segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A glória das manhãs que veio de Manchester

What's the story? Morning glory.


Quando comecei a trabalhar em Londres, uma das coisas que mais estranhei foi a atitude dos ingleses para com as manhãs de trabalho. Todos os dias, quando chegava ao escritório de manhã e dizia um alto "Good mo'nin'" em inglês amourinhado, o meu chefe perguntava-me não-retoricamente "How are you doing?". Percebi que não era retórico, uma vez que ele ficava sempre a olhar para mim fixamente à espera de uma resposta. Hã? Mas o que é que ele tem a ver com isso? Eu chego ao trabalho para trabalhar e ele confronta-me com perguntas pessoais? Que lhe vou dizer? Que estou deprimido porque o fim-de-semana acabou? Porque o Benfica vai atrás no campeonato? Não podia, obviamente.

E então eu respondia-lhe com um "Ok". O "Ok" menos miserável que me era possível, tendo em conta que eram 7:55 da manhã de uma terça-feira sem sol e sem perspectivas de ele aparecer durante o resto do dia. Mas depois eu devolvia-lhe a pergunta — "How about you?" — e ele retorquia com um contundente: "Spectacular!". Wait, what? E eu ficava de rastos.

A verdade é que nós, em Portugal, estamos mal habituados. Vemos o sol todos os dias e damo-lo como garantido. Não lhe damos a importância devida. Mesmo com o sol radioso lá fora, damo-nos ao luxo de ir para o trabalho deprimidos. Passar o dia de trombas. Até porque "é trabalho" — dizemos nós —, é suposto estarmos deprimidos. Certo? Errado. Para os ingleses, não.

O facto de eles normalmente não terem sol faz com que tenham que se alimentar de outra coisa qualquer — uma força ou energia interior qualquer (perdoem-me, não sou bom a fazer de Gustavo Santos) —, que lhes faça enfrentar a jornada de trabalho com alegria e pujança. É algo que nos é estranho, uma vez que nós, portugueses, nos alimentamos do sol e da vitamina D e da cor e da luz e quando não as temos, caímos em depressão. Os ingleses, não. Eles conseguem sair do buraco de alguma forma e ainda ter os rins para dar a volta e criar música que alimenta, inspira e salva as vidas dos habitantes do Sul da Europa. Como a minha.

Por isso comecei a pensar que, uma vez que estou aqui e tenho que viver no mesmo clima dos ingleses — e obviamente, como bom português que sou, também odeio os dias cinzentos —, tenho agora que adoptar uma postura diferente para com as manhãs de trabalho. E daí voltei-me para a minha inspiração de sempre — a música de Manchester. Não esquecer que Manchester é uma cidade ainda mais escura, fria e austera que Londres. E que mesmo assim é um bastião de uma cultura de afirmação, cor e positivismo sem paralelo. Se alguém tem o segredo, são eles. E pensei: como é que o Ian Brown dos Stone Roses responderia à pergunta "How are you doing?", de manhã, num dia de chuva, à entrada do trabalho?




"GLORIOUS!", diz o Ian Brown. Para falar verdade, antes já os Oasis tinham feito uma canção sobre isso. Estava encontrada a minha musa. Mais uma vez, a música de Manchester a tomar conta na minha vida. Ela que me salvou mais vezes do que eu posso contar e me influenciou em toda a linha, desde a maneira de vestir, até à maneira de andar e até agora, à maneira de como respondo de manhã à pergunta "How are you doing?""Glorious!", digo sempre. Agora são os gregos e os espanhóis, europeus do sul e haters de cinzento como nós, que ficam baralhados. Ninguém sabe de onde vem aquela Morning Glory e muito menos imaginam que vem da cinzenta Manchester.



P.S.: Vem esta reflexão a propósito do episódio desta semana do London Calling — " …E ao sexto dia, Deus criou MANchester" — a minha carta de amor a Manchester, onde discorri sobre o absolutamente inigualável espólio musical da cidade: Buzzcocks, The Fall, Joy Division, A Certain Ratio, The Durutti Column, New Order, The Smiths, James, The Stone Roses, Electronic, Inspiral Carpets, The Charlatans, Happy Mondays, Oasis, The Verve, uff... Um programa a não perder.

P.P.S.: Sim, há um outro significado para "morning glory", mas o trabalho no campo da engenharia não é assim tão entusiasmante.

sábado, 12 de janeiro de 2019

E o prémio de melhor pior filme de 2018 vai para “Bros: After The Screaming Stops”

O filme que apanhou o Reino Unido de surpresa e deixou toda a gente a falar nos gémeos Goss, 30 anos depois



Trinta anos depois, os Bros voltaram a ver as suas fotos nos jornais. Bros? Quem? Se são da minha geração (nascidos após o Live Aid), é possível que nunca tenham ouvido falar nos Bros. Se nasceram antes e perceberam o trocadilho da introdução, é bem provável não tenham muita vontade em voltar a falar neles. Mas calma, segurem-se aí um bocadinho, que isto vai valer a pena.

