domingo, 11 de setembro de 2016

Nick Cave — Em nome do Pai

Nick Cave conversa com a morte, com Deus e com o filho que perdeu no ano passado


Não estou qualificado para falar sobre o que é para um Pai, a dor de perder um filho. Não sei, nem tenho intenção de saber o que é, só imagino que seja o pior dos pesadelos. Materializar essa dor num disco foi a tarefa a que Nick Cave se propôs, depois da morte do seu filho de 15 anos, que caiu de uma falésia em Brighton após ter experimentado LSD pela primeira vez. Era uma tarefa mastodôntica com tanto de coragem, como de insanidade. Insanidade, pelo que acarreta fazer um álbum sobre a morte de um filho; coragem, por expor desta maneira despida a sua própria desgraça.

Quando ouvi a primeira amostra do álbum — "Jesus Alone" — na semana passada, fiquei esmagado. Debaixo de uma cortina negra de sintentizadores a puxar os limites dos graves, intercalados por gemidos de quem roga por salvação, Nick leva-nos directamente para o penhasco onde a tragédia aconteceu. Num niilismo agressivo e assustador,  Nick lamenta-se que a sua fé em Deus de nada lhe valeu, como quem se apercebe da sua condição solitária no Universo. A tristeza, escuridão e aridez de "Jesus Alone" pinta uma tundra desoladora. Mas se a motivação daquela canção era óbvia, esperava que Nick desse tréguas ao ouvinte no resto do álbum. Enganei-me.

"Skeleton Tree" agarra-nos pelo pescoço e ao longo dos 40 minutos da duração do álbum, não nos dá descanso. Nesta árvore de esqueletos, somos arrastados numa viagem até ao último ramo do luto de Nick Cave, onde o ouvimos conversar com a morte, com Deus e com o filho. Aqui, a dor é tão real ("nothing really matters when the one you love is gone"— "I Need You"), tão gráfica ("in the bathroom mirror I see me vomit in the sink" — "Magneto"), tão visceral ("all the things we love, we lose" — "Anthrocene"), que chega a ser palpável nos sulcos do disco. É um álbum pesado, sombrio e agressivamente pessoal, de escuta difícil. Mas é tão bonito.

Nick Cave é um dos grandes compositores do nosso tempo (recordem o brilhante "Push The Sky Away" de 2013) e parece aprimorar a sua arte com a idade e — para mal dele — com o seu próprio sofrimento. A desgraça de Nick Cave é a nossa sorte, por conseguir canalizar o seu luto de Pai em música e nos abençoar com um álbum destes — um confessionário onde pôde libertar os seus próprios traumas. Espero que, pelo menos, a música lhe tenha servido de terapia. Um abraço, Nick.

Sem comentários:

Enviar um comentário