sábado, 30 de janeiro de 2016

A apologia de Phil Collins — Uma reapreciação

Phil Collins faz hoje 65 anos e reedita a sua discografia a solo. Tempo para uma reapreciação.



Durante toda a minha infância, eu cresci rodeado de Phil Collins. Começando pela música que se ouvia em casa, espólio do meu Pai, passando pela rádio, lesta a passar os êxitos de Phil e dos Genesis, até às inúmeras colaborações de Phil com artistas de nomeada. Phil esteve no Live Aid, no Band Aid, nos concertos do Prince's Trust, tocou com Eric Clapton, Elton John, George Harrison, Sting, Mark Knopfler (Dire Straits), Robert Plant (Led Zeppelin), Peter Gabriel (já lá vamos) e isto sem ter que sequer recorrer ao Google. Phil estava em todo o lado. Ele era "o" baterista de referência. Se havia uma superbanda, ele estava lá, ter Phil era sinónimo de qualidade. Foi assim que eu cresci com ele, como um tio não muito afastado, cuja presença era instantaneamente reconhecível e reconfortante.

Qual não é o meu espanto, quando começo a ganhar consciência da cultura popular e me apercebo que Phil Collins é, afinal, o músico mais odiado do Mundo. Um baterista prodigioso, dono de um sentido rítmico e melódico único, com qualidade reconhecida por uma lista infindável de outros artistas é, afinal, uma valente merda. Os próprios artistas que em tempos trabalharam com ele já lhe viravam as costas com medo que as nuvens negras que o atormentavam fossem contagiosas. A opinião pública foi de tal forma intoxicada que as gerações que estiveram expostas apenas à arvore das baladas marteladas diariamente na rádio, se apressam a desqualificar à partida o trabalho de Phil Collins. Eu, que sou um privilegiado por conhecer a floresta de toda a sua obra, não caio nessa armadilha.

Eu entendo que a ubiquidade de Phil durante duas décadas tenha saturado o público. Claro que entendo. Quantas vezes não vemos as canções que gostamos serem usadas e abusadas pela rádio, televisão e publicidade, numa repetição violadora que as despe de significado? Olhem para o que estão a fazer ao "Don't Stop Me Now" dos Queen. É indigno. Experimentem dizer "cadeira" 100 vezes consecutivas. À vigésima, já nem se lembram para que serve. Mas se entendo a saturação, não compreendo a radicalização das opiniões aos extremos do ódio e do escárnio. Acima de tudo, não é justo.

Agora que Phil Collins faz 65 anos e vai reeditar os seus álbuns a solo, é tempo de fazer uma reapreciação a Phil e dar-lhe o devido reconhecimento. Os seus skills na bateria são inatacáveis (ouçam "The Musical Box" ou "Fountain Of Salmacis" dos Genesis, se quiserem ser esclarecidos acerca deste assunto), mas dizer que Phil Collins foi um dos melhores bateristas da sua geração é redutor para descrever o seu impacto como artista. Em 1979, quando Peter Gabriel procurava uma sonoridade nova para a bateria no seu 3º álbum a solo ("Melt"), foi buscar Phil Collins, pois claro. Phil e Peter, juntamente com os produtores Hugh Padgham e Steve Lilywhite, foram responsáveis por um estilo de bateria que marcaria toda a música nos anos 80: o "gated drum" e a ausência de pratos. A estreia desta sonoridade foi em "Intruder" de Peter Gabriel, mas foi com "In The Air Tonight" que se celebrizou. A impressão digital de Collins ficou então espalhada por todas a música que se ouvia.

Uma das críticas que é comum ouvir a Phil é a sua suposta plasticidade. Ora, os seus álbuns a solo são plenos de sentimento e de raiva. São reais. Talvez não todos, é certo. Eu próprio sinto que quando Phil deixou os Genesis em 1991, perdeu algum contacto com a realidade. Phil passou a ser um artista circunscrito e aborrecido e os seus álbuns seguintes pareciam mostrar isso. Mas ouçam os seu dois primeiros álbuns — "Face Value" e "Hello... I Must Be Going" — escritos na ressaca de um divórcio e verão que ele é a sério.