Para quem não conhece, os Bros foram uma boys band da segunda metade dos anos 80, que atingiram um efémero mas fenomenal sucesso no UK, principalmente junto da audiência teen, com o seu álbum de estreia "Push" e temas como "I Owe You Nothing" e "When Will I Be Famous?" (btw, a resposta é 1988 e 1989). A banda era composta pelos gémeos Goss — Matt na voz e Luke na bateria — e Chris "Ken" Logan no baixo. Ken não se deu bem com o sucesso e saiu no início de 1989.



Os manos tiveram o seu momento Knebworth em Agosto de 1989, quando encheram o Estádio do Wembley com apenas 20 anos (!!!) de idade. A partir daí, a descida foi a pique. Ao contrário de outras boys band bem parecidas dos 80s, como os Wham! ou os Duran Duran, os manos não tinham muito talento do seu lado. Seguiram-se por isso mais dois álbuns que caíram em saco roto e os Bros terminaram em 1992, sem que o mundo nunca mais soubesse nada deles. Até agora.

Fast-forward 25 anos e os manos regressam com um dos melhores piores filmes de sempre. "After The Screaming Stops" é o filme que resultaria se o "The Office" de Ricky Gervais fosse de facto um documentário sobre um escritório e não um trabalho de ficção. No caso dos Bros, a realidade ultrapassa em muito a ficção de Gervais.

Começamos o documentário a saber que os gémeos Goss não se podem ver à frente. Principalmente por causa de Luke (o baterista), que nunca recuperou do ressabiamento por ver o seu mano ter toda a atenção das meninas nos anos 80. Apesar de serem fisicamente iguais, Matt era o vocalista da banda e já sabemos, elas gostam é dos vocalistas. Vemos então Luke numa praia na Califórnia a atirar pedras ao mar, numa cena que podia sair de um bloco introdutório do Big Brother, ou melhor ainda, do Último A Sair.

Luke mudou-se para Los Angeles, mas tem Londres no coração — "I'm a Londoner. Embankment. Big Ben. Cab drivers". Começamos a contorcer-nos no sofá. Naturalmente, Luke entregou-se à espiritualidade e é hoje um homem diferente. Só não pode ouvir falar no seu irmão, claro. A não ser que... Bem, a não ser que lhe ponham uma oferta milionária para um reunião dos Bros, com uma digressão em arenas por todo o Reino Unido. Aí já a conversa muda de figura.

Seguimos para Las Vegas, onde vamos encontrar Matt na sua mega-mansão (os Bros devem ter feito mesmo muito dinheiro) cheia de cristais (que lhe dão energia positiva) e regras de que se alguém quiser discutir, tem que ir para a rua. Matt tem uma óbvia paixão pela sua casa e confessa: "acho que as letras H, O, M e E são muito importantes, uma vez que personificam a palavra HOME (casa)". Que maravilha. Parece uma frase do David Brent, mas não, é muito melhor, é o Matt Goss. Ele voltou e vem trazer-nos o melhor entretenimento involuntário dos últimos anos.



Os manos reúnem-se finalmente em Londres para preparar a abertura da digressão no o2, mas como se esperava, as coisas não correm bem. As cenas que se seguem entre eles são tão deliciosamente viciosas, que parecem ter saído de um guião do "The Office". O nível de alienação dos manos é tal, que parece mesmo que estamos a ver um programa de ficção e não um documentário. Mas a realidade é muito mais hilariante que o "This Is Spinal Tap" e o "The Office" juntos.

Nada se salva aqui: a relação entre os manos é má; o talento é baixo; a alienação é alta; o desligamento da realidade é total. Mas tudo o que vemos em "After The Screaming Stops" é tão maravilhosamente mau, que acabamos o documentário a torcer pelos manos Goss. A verdade é que eles não têm culpa do que lhes aconteceu. Foram atirados muito novos para a máquina trituradora da fama e sem o talento para servir de fundação, acabaram como coelhos no meio da estrada a olhar para os máximos dos carros na sua direcção.

Os dois concertos no o2 foram mesmo para a frente em 2017, mas o resto da digressão foi cancelada por "condicionantes logísticas inesperadas", que é como quem diz, falta de bilhetes vendidos. Os Bros não conseguiram criar buzz para a sua reunião e parecia que estavam finalmente mortos e enterrados. Mas devido ao deliciosamente mau "After The Screaming Stops", os manos voltam a ver as suas fotos no Metro e no Evening Standard, de tal forma que já há uma nova resposta à pergunta "When Will I Be Famous?" 1988, 1989 e 2019.


https://www.youtube.com/watch?v=NvQTTA9raJU

P.S.: Eu sei que estavam à espera da referência, por isso cá vai. Se era para dar o Globo de Ouro a um mau filme sobre música, o prémio devia ir para os Bros e não para o "Bohemian Rhapsody".