sexta-feira, 7 de julho de 2017

Na noite do The Weeknd, foi Ryan Adams quem reinou

O primeiro dia dos NOS Alive também contou com a pujança dos Royal Blood


O primeiro dia do NOS Alive 2017 provou por que todos os anos vemos o festival ganhar tracção internacional. A organização está cada vez melhor e, tirando a cegada que é a saída do recinto (invista num passadiço pedonal, Sr. Covões), o maior defeito está nalgumas escolhas perversas que obrigam o público a fazer. Mas esse é o preço de apresentar um cartaz muito forte. Vamos então ao resumo dos principais concertos do primeiro dia. Começando pelo fim.

The Weeknd (Palco NOS | 00:50)

Abel Tesfaye —  mais conhecido como The Weeknd —  era um dos nomes mais esperados do festival e basta olhar à volta para perceber que é o artista que mais gente trouxe ao primeiro dia do NOS Alive. Quem já ouviu a sua música (e como escapar a isso?), percebe que Abel sabe bem o que é uma música Pop e, mais importante que isso, sabe como criá-la. A expectativa era alta e a hora proibitiva do início do concerto (00:50 num dia de semana?) não demoveu os seus fiéis, que ocuparam uma boa parte do recinto em frente ao Palco NOS.

The Weeknd diz que ouve Michael Jackson antes dos concertos e essa inspiração ouve-se na sua música. Talvez seja por isso que o melhor The Weeknd apareça quando explora as pistas de dança. Como logo no início em "Star Boy", ou na imparável sequência "Secrets" / "Can't Feel My Face" / "I Feel It Coming"  lá mais para o fim, que foi facilmente o ponto alto de ontem no palco principal. Tenho um carinho especial por "Secrets", que cruza dois dos meus temas preferidos dos anos 80 — "Pale Shelter" dos Tears For Fears e "Talking In Your Sleep" dos The Romantics (se não conhecem, não deixem de espreitar) — e resulta num empadão Pop delicioso que revela arte na produção e muito, muito bom gosto.

É isto que acontece quando The Weeknd toma atenção à melodia  e foi esse talento que lhe valeu a fama de segunda vaga do Michael Jackson. Sem surpresa, foram também esses os melhores momentos do concerto de ontem. Pena que ele demasiadas vezes pareça mais apostado em ser a segunda vaga de Kanye West. Vamos então aos senãos.

O problema com The Weeknd ao vivo é o mesmo mal de que sofrem os seus discos. Estão (propositadamente) carregados de baixo que assoberbam todo o pavilhão auricular, supostamente para a música "bombar" mais. Só que isso arruína por completo quem quer ouvir a música e não está no Urban Beach. A melodia fica tão diluída no dilúvio dos baixos, que a determinado ponto torna toda a experiência penosa. O concerto de ontem teve demasiados momentos destes e não tinha que ser assim. A mudança de paradigma na audiência foi perceptível quando entrou a já referida sequência "Secrets" / "Can't Feel My Face" / "I Feel It Coming", com muito menor proeminência de baixo. Pena ele ter voltado para o fecho com "The Hills".

Agora que atingiu o estatuto de super-estrela, esperar-se-ia que Abel tentasse proteger as suas criações do tratamento sónico obnóxio a que são sujeitas. Mas é "assim" que está estabelecido agora, não é? Pois, é pena.


Royal Blood (Palco Heineken | 00:00)


Enquanto não chegam os Foo Fighters, os roqueiros que marcaram presença no NOS Alive congregaram-se ontem à meia-noite no Palco Heineken para ver Royal Blood. Mas antes de contar o que se passou no concerto, permitam-me um desabafo. Os Royal Blood são o perfeito espelho do ponto a que chegou a música Rock em 2017; ou melhor, do que é permitido ser uma banda Rock para ter algum airplay em 2017. Não que haja alguma coisa de mal com o duo de Brighton, atenção. Mas fico algo confuso quando os parecem vender como os novos Led Zeppelin. Revela mais sobre o estado do mainstream actual do que da própria banda, que não culpa nenhuma disso. 

Como qualquer roqueiro, ouço-os com toda a facilidade e esse é que é o problema. Eles são tem genéricos, tão 'clean' e tão consensuais, que fica difícil estabelecer uma relação de afecto mais intensa. Na época do politicamente correcto, os rapazes inofensivos dos Royal Blood são os heróis moderados perfeitos. É que, já sabemos, agora os músicos não podem dizer nada que seja minimamente ofensivo, não podem ter atitude e, god forbid, alguma densidade. Pela minha parte, preciso de mais alguma profundidade ou. pelo menos. mais alguma tesão (e sim, esta é a palavra) do que a insipidez de um "Figure It Out"; embora reconheça alguma melhoria do primeiro para o segundo álbum (nomeadamente no "How Did We Get Do Dark?", que não foi tocado ontem). O problema não é não haver bandas Rock em 2017. É não haver bandas Rock que me compelem a criar uma religião sobre eles. Mas divago.

Dito tudo isto, meu amigos rockers que me lêem, o concerto de ontem no Heineken foi uma bomba. Puro Rock 'n' Roll. E não, não há aqui qualquer contradição. Ao vivo, a história é bem diferente. Não é por acaso que o concerto Rock ganhou fama de experiência transcendental.