Só há uma coisa que a imprensa gosta mais que a ascensão de uma estrela, é a sua queda. A queda de Phil já durou tempo suficiente, atirou-o para uma depressão e por pouco não lhe tirou a vida. É tempo de lhe dar um abraço e agradecer-lhe tudo de bom que nos deu. Se fazem parte do grupo dos incautos que desconhece a floresta da obra de Phil, abram a mente e atrevam-se a dar uma espreitadela na playlist. Pode ser que se surpreendam.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

"Prova um pouco disto, vai mostrar-te onde estás. Ou pelo menos vai ajudar-te a sentir"

Bruce Springsteen vem ao Rock In Rio 2016. Como foi da última vez?



Rejubilem. Bruce Springsteen voltará a Portugal em Maio, 4 anos depois do seu último concerto no Rock In Rio Lisboa e 2 anos depois do cameo em "Tumbling Dice" com os Stones. A reacção nas redes sociais foi forte e outra coisa não seria de esperar. Não há outro artista a quem eu já tenha visto tamanha devoção, como a Bruce Springsteen. As pessoas não amam só a música dele, as pessoas amam o homem; amam-no incondicionalmente e seguem-no para todo o lado, como se de uma religião se tratasse. São décadas disto. Eu falo à vontade do assunto, porque eu próprio sou um devoto (planeio vê-lo 3 vezes este ano: LA, Lisboa e Madrid). E Bruce retribui essa devoção ao vivo, despejando o depósito noite após noite.

Para quem nunca o viu ao vivo, para quem nunca "sentiu", toda esta divagação pode soar estranha e exagerada. "É só um gajo a cantar!", disse-me uma vez um radialista céptico. Negativo. É muito mais que isso. Mas só se compreende estando lá, não há volta a dar. Agora que ele vem "cá" outra vez, a melhor forma para lançar o novo concerto é recordar o que escrevi poucas horas depois do fim do último, ainda de sobremaneira afectado pelo êxtase e pela falta de sono. Aqui vai:

Nota prévia: Se não estão preparados para (mais) um texto cheio de superlativos e loas a Bruce Springsteen, devem abandonar desde já este espaço. Aqui sempre se adorou, adora-se e vai continuar a adorar-se o Boss.

Segunda nota prévia: Por volta das 21:30 de ontem, a meio do concerto dos James no Palco Mundo, Tim Booth deu o mote para o que se passaria umas horas mais tarde. No alto daquele ar pálido de ex-presidiário em tentativa de reinserção na sociedade, Tim contou uma história que terá marcado o fim da sua adolescência rebelde:

"I was a 16 years old punk rocker, all my role models were self destructive. I was into the Sex Pistols and Iggy Pop and a 100 other tortured artists who wished to come on stage and cut themselves for people's entertainment.
And then... when I was 17, a friend of mine bought me a ticket to see a concert in Birmingham. I didn't wanna go, because I didn't like the guy's music. And they dragged me along to this guy's concert and after the 3rd song, I was standing up with the biggest smile on my face. That was Bruce Springsteen & The E Street Band.
They showed me another kind of artist that doesn't have to burn himself out... That doesn't have to cut themself for people's entertainment. They showed me a new way of being onstage. So, it's a great pleasure to be here this evening, with you and with them.
We need more role models like Bruce Springsteen. I needed one."

Bruce Springsteen & The E Street Band ao vivo, como uma "life changing experience", onde é que eu já ouvi isto? É uma história cujos contornos são comuns a milhares de pessoas em todo o Mundo e que ontem foi partilhada por muitas mais. Depois do espectáculo sensaborão de Alvalade em 1993 com a Other Band (sim, a "outra" banda de Bruce foi mesmo baptizada desta forma imaginativa), havia uma clara onda descrente em relação ao Boss no nosso país. Até ontem. Ou melhor, até hoje, porque o Boss demorou a chegar e quando entrou no Palco Mundo do RiR, já passava das 0:00 de 4 de Junho de 2012.

