terça-feira, 27 de abril de 2021

Ryan Adams, o culpado de todos os pecados de décadas de "má conduta sexual"

Ryan Adams caiu em desgraça em 2019 quando, em pleno auge do movimento #metoo, o New York Times fez uma reportagem com testemunhos de ex-namoradas que não tinham grandes coisas a dizer sobre ele. A reportagem dava também conta de trocas de mensagens com raparigas menores, que o FBI prontamente se encarregou de investigar. Esta última acusação, gravíssima, acabaria por não dar em nada, uma vez que ficou provado que a rapariga mentiu sucessivamente sobre a sua idade. Já os relatos das ex-namoradas, aparentemente mais prosaicos, ditaram o fim da carreira de Ryan Adams; não porque ele tenha cometido algum crime, mas sim porque terá sido prevaricador de, cito, "má conduta sexual". O tribunal? A imprensa musical.

Ryan tentou retratar-se, mas o artigo do NYT causou um terramoto nas redes sociais tao grande, que obrigou o artista americano a cancelar a tourné que tinha planeada para a Europa (eu tinha bilhete para o Royal Albert Hall), bem como o lançamento da trilogia de álbuns que estava prevista para esse ano e que à data começava com "Big Colors", seguido de "Wednesdays" e por fim, "Chris". Nenhum deles viu a luz do dia em 2019.

Desde então, Ryan Adams tentou reatar a sua carreira, sem sucesso. No ano passado, o leak do álbum "Wednesdays" precipitou o lançamento online do segundo disco da trilogia que tinha programado. Porém, nenhum órgão da imprensa mainstream arriscou sequer fazer uma review do álbum. O disco foi completamente ignorado pela mesma imprensa que o queimou e o tornou o réu de todos os crimes alguma vez cometidos no mundo da música. Mesmo que aparentemente ele não tenha cometido nenhum.

Ryan Adams foi o mártir perfeito. Um músico suficientemente conhecido e criticamente laureado para que a imprensa musical o pudesse dizimar e com isso hastear a bandeira do #metoo contra os homens brancos e poderosos; mas não tão conhecido e influente que colocasse em risco a própria imprensa, que não quer ter uma horde de milhões de fãs dos Beatles, dos Stones, ou dos Red Hot furiosos à sua porta. Ajudou também que a maioria dos fãs do Ryan Adams fossem hipsters com demasiada self-awareness social, com medo de sequer questionar os quês e porquês do linchamento que se estava a fazer ao músico. Ai de alguém que arriscasse sair em defesa da música de Ryan Adams. Sim, porque no fim do dia, é de música que estamos a falar.

Atentem, depois de ler a história do New York Times e fazendo fé que é verdade (o que não sabemos ao certo), eu também não iria aconselhar uma amiga minha a sair com o Ryan Adams. Nem teria grande interesse em incluir alguém tao insuportavelmente queixinhas e miserável no meu grupo de amigos (e o mesmo diria da Phoebe Bridgers, mas nem vou entrar por aí). Mas não é de avaliações pessoais que se trata, pois não? Estamos a falar de música. Se é boa (e "Wednesdays" é pelo menos metade excelente) ou má. Podemos julgar para um lado ou para o outro, não podemos é fingir que não existe.

Notem que também não estou a dizer que os órgãos de comunicação social devem ter a obrigação de escrever sobre a música de Ryan Adams. Se querem ignorar por princípios morais, ok, eu aceito. Mas essa é uma espada muito pesada que mais cedo do que tarde se vai virar contra os próprios. É que se Ryan Adams está fora para estes guerreiros sociais, então não é aceitável escrever sobre nomes como: John Lennon (por bater na mulher), Lou Reed (idem), George Harrison (por ser mulherengo), Eric Clapton (idem), David Bowie (mais um réu de má conduta sexual), Iggy Pop (idem), Keith Richards (idem), Mick Jagger, Marvin Gaye, Elvis PresleyAnthony KiedisSteven TylerJimmy Page (todos por se envolverem com raparigas menores). Se não escreverem sobre nenhum destes, nem sobre todos os músicos que alguma vez foram acusados por alguma mulher de "má conduta sexual" (#believeher, nunca esquecer), vão ter a vida muitíssimo dificultada, mas respeito. De outra forma, estão a incorrer numa terrível hipocrisia.

Ou então façam uso da vossa liberdade para falar na música do Ryan Adams, dizendo tudo o que vos vai na alma, chamando-o de porco se quiserem, mas reconhecendo a sua existência, como fazem com os outros. Passado o turbilhão do #metoo, Ryan Adams foi praticamente o único que no mundo da música pagou por todos os pecados de décadas de, citando, "más condutas sexuais". Todos sabemos o que aconteceu com nomes bem mais sonantes do que ele. 

