"Everything under the sun is tune, but the sun is eclipsed by the moon"
“Sou louco há um caralhão de anos.” Começa assim o álbum mais consagrado dos Pink Floyd e provavelmente a marca mais conhecida da História do Rock, que faz hoje 48 anos de loucura. E o que é que eu posso escrever que ainda não foi dito sobre este disco que mudou tudo? Quem me conhece sabe que sou dado ao uso de superlativos e talvez seja essa a razão pela qual nunca tenha escrito nada sobre o “The Dark Side Of The Moon”. É que não há disco mais publicamente superlativado que este. Vejo-o como um filho mimado, que já tem atenção suficiente de toda a gente e que, como tal, não precisa das minhas loas em público. O que não quer dizer que não o faca em privado. Fui ver à minha base de dados do Discogs e tenho 17 cópias deste álbum em casa. Sim, leram bem, dezassete. E isto sem contar que a caixa Immersion tem 8 versões diferentes lá dentro (original, remix, surround, quadraphonic, ao vivo, demo, etc), ou que o álbum é reproduzido na íntegra no disco ao vivo “p·u·l·s·e”, do qual conto com 5 versões diferentes. Sou fã, já perceberam a ideia. Portanto, se nunca escrevi sobre o “Dark Side”, sendo alguém naturalmente de fácil superlativo, é porque temo entrar em tilt, ao procurar na língua portuguesa termos superlativíssimos (eu não disse?) para este álbum. Vou fazer aqui o melhor que posso.
Dizem os mais cépticos que a música não pode mudar o mundo. Mas como não, se a música muda a vida de tanta gente? A minha foi abanada várias vezes, em capítulos diferentes da minha existência, por discos que aterraram no meu mundo, sempre na hora certa. O primeiro terá sido “The Dark Side Of The Moon”. Em Castelo Branco, somos introduzidos ao álcool muito cedo. E cedo aprendi que era com grau de alcoolémia que melhor se apreciavam os Pink Floyd. Mas não foi assim que os comecei a ouvir, na tenra idade dos zero, quando o meu Pai tocava o “Dark Side”, ainda estava eu na barriga da minha Mãe. Talvez tenha sido por isso que fiquei com esta loucura. Ou então foi por causa daquele concerto de Veneza em 1989, com o palco na água e o público em gôndolas, que o meu Pai gravou em VHS (“numa noite de trovoada”, contará ele) e que eu via de olhos dilatados e imaginação no espaço, sempre que havia visitas lá em casa. Ou então foi por causa da chegada a casa daquele mágico CD do “The Division Bell” em 1994, que o meu Pai tocava todos os Domingos de manhã e que ficou tão ancorado no meu cérebro, que ainda hoje não passa uma semana em que não o ouça. Não foi, portanto, com o álcool que eu fui introduzido ao “Dark Side”. O disco já existia na minha vida. Mas quando eu tinha 15 anos e achava que já sabia tudo do Mundo (e na verdade sabia tão pouco), ouvi o “Dark Side” às escuras, catalisado por meia dúzia de médias e de repente, tudo fez sentido. Foi a primeira vez que eu “percebi” o Roger Waters e desde então que quando ele fala, eu ouço. Achei que ficara avisado para as armadilhas do Mundo que o tio Roger tão brilhantemente apontava. E olhem para mim hoje, 20 anos depois, a cair fatalmente em cada uma delas.
Depois de ver o lado escuro da lua, nunca mais me calei com os Floyd. Fui para o Liceu contar a todos sobre a minha descoberta, mas sem grande sorte. Olhavam para mim como se eu estivesse a falar sobre uma seita esquisita e em defesa deles, era provavelmente com o mesmo ar de demência que eu me expressava. Com as miúdas então, nem vale a pena falar. O “Dark Side” não fazia muitos amigos. Até que numa festa de aniversário bastante “regada” (“vamos beber sumo”, dizia à minha Mãe), apanhei uma conversa de um grupo mais velho que estava a falar, imaginem, dos Pink Floyd. Wow. Afinal esta gente existe! As pupilas dos meus olhos dilataram imediatamente e finalmente pude jogar o meu futebol. Foi nessa conversa que ouvi uma interpretação do “On The Run” que, não sendo necessariamente verdade, é tao perfeita que nunca sequer pus em causa. A história reza assim: o tema tem um loop de sintetizador que evoca alguém a correr (o tema chama-se “On The Run”!); ouvem-se passos ofegantes, de alguém certamente atrasado para qualquer coisa; segue-se o anúncio de um aeroporto – “Tenham a vossa bagagem e passaporte prontos para os voos para Roma, Cairo e Lagos” – ah, ele está atrasado para o seu voo de férias; o indivíduo corre loucamente em direcção às portas do avião, na sua cabeça está o seu destino de sonho, a fuga do marasmo do seu quotidiano; ouve-se um riso insano – “Vivo para hoje, vou-me embora amanhã. Sou assim.”; a corrida continua, as portas já estão próximas; quando finalmente chega à porta de embarque, o avião já está a levantar; frustrado, fica ofegante a ver o seu sonho fugir; e eis que, depois de levantar, o avião que perdera por um triz explode diante dos seus olhos. Tau! “Manda vir mais uma rodada de médias!”, disse o João Francisco. Afinal, às vezes o sonho pode ser o nosso maior pesadelo. E às vezes é uma bênção quando não conseguimos o que queremos. Já todos passámos por isto.
Por isso é que “The Dark Side Of The Moon” é tão universal – porque nos diz respeito a todos. Porque as armadilhas dos sonhos, do tempo, do dinheiro, do nomadismo, do conflito e, em última instância, da morte, são comuns a todos nós. Somos consumidos pelo que temos, pelo que queremos e pelo que perdemos. Nascemos, trabalhamos e morremos. Qual o sentido da vida? Faz sentido ter medo da morte? Vivemos para alimentar as nossas próprias prisões – a carreira, a prestação do carro e da casa e as pressões do status quo. Por isso é que o “Dark Side” – um ensaio sobre a loucura e o stress induzido pela vida na nossa sociedade ocidental – faz ainda mais sentido hoje do que fazia nos anos 70. Não há discos perfeitos. Mas o mais perfeito de todos os discos é “The Dark Side Of The Moon”. Acho que não há maior ou melhor superlativo que este.
Fiquem em baixo com a performance ao vivo em Wembley do álbum na íntegra (uma das versões incluídas na caixa referida em cima). “Vemo-nos no lado escuro da lua”.
“O lado escuro da lua não existe, na verdade é tudo escuro.”
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