Em primeiro lugar, tiro o chapéu à organização que teve olho em pôr o duo de Brighton na tenda Heineken, não caindo na tentação de pôr a banda a abrir para o The Weeknd no palco principal, misturando públicos diferentes e diluindo a sua pujança naquele espaço aberto. Na tenda, os Royal Blood puderam concentrar todo o seu músculo num espaço exíguo e, em comunhão com o público, criar um ambiente selvagem e ensurdecedor, daqueles que enchem o coração a qualquer roqueiro.

Enquanto os riffs rijos do baixo de Ben Thatcher ocupavam a tenda, Mike Kerr carregava na bateria com toda a força, castigando os pratos como se de uma terapia se tratasse. E quando chegou "Figure It Out" — esse mesmo que eu diminuí no início do texto —, foi o delírio. À frente do palco, o caos do mosh e cá atrás, o regresso do fenómeno das cavalitas, bonito espectáculo para ver nos ecrãs, menos para os desgraçados que estão directamente atrás.

No fim do concerto, Ben e Mike foram para o meio do público e despediram-se em crowd-surfing: "never in my life I've seen at the same place and at the same time so many beautiful people. Thank you so much!", até que a produção lhes cortou o som, porque por eles, já não saíam dali. Mesmo presumindo que Mike diz isso a todas (as audiências), eu fiquei a gostar mais dos Royal Blood. Vejam só a diferença que um concerto pode fazer. A vontade de formar a religião é que nem por isso.


Ryan Adams (Palco Heineken | 22:00)


Deixei o melhor para o fim. Eram 22:00 quando entrou na tenda Heineken o melhor músico que actuou ontem no Alive. É um cenário um pouco estranho, ver Ryan Adams aparentemente perdido no meio do cartaz, para quem traz na bagagem um dos melhores álbuns do ano (e não sou só eu que o digo). Mais estranho ainda é ver a organização impor a escolha perversa entre Ryan na Heineken e The xx no palco principal. Como se houvessem dúvidas.

Ryan Adams entrou logo a abrir com "Do You Still Love Me?", o primeiro single do seu novo álbum "Prisoner", que poderia também ser dos Whitesnake. "Do you still love me, babe?!" canta Ryan, num grito terapêutico que de imediato o liga emocionalmente com o público. É esse elo emocional que é trabalhado ao longo de quase hora e meia. Seguidamente avança para os clássicos "To Be Young (Is To Be Sad, Is To Be High)" do álbum "Heartbreaker" e "Gimme Something Good" do seu álbum homónimo de 2014, outro callback ao Hair Metal dos anos 80. Já estamos todos ligados.

O set de Ryan faz um resumo de toda a sua carreira, incluindo os álbuns com os The Cardinals, pecando só por mostrar muito pouco do seu superlativo novo álbum. Outro senão é a completa ausência de temas de "1989"; embora soubesse à partida que Ryan não costuma tocar esse álbum, não deixei de ficar um pouco desapontado. Faltaram também "Come Pick Me Up" e o seu famoso cover de "Wonderwall". Talvez Ryan tivesse ouvido acerca dos incêndios que castigaram Portugal no último mês e tivesse medo de pegar fogo à tenda Heineken com o tema dos Oasis.

Como artista multifacetado que é, Ryan quis dar um espectáculo a mostrar todos os seus registos. Assim, para além dos momentos de maior vapor, houve também espaço a temas de beleza tranquila como "When The Stars Go Blue" e refrões a capella (lamentavelmente interrompidos pelo ruído vindo do palco principal) e solos de guitarra de 5 minutos em "Peaceful Valley".

As canções que Ryan vai entregando sucessivamente em intensidade catártica são praticamente mono-temáticas. A sua música nasce à custa de um sem número de marteladas no coração e de um consequente abuso de substâncias proibidas (que também afectaram a sua fisionomia) que lhe trazem inspiração. Mas há algo de irresistivelmente masoquista e metaromântico nesta vontade Louis-CKiana que ouvimos na música de Ryan Adams, de se apaixonar sem medo da miséria do pós-heartbreak. Estou, aliás, cada vez mais perto de o proclamar o melhor escritor de canções de break-up desde Bruce Springsteen.

O espaço é perfeito para ouvir esta música acolhedora de Ryan Adams. Minha querida Heineken. Ryan não tem o baixo do Urban, mas não precisa de nada disso. Traz as melodias e os sentimentos nas suas canções. Porque "música não é fogo-de-artifício, música é sentimento", lembram-se? Ontem parecia até que havia uma Team Heineken, já que o baterista do Ryan Adams envergava uma t-shirt dos Royal Blood, que iriam actuar a seguir. Por falar em t-shirts, viram a do baixista, que dizia "THE SMITH" com o grafismo dos The Smiths e a cara do... Robert Smith? O elo emocional da banda com o público foi apertando e Ryan Adams (que vestia uma t-shirt da sua própria banda) despediu-se do público com um emocionado "This place fucking rules, you rule!". Não, Ryan. Tu é que reinas no nosso coração. 

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