Bruce demorou, mas quando chegou, não defraudou as expectativas e deu aquele que foi (para mim) o melhor (e mais longo?) concerto do festival. Foi mais que um concerto, foi uma experiência. Vou ter que escrever qualquer coisa sobre o que presenciei, mas não sei ao certo o quê, uma vez que ainda estou em êxtase pós-orgásmico. Por onde começar?
Foram 2 horas e meia de masturbação emocional colectiva. Um turbilhão de emoções. Milhares de vidas que nunca mais serão as mesmas. Porque a partir de ontem, para essas pessoas houve qualquer coisa "lá dentro" que mudou, uma paixão que acordou. Foi assim que aconteceu com Tim Booth na sua juventude, foi assim que aconteceu com o meu melhor amigo que, tal como Tim, também eu "arrastei" para o concerto de ontem. E tal como Tim, também ele deu por si com um sorriso idiota na cara ao fim do 3º tema. São muitos anos a arrancar sorrisos a carrancudos.

Desde as 2:30 de hoje, hora que arrancaram Bruce do palco com fogo-de-artifício, que a imprensa se rendeu e multiplicou loas ao Boss, elegendo a sua actuação como o ponto alto do Rock In Rio 2012. Mas não só. Hoje já li críticas que vão desde "o concerto do festival", passando pelo "concerto do ano", até ao "concerto da década”. Como disse ontem Bruce, após um "Twist And Shout" já com foguetes ao fundo: "You've just experienced the legendary E Street Band!". Ninguém se pode queixar que não foi avisado. Na introdução de "Spirit In The Night" (tema de onde é retirado o título desta crónica), Bruce revelou ao que vinha :
"The E Street Band has come thousands of miles, just to be here in Lisbon tonight. And we've come here on a mission!
We're gonna bring the power! We're gonna bring the glory! We're gonna bring the fun! We're gonna stimulate your sexual organs, with the power of Rock N' Roll!
Can you feel the spirit? Can you feel the spirit now?"



E assim foi. Depois de 3 dias consecutivos de Rock In Rio, hoje estou de rastos. Sem voz, com a garganta rebentada e já não sinto pernas, pés ou costas. Estou mais morto que vivo, mas estou feliz. Com o tal sorriso idiota na cara.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Rei de Hollywood – Adeus, Glenn Frey

Take it easy, Glenn.


Não está fácil, 2016. Tínhamos tantos planos, mas começamos esta relação só com desgostos: na semana passada foi o David Bowie, ontem o Glenn Frey. Para o ouvinte mais distraído, o nome de Frey pode não soar tão familiar como o de Bowie; mas se eu falar na banda que Glenn formou com Don Henley em Hollywood, no início dos anos 70, todos reconhecerão os Eagles. Para mim, falar nos Eagles é falar em música que serviu de banda sonora cinemática a diferentes tempos, eventos e paisagens na minha vida.

Primeiro, entraram os êxitos. Entraram por meio de uma cassete com o inevitável "Best Of" que rodava incessantemente, qual martelo pneumático, no auto-rádio-auto-reverse do Lancia Dedra branco do meu Pai. Foi com o Country-Rock dos Eagles que eu percebi o conceito de "música de estrada". "Hotel California", "New Kid In Town" e "Take It Easy" pintaram paisagens e histórias dramáticas no imaginário de um miúdo sentado no banco de trás, que pouco percebia de inglês, mas que não precisava disso para interiorizar tais canções de fulgor imediato.

Depois entraram os Eagles selvagens e perigosos. Entraram muito mais tarde, quando emigrei para a Polónia durante 3 meses e os californianos foram a banda sonora da minha aventura. A música de Glenn Frey e Don Henley falava sobre Hollywood e os sonhos ingénuos pré-adultos (lembram-se?) da busca pelo sucesso, da conquista do mundo e mais além; sobre foras-da-lei irresistíveis, em viagens perigosas pelo faroeste desconhecido; sobre paixões tão fortes como bulldozers que destroem as vidas e os sonhos de todos à sua passagem. Era a música que descrevia o estado de espírito de um jovem latino a morar no sul da Polónia, com o depósito cheio de testosterona e ingenuidade e uma tábua rasa de experiência. Com os mp3 dos Eagles nos fones do novinho Creative (lembram-se?), eu era o "King Of Hollywood".

