A história do último festival da temporada festivaleira
E eis que chegamos à derradeira paragem da temporada festivaleira de 2015. E que viagem foi esta, que nos deu concertos eternos de Tame Impala, Blur (e Chromeo, já agora) e que a mim deu um pé partido em The Prodigy. Como acontece desde 2011, para último ficou reservado o GP Suzuka dos festivais portugueses — o Vodafone Mexefest. O Mexefest é o festival que dá prioridade a bandas mais obscuras e afastadas do circuito mainstream, umas porque ainda não chegaram lá, outras porque a sua imagem não pode ser vendida a muita gente (Peaches, estou a falar de ti). É esta mistura heterogénea de bandas, aliada a uma distribuição caótica de horários e a uma alocação única de salas que faz do Mexefest um saco de gatos que tem tanto de bizarro, como de fascinante e até empolgante.
Empolgante porque permite que cada espectador possa produzir o seu próprio festival (boa ideia, a da app). Este é o meu Mexefest.
A primeira noite começa com um concerto no âmbito do surreal. Sozinho em palco, apenas com um técnico de som escondido lá atrás, La Priest é um one-man-band que produz uma malha sonora psicadélica que enche o Tivoli e hipnotiza uma audiência que rejeita o conforto das suas cadeiras em favor de passos de dança furiosos. Eu ainda não tinha bebido nada e talvez por isso não tivesse curtido o concerto como devia. E eu até gostei muito de "Inji", o álbum que La Priest trazia na bagagem.
Desço a avenida rumo ao Coliseu (o Mexefest é mesmo isto — uma correria desenfreada entre salas) onde dentro de poucos minutos entrariam os Chairlift — uma das bandas que mais ouvira nas últimas semanas. Que desilusão. A banda não consegue conquistar o público com o seu Synthpop tricotado e o volume envergonhado que sai dos altifalantes. De tal forma que se ouve mais ruído do público a conversar que a própria banda em palco... isto durante a música. Nunca tinha presenciado nada desta escala. Entre temas, o ruído é ensurdecedor e obriga a banda a explicar-se: "estamos a tocar material novo". Os Chairlift despedem-se com "Ch-ching" e eu nem sequer ouço o meu "Amonanesia".. Baah que desilusão. Tantas expectativas goradas.
Hora de Bully na EPAL. A banda punk de Nashville toca numa sala minúscula, à pinha. São as condições perfeitas para a música que trazem. Agora sim, temos concerto. O set é curto, conciso e demolidor. É o primeiro mosh da noite, o meu primeiro desde o pé partido e a primeira sensação de libertação que o festival me oferece. Daquelas sensações que só a música nos dá.
Quando uma multidão já fazia fila desde o Coliseu ao Ateneu para ver a cena hipster do momento, eu fico pelo Ateneu para ver a banda que fez um dos álbuns do ano — Titus Andronicus. Nada contra Benjamin Clementine, mas as contingências das sobreposições horárias do Mexefest assim o ditam. Surpreendentemente, o gimnodesportivo do Ateneu está muito bem composto. O público nas filas da frente é facilmente reconhecível — basicamente os mesmos de Bully — só rockers, muitos deles pertencentes à doutrina beto-urbano-punk, que cruza o cabelinho à agro-beto da Golegã, barba urbana e iPod com a discografia de Sex Pistols. Cuidado, que isto é malta que vem para o mosh com as noções dos treinos do rugby do Técnico. O concerto tem volume nos limites, cervejas a voar, mosh agressivo e Rock N' Roll. A loucura. "Fired Up" arranca a maior reacção do público. "Escreve lá na NiT que o som está uma merda!!!", gritam-me aos ouvidos. De facto. Tenho pena de não conseguir ouvir a banda em condições, mas o som que vem da mesa de mistura tornava impossível distinguir o que quer que fosse.