Voltando ao que interessa, à música, Ryan Adams prepara-se para lançar aquele que supostamente seria o primeiro volume da sua trilogia programa para 2019 - "Big Colors". Esta semana já pudemos ouvir uma amostra - "Do Not Disturb" -, um slow burner que é muito mais entusiasmante que o primeiro tema deste disco que conhecemos em 2019 - "Fuck The Rain" (que entretanto desapareceu de todas as plataformas online). Fico ansiosamente à espera de mais novidades de "Big Colors", especialmente depois de ter ficado rendido a "Wednesdays" no ano passado. Se estão hesitantes em ouvir a música de Ryan Adams por causa do que ele terá ou não terá feito há 10 anos, o meu conselho é seguirem as palavras sábias de Steve Van Zandt - "Confiem na arte, nunca no artista". Gostam do álbum? Não tenham problemas em admitir. #metoo

segunda-feira, 12 de abril de 2021

God Save The Queen: Segui a Rainha e levei a vacina da Astrazeneca em Londres

A história de paixão do cronista da NiT pelo Reino Unido, agora consumada com a vacina da Covid-19

Toda a vida cresci fascinado com o Reino Unido. Muito à custa da música, a minha história de amor com o UK começou cedo, de tal forma que quando tive a primeira aula de inglês aos 6 anos, a minha motivação era levar o livrete do Greatest Hits dos Queen à professora, para me traduzir títulos como "Bohemian Rhapsody" e "Headlong" (estávamos nos early 90s e não havia internet) que, hoje sei, nem ela sabia como explicar. A paixão nunca esmoreceu com os anos e quando comecei a ganhar dinheiro para viajar, ir a Londres estava no topo da minha lista de destinos. Repeti a viagem vezes sem conta, em média três vezes por ano, sempre com o pretexto de ver concertos. Em 2018, consumei o meu amor por este país e mudei-me para Londres. A cidade deu-me tantas coisas boas, que a minha estadia aqui só fez com que o amor antigo crescesse ainda mais. Esta semana, fiquei ainda mais enamorado, quando levei a primeira dose da vacina contra a Covid-19, algo impensável se ainda estivesse em Portugal.

Longe de mim alguma vez advogar em favor do Brexit, mas num mundo onde só se foca o negativo, permitam-me realçar o lado positivo — se há uma coisa em que os Brits saíram à frente de toda a Europa, foi no programa de vacinação contra a Covid-19, que tem sido um estrondoso sucesso no Reino Unido e que, na prática, só foi possível devido ao Brexit. E isto são factos: o Reino Unido é de longe o país com maior taxa de vacinação da Europa e o 5º país no mundo inteiro, apenas atrás das Seychelles, Israel, Butão e Maldivas (Portugal é o 27º). Nesta altura, 47% da população já recebeu pelo menos uma dose da vacina. Esta semana, foi a minha vez. 

É verdade que, em condições normais, alguém da minha idade (35 anos) não seria ainda vacinado, mas a minha asma alguma vez haveria de ser útil para alguma coisa e agora foi a hora. Imagino que a vossa próxima questão seja relativamente à origem da vacina. Sim, foi a da AstraZeneca. Como toda a gente que lê notícias, também eu fiquei com as minhas reservas quando soube que era esta a vacina que ia levar, tal a avalanche de informação a dar conta dos seus riscos e o pânico que a mesma gera, mesmo sabendo que são inferiores aos da pílula anticoncepcional. Quando entrei na sala onde ia levar a vacina, dei a conhecer as minhas preocupações às senhoras da pica, que rapidamente, e de forma extremamente britânica, afundaram as minhas questões:

Nuno: "So I’m taking the unpopular vaccine, eh?"
("Então quer dizer que vou levar a vacina impopular, não é?")

Senhoras da pica: "What do you mean unpopular? I’d say it’s very popular. THE QUEEN took this vaccine. If it’s good for the Queen, it surely is good enough for you!"
("Como assim impopular? Eu diria que é muito popular. A RAINHA (Queen) levou esta vacina. Se é boa para a Rainha, é boa para si de certeza!")

Nuno: "Oh is it the Queen vaccine? Then let’s have it! I’m a massive fan."
("Ah é a vacina da Rainha? (trocadilho com a "vacina dos Queen"). Então venha ela. Sou grande fã.")

E pronto, já levei a minha primeira pica e estou muito contente e agradecido ao Reino Unido por (mais) oportunidade que me atiraram. Cada vez gosto mais deste país.

Hoje, 12 de Abril, o país prepara-se para reabrir e o regresso à normalidade está já aí ao virar da esquina. Normalidade, que é como quem diz para mim, concertos. Já tenho uma série deles em vista para o final do ano e depois da segunda dose em Junho, vou com certeza pôr a hipótese de, pelo menos, ir a uns festivais de Verão ao ar livre. Até lá, vou continuar na minha rotina de usar duas máscaras no metro todos os dias e tomar banho de álcool-gel sempre que toco nalguma coisa. Mas pelo menos sei que o pesadelo está quase a acabar, graças ao Reino Unido. God save the Queen.