Mesmo a tempo da ressaca do Dia dos Namorados, o músico norte-americano lança um álbum sobre corações partidos, o primeiro desde "1989" - disco de covers de Taylor Swift - lançado em 2015. E é de audição obrigatória.
Quando fiz uma roadtrip costa-a-costa pelos EUA em 2011, planeei passagens por todos os locais-chave: NY, Chicago, Las Vegas, LA... Todos os clássicos. De todo o trajecto, do que é que eu gostei mais? Dos desvios. A minha viagem não vos interessa para nada, mas serve para explicar a discografia recente de Ryan Adams.
Ryan Adams deixou-nos a coçar a cabeça quando decidiu, também ele, fazer um desvio à sua carreira em 2015 e lançar um álbum de covers de Taylor Swift. O que quereria ele com aquilo? Ridicularizar Swift? Provar que consegue transformar água em vinho? Não e não. A versão de "1989" foi um triunfo tanto para ele como para Taylor Swift e quanto muito, foi o maior elogio que Taylor poderia receber ao seu talento como compositora. Mas e Ryan, o que sobrou para ele no meio disto tudo? Um desvio tão fora da estrada como "1989" teria que obrigar o seu GPS a recalcular o trajecto da sua discografia.
De certa forma, "Prisoner" é apenas uma continuação do caminho trilhado por Ryan Adams na sua versão de "1989". Faz todo o sentido, ou não tivesse o primeiro sido escrito enquanto o segundo era gravado. Confusos? Passo a explicar. As canções de "Prisoner" foram escritas na ressaca do divórcio de Ryan Adams com a actriz Mandy Moore. Na altura, em vez de se enclausurar para escrever e gravar esses temas, Ryan preferiu lidar com a separação através da desconstrução de "1989" que, tal como toda a música que Ryan escrevia na época, também é sobre amor perdido e corações partidos. Temas como "Breakdown" e "Haunted House" poderiam perfeitamente figurar no álbum de covers. Mas nem só de Taylor Swift vive "Prisoner", ou não fosse Ryan Adams o homem que tão depressa faz covers de "Wonderwall" como de "Shake It Off".
Nas faixas que conhecíamos de "Prisoner", Ryan Adams já havia canalizado influências de Hair Metal e AOR em "Do You Still Love Me?", da vertente mais Folk da Pop americana em "To Be Without You" e até de early Eagles em "Doomsday". No que faltava ouvir do álbum, Ryan alastra as suas influências a todo o espectro do Rock radiofónico americano dos anos 80. Os casos são inúmeros e as semelhanças são demasiado óbvias para passarem despercebidas.
"Shiver and Shake", por exemplo, decalca de tal forma a atmosfera de "I'm On Fire" de Bruce Springsteen, que o meu ouvido (tão treinado a Bruce) passa os 3 minutos à espera da entrada do Boss. Não entra Bruce, mas chega mais à frente, em "Tightrope", um solo de saxofone tenor tirado a papel químico do "seu" Clarence Clemons. É esta uma das valências de Ryan Adams: em vez de ostensivamente plagiar os seus heróis, Ryan emula o ambiente das suas músicas preferidas e cria um original que soa exactamente igual à sua referência.
O caso mais curioso aparece em "Anything I Say To You Now", mais especificamente naqueles acordes em eco no início do tema, que são uma imagem de marca de um artista com o nome muito parecido com Ryan Adams. Avinhem de quem estou a falar. Exactamente, Bryan Adams. A parte curiosa disto é que Ryan é perseguido pelo fantasma de Bryan nos seus concertos, desde que em 2002 um heckler o fez perder a paciência em Nashville quando gritou por "Summer Of '69". Foram anos de terapia em psicólogos, como o próprio Ryan contou ao New York Times, até que voltou à mesma venue em 2015 e tocou... "Summer Of '69". Este episódio resume muito bem o propósito de "Prisoner" - um álbum onde Ryan lida com os seus fantasmas.
"Prisoner" é um álbum pejado de canções de amor (e falta dele), obrigatório para quem vive as canções Pop como o Tom do "500 Days Of Summer"; é um dos melhores discos que (até ver) 2017 nos trouxe. Comparando com o output anterior de Ryan Adams, "Prisoner" é mais variado que "1989" e por isso também uma audição mais completa e satisfatória. Pena que as canções de Taylor Swift sejam, na globalidade, superiores. Mas a vida é assim mesmo, às vezes é nos desvios que encontramos o melhor da viagem.
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