A poucos minutos do fim de Titus Andronicus, não resisto e vou espreitar o que se passa no Coliseu com Benjamin Clementine (I had to know what the hype was all about). Tenho que me meter à socapa num dos camarotes para conseguir ver alguma coisa. Concerto à pinha, como eu nunca vira o Coliseu. Ainda chego a tempo dos últimos temas, com direito a encore com solo de bateria. Do que vi (correndo o risco de ser injusto por julgar uma parte do concerto pelo seu todo), pareceu-me uma sala demasiado grande e histérica para a música intimista de Benjamin, que lutava sozinho contra os urros de quem queria chamar a si o centro das atenções. É pena. Ficará para ver noutro dia, noutras condições mais adequadas.
Fim do primeiro dia.
O segundo dia começa com Ariel Pink no Coliseu. Wow, quem é que falou em bizarro? Munido com um álbum interessante "pom pom" e um bass-drum capaz de deslocar as fundações do Coliseu, o americano parece apostado em mexer com o sistema sensorial do público, mas não pelas melhores razões. As baixas frequências estão tão proeminentes que se torna praticamente insuportável estar ali, já para não falar na impossibilidade em perceber o que sai da boca dele.
Saio do Coliseu a uma hora do início de Peaches e já a fila para o Tanque chega ao Politeama. Era o concerto que eu mais esperava de todo o festival e pelos vistos o meu entusiasmo é partilhado com muita gente (talvez merecesse uma sala maior). Chego ainda a tempo de ver a Teresa "Da Chick", acompanhada por Mike El Nite e Moullinex, dar um concerto pleno de energia, mandando os "filhos e os pais para casa" com o vibrante "You Make Me Feel (Mighty Real)" de Sylvester James.
Depois... Depois chega Peaches. E que dizer acerca do concerto de Peaches? Palavras serão sempre curtas para descrever este concerto. É algo que vai para além da minha palete sensorial conhecida: há a visão, a audição, o tacto, o paladar, o olfacto... e o concerto de Peaches. O cenário é a Peaches, a Peaches e uma mesa de DJ (e uma participação especial da Da Chick). A música é um Electro-punk que eu melhor descreveria como uma versão hardcore dos Human League, depois de serem tomados de assalto pela miúda que entretanto virou punk. O público é o mais andrógino onde já estive, a fazer jus à canção dos Blur: girls who are boys, boys who are girls, boys who do boys, boys who do girls, girls who do girls. Aqui não interessa quem és ou de quem gostas, estamos todos unidos pela música.
Peaches dá um concerto libertador de preconceitos, com o velocímetro dos excessos a bater no vermelho: andou em crowdsurfing pelo público, ergueu duas bonecas insufláveis, despejou duas garrafas de champagne nas filas da frente e no fim esfregou duas toalhas nas suas partes íntimas frontais e traseiras, atirando-as para gáudio de alguns sortudos na audiência. "Talk To Me" e "Boys Wanna Be Her" são dois highlights do festival. Para quem esteve no Tanque e viu o que eu vi (quem chegou em cima da hora, ou não entrou, ou não viu nada), é fácil eleger o concerto do Mexefest 2015: Peaches, obviamente.
Depois disto, qualquer coisa seria aborrecida. Mas Patrick Watson esticou a corda. Tal como na noite anterior com Benjamin, Coliseu à pinha. Tento invadir novamente um camarote, mas desta vez sou apanhado pela segurança e enviado para o piso de cima. Lá em baixo, a mesma romaria de ontem. Na música de Patrick, em que os silêncios são tão importantes como as notas, o ruído da conversa chega a ser insuportável e na plateia são muitos os "sshhhh" de quem não aguenta mais a conversa do lado. Eu, que vinha do concerto de Peaches com os sentidos a bater no máximo, não aguentei o tédio. Noutro dia, quem sabe, noutras condições.
O balanço do Mexefest 2015 posiciona-o firme como um one-of-a-kind no nosso calendário festivaleiro. Não haveria outra maneira de juntar Titus Andronicus, Benjamin Clementine, Peaches e Patrick Watson, todos no mesmo evento. A NiT esteve no festival a convite do Grupo Turim Hotels, parceiro do Vodafone Mexefest.
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