Depois voltei à realidade e entrou o resto da discografia. Descobri a ressaca e a perda do fascínio na música dos Eagles, à medida que iam caindo as minhas próprias ilusões. O que nunca caiu, foi a música da banda. Desde a cassete do meu Pai, 20 anos passaram e a mesma compilação, agora em CD, continua a passar incessantemente, agora no meu carro. Passa sempre que vejo um pôr-do-sol numa montanha lá ao fundo e me recordo das paisagens que a música pintou no imaginário do puto sentado no banco de trás do Lancia Dedra. Paisagens pintadas pelas música dos Eagles e as vozes de Don Henley e Glenn Frey.

Glenn Frey foi de Detroit para Los Angeles com um sonho e perseguiu-o ferozmente. Com Don Henley, formou uma das bandas mais velozes e vorazes dos EUA nos anos 70 (se quiserem saber mais sobre isso, leiam aqui e aqui) e a música dos Eagles não é mais do que a descrição de episódios na perseguição furiosa desse sonho. Glenn Frey viveu o sonho e tornou-se num dos reis de Hollywood.
Take it easy, Glenn (https://www.facebook.com/nuno.mm.bento/videos/1136032313081074/). Obrigado por teres dado uma banda sonora cinematográfica à minha vida e me fazeres sentir como um rei de Hollywood.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Cinza às cinzas - Adeus, David Bowie

Para ti, David.



Vou tentar ser breve. Quem me conhece (ou tenha falado mais de uma hora comigo) sabe da importância que David Bowie tem para mim. Num momento como este, tenho ao mesmo tempo tudo e nada para escrever. Como diluir em dois parágrafos a magnitude de uma obra que definiu directamente a minha vida? Eu abro as portas do meu quotidiano à música e deixo que ela me influencie em tudo o que faço, mas poucos, ou nenhum, artista teve tanta influência em mim, na minha personalidade, como David Bowie.

Há exactamente cinco anos, obcecado com o seu álbum "Low" e com a ideia de me reinventar (quem nunca?), convenci-me que a única forma de revolucionar a minha vida seria seguir os passos de Bowie: desmanchar tudo, ir para Berlim e começar de novo. Inscrevi-me nas aulas de alemão, fui para Berlim sozinho duas semanas e estive a um pequeno passo e um ralhete da minha mãe de me mudar em definitivo. É este o tipo de importância que a sua obra tem na minha vida.

Nas próximas horas vamos ler milhares de tributos de gente a quem o David Bowie afectou das mais pequenas formas e assim perceber um pouco da sua importância. Vamos ouvir chamarem-no de "grande artista", "inovador", "pioneiro", "rei", "gigante", "herói" e todos os superlativos fáceis de quem fala sobre quem já cá não está. Para mim, David Bowie foi simplesmente um messias. Um messias que mudou, guiou e definiu a minha vida. Para mim, hoje é um dia devastador, um dia que só pode ser enfrentado com a celebração da vida e obra de um dos maiores artistas da História documentada da Humanidade. Até na morte, David deixa a sua marca de artista: álbum, vídeo, aniversário e morte. A morte é o último acto, é parte do espectáculo. Ouçamos, pois, David Bowie.

Permitam-me terminar com uma mensagem ao próprio.

Obrigado por tudo, David. Sem ti, eu não seria o mesmo e de certeza mais pobre. Deixo-te uma promessa: enquanto eu viver, tu viverás também. À mesa, entre garfadas, ou em sofás, entre copos de Jameson, vou contar histórias sobre ti aos meus amigos, filhos, netos e a quem mais vier; vou levar-te comigo para todo o lado e para sempre lembrar o mundo do teu legado. No que de mim depender, serás eterno.