os projectos de Roger Waters, (auto-denominado) génio criativo dos Pink Floyd, fora do site, fora do Facebook, fora de tudo. É ridículo, sim, mas o Roger só se pode culpar a ele próprio. Por mais que esbraceje e ataque o David, nada vai mudar nesse sentido.
Nesta guerra sem fim, o Roger foi suficientemente esperto ao antecipar os comentários da entrevista da Rolling Stone (certamente alguém o avisou do que aí vinha) e, com este vídeo, sair como o herói da situação para os fãs, e colocar o David entre a espada e a parede (e ao mesmo tempo lançar as famigeradas liner notes no seu site - o tio Roger não dá ponto sem nó - enquanto chamou David de "a jolly good guitarist and singer"). Depois da cedência de Roger, David está agora obrigado a lançar a remistura de "Animals", sob pena de sair como o vilão da história que age puramente por despeito e perder a imagem de "nice guy" que tem na audiência. E esta é a única boa notícia para nós, fãs dos Pink Floyd, que estamos para este conflito como os filhos de um casal divorciado que não se consegue entender. Do mal o menos, vamos mesmo ter a caixa de "Animals", com novas remisturas em Stereo e Surround e uma nova e mais recente imagem da magnífica Battersea Power Station, onde este que vos escreve trabalhou durante 2 anos como Lead Engineer de Temporary Works (a jóia da coroa da minha carreira profissional). Nesta altura, já não espero que os meus dois ídolos se entendam, mas como diz o David no fim da sua entrevista na Rolling Stone - "we live and we hope".
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