São evidentes os paralelismos entre o crepúsculo da carreira de Elvis Presley e a rápida decadência artística que vemos nos U2.
Está escrito nos livros do Rock 'n' Roll: a ascensão de uma estrela, veloz e brilhante, é seguida inevitavelmente pela sua queda. Elvis Presley trilhou este caminho primeiro, e escreveu as páginas de um livro que muitos outros viriam a copiar — com a sua morte lenta em Las Vegas, onde se arrastou nos últimos anos de vida, uma sombra de si mesmo, afogado em bebida e psicotrópicos, a dar espetáculos para engravatados que pagavam caro para ver ao vivo o Rei, ou pelo menos que restava dele. As últimas impressões são as que costumam ficar e por isso mesmo, a História foi cruel com Elvis. Hoje, infelizmente, não lhe damos o devido crédito.
Quem parece estar condenado a seguir o mesmo destino são os U2. Fãs de Elvis, mas aparentemente alheios aos passos que lhe valeram o seu triste destino, os músicos da banda irlandesa (com Bono e Edge à cabeça) parecem querer trilhar o mesmo caminho de erosão de imagem que o seu ídolo. Nesta última década, projeto após projeto, os U2 mostram estar perdidos, sem ideias novas, e em rápido declínio. E se nada grita mais alto "banda em declínio" que um álbum acústico que se propõe a "re-imaginar" êxitos antigos, como é o caso do iminente "Songs Of Surrender" (que será lançado no próximo mês), o anúncio da última semana oficializou a entrada dos U2 na sua fase "Elvis balofo".
Entre anúncios de refrigerantes e batatas fritas, os U2 anunciaram o seu próximo mega projeto no intervalo do Super Bowl. Com todas as acusações de que a banda irlandesa se tornou numa mera corporate venture, não havia certamente forma menos Rock ‘n’ Roll de fazer este anúncio. E se o veículo para este anúncio já era parolo, o conteúdo do mesmo não foi melhor. Os U2, ou o que resta da banda, vão fazer uma residência em Las Vegas, nos Estados Unidos, para tocar o álbum “Achtung Baby”, de 1991. O que resta da banda, sim, porque o baterista Larry Mullen Jr., a contas com uma lesão nos ombros, não vai estar presente — serão os U1.5, portanto.
Várias questões se levantam aqui. Em primeiro lugar, Larry. Larry Mullen Jr. é “só” um baterista, dir-me-ão; logo é substituível. O problema é que nenhuma outra banda vendeu tão agressivamente o produto de que “somos estes quatro e sem um de nós não há banda”, como os próprios U2. É esse o problema quando se quer desfraldar a bandeira do purismo, o vento vai eventualmente virar-se contra nós. Os U2 já cancelaram espectáculos e adiaram digressões inteiras porque Bono não estava bem; Vegas nem sequer estava anunciado quando Larry deu uma entrevista (no final do ano passado), a revelar as suas frustrações com os U2 que, segundo ele, “deixaram de ser uma democracia e passaram a ser uma leve ditadura” (de Bono e Edge, entenda-se). A entrevista deixa a ideia que pode não haver futuro para Larry nos U2 e esta residência é apenas um test drive para ver se cola. Fazer Vegas sem Larry é feio e deixa um sabor amargo a quem confiou na matriz fixa da banda. E se acham que Larry é apenas mais um baterista, então ouçam os discos com maior atenção. Chamo a atenção a “Zooropa” em particular, onde a bateria é frontal.
Também não deixa de ser irónico que os U2 escolham o seu álbum mais subversivo para tocar em Las Vegas. Longe, muito longe, vão os tempos do rasgo de “Achtung Baby”, “Zooropa”, “Passengers” e, leram bem, “Pop”. Quanto muito, todo este projeto é totalmente anti-"Achtung Baby" e revela uma banda no pólo diametralmente oposto àquela irreverência que vimos na digressão Zoo TV, que passou por Alvalade.
Vegas não é a volta olímpica que os U2 mereciam. Nem é sequer uma volta olímpica que eles precisem. Os U2 já têm rios de dinheiro, tendo amealhado mil milhões de dólares na última década em concertos. Dinheiro, creio, eles têm que chegue. Agora vale a pena preocuparem-se também com o legado que querem deixar às gerações que aí vem e não viram os U2 no seu pico. Seria uma pena que as pessoas se lembrassem dos U2 como a banda que apodreceu em Las Vegas, incompleta, a fazer uma residência sem alma, sem rasgo e sem Rock 'n' Roll. Apenas por pura ganância.
Bono sempre quis ser Elvis, mas duvido que queira terminar na desgraça como ele.
Sem comentários:
Enviar um comentário