Quando comecei a trabalhar em Londres, uma das coisas que mais estranhei foi a atitude dos ingleses para com as manhãs de trabalho. Todos os dias, quando chegava ao escritório de manhã e dizia um alto "Good mo'nin'" em inglês amourinhado, o meu chefe perguntava-me não-retoricamente "How are you doing?". Percebi que não era retórico, uma vez que ele ficava sempre a olhar para mim fixamente à espera de uma resposta. Hã? Mas o que é que ele tem a ver com isso? Eu chego ao trabalho para trabalhar e ele confronta-me com perguntas pessoais? Que lhe vou dizer? Que estou deprimido porque o fim-de-semana acabou? Porque o Benfica vai atrás no campeonato? Não podia, obviamente.
E então eu respondia-lhe com um "Ok". O "Ok" menos miserável que me era possível, tendo em conta que eram 7:55 da manhã de uma terça-feira sem sol e sem perspectivas de ele aparecer durante o resto do dia. Mas depois eu devolvia-lhe a pergunta — "How about you?" — e ele retorquia com um contundente: "Spectacular!". Wait, what? E eu ficava de rastos.
A verdade é que nós, em Portugal, estamos mal habituados. Vemos o sol todos os dias e damo-lo como garantido. Não lhe damos a importância devida. Mesmo com o sol radioso lá fora, damo-nos ao luxo de ir para o trabalho deprimidos. Passar o dia de trombas. Até porque "é trabalho" — dizemos nós —, é suposto estarmos deprimidos. Certo? Errado. Para os ingleses, não.
O facto de eles normalmente não terem sol faz com que tenham que se alimentar de outra coisa qualquer — uma força ou energia interior qualquer (perdoem-me, não sou bom a fazer de Gustavo Santos) —, que lhes faça enfrentar a jornada de trabalho com alegria e pujança. É algo que nos é estranho, uma vez que nós, portugueses, nos alimentamos do sol e da vitamina D e da cor e da luz e quando não as temos, caímos em depressão. Os ingleses, não. Eles conseguem sair do buraco de alguma forma e ainda ter os rins para dar a volta e criar música que alimenta, inspira e salva as vidas dos habitantes do Sul da Europa. Como a minha.
Por isso comecei a pensar que, uma vez que estou aqui e tenho que viver no mesmo clima dos ingleses — e obviamente, como bom português que sou, também odeio os dias cinzentos —, tenho agora que adoptar uma postura diferente para com as manhãs de trabalho. E daí voltei-me para a minha inspiração de sempre — a música de Manchester. Não esquecer que Manchester é uma cidade ainda mais escura, fria e austera que Londres. E que mesmo assim é um bastião de uma cultura de afirmação, cor e positivismo sem paralelo. Se alguém tem o segredo, são eles. E pensei: como é que o Ian Brown dos Stone Roses responderia à pergunta "How are you doing?", de manhã, num dia de chuva, à entrada do trabalho?
"GLORIOUS!", diz o Ian Brown. Para falar verdade, antes já os Oasis tinham feito uma canção sobre isso. Estava encontrada a minha musa. Mais uma vez, a música de Manchester a tomar conta na minha vida. Ela que me salvou mais vezes do que eu posso contar e me influenciou em toda a linha, desde a maneira de vestir, até à maneira de andar e até agora, à maneira de como respondo de manhã à pergunta "How are you doing?"— "Glorious!", digo sempre. Agora são os gregos e os espanhóis, europeus do sul e haters de cinzento como nós, que ficam baralhados. Ninguém sabe de onde vem aquela Morning Glory e muito menos imaginam que vem da cinzenta Manchester.
P.S.: Vem esta reflexão a propósito do episódio desta semana do London Calling — " …E ao sexto dia, Deus criou MANchester" — a minha carta de amor a Manchester, onde discorri sobre o absolutamente inigualável espólio musical da cidade: Buzzcocks, The Fall, Joy Division, A Certain Ratio, The Durutti Column, New Order, The Smiths, James, The Stone Roses, Electronic, Inspiral Carpets, The Charlatans, Happy Mondays, Oasis, The Verve, uff... Um programa a não perder.
P.P.S.: Sim, há um outro significado para "morning glory", mas o trabalho no campo da engenharia não é assim tão entusiasmante.
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