O novo documentário do New York Times revela um caso chocante que roça a escravatura
Acabo de assistir, chocado, ao novo documentário do New York Times "Framing Britney Spears", que detalha o caso da tutela das finanças e da vida pessoal de Britney Spears pelo seu pai. Sim, leram bem. Britney Spears, mulher adulta de 40 anos, está sob controlo total do pai desde 2008. Isto significa não só o controlo da sua conta bancária, como também dos contratos que assina (isto é, o pai é que diz quando e onde é que ela vai à televisão, lança álbuns, ou dá concertos), e até de quem vê, quando vê e com quem contacta. Controlo total. Tudo isto para, alegadamente, "proteger" a Britney.
Imagino que para muitos de vocês, fãs da Britney que estão a ler, nada disto seja novidade. Afinal, a custódia já existe desde 2008. Confesso que esse foi provavelmente o ano em que eu lhe perdi o rasto, muito porque foi quando ela deixou de aparecer nos tablóides. No ano anterior, todos os dias havia um escândalo novo: ora porque conduzia com o filho ao colo, ora porque era apanhada a sair de limousines sem roupa interior, ora porque destruía carros dos paparazzi, ora porque rapava o cabelo, tudo servia para bater na Britney. Nisto, ninguém se perguntou porque é que ela estava a cair naquela espiral destrutiva em frente às câmaras. Ninguém pensou que, talvez, o melhor fosse apenas deixar a Britney em paz — como disse o rapaz naquele vídeo viral de 2007.
O annus horribilis de 2007 valeu-lhe a perda da custódia dos seus dois filhos com Kevin Federline e mais tarde a perda da liberdade pessoal e financeira para o seu pai, numa altura em que enfrentava evidentes problemas psicológicos. A figura da tutela foi accionada, algo que deveria ser um último recurso para pessoas em fim de vida e em perda das suas capacidades mentais. Em 2008, perante o estado em que Britney se encontrava na altura, admito que a tutela poder-se-ia justificar episodicamente, para evitar burlões que se aproveitassem do seu estado débil e para preservar a sua imagem pública. Estender isto para além de um estrito número de circunstâncias, parece-me impossível de justificar.
Como então explicar que Britney Spears tenha passado os seus trintas sob o controlo total do pai? A resposta é triste, mas óbvia: dinheiro. Britney dá de comer a muita gente e financia as vidas principescas de todos os membros da sua família que, surpresa, não se opõem à tutela, embora o próprio irmão já tenha reconhecido que sabe que Britney se sente prisioneira. A tutela tornou-se num negócio muito lucrativo para todos os envolvidos, até para a própria Britney, que agora está "protegida de si mesma", e assim pode explorar todo o potencial da marca do seu nome para fazer dinheiro. Mas quererá Britney esta vida "segura", em prejuízo da sua liberdade? Parece-me óbvio que não. Não admira que os últimos temas que me lembro dela ("Toxic", "Gimme More") remontem ao seu período livre.
A liberdade para fazer disparates é um direito inalienável que nos assiste. Sem ele, não somos mais do que escravos. Podem pintar a situação como entenderem, podem pô-la num chalé na praia, ou num quarto no Four Seasons, a Britney não deixará de ser uma escrava num chalé. A família nega que Britney não tem liberdade, uma vez que, dizem eles, pode viajar (mas tem que pedir autorização) e, que sorte, não está trancada num quarto. Agora pensem, se isto é a vossa noção de liberdade. Quando se recusou a fazer uma residência em Las Vegas em 2018, Britney foi internada num hospital psiquiátrico. A justificação oficial é que ela queria estar com a família, embora não fossem conhecidos mais hóspedes da família Spears naquelas instalações.
Quando soube deste caso e do documentário que ia sair este fim-de-semana (disponível do FX e Hulu), fiquei atónito — como é que os Estados Unidos da América, terra da liberdade, permite uma coisa destas? Um caso a roçar a escravatura em pleno século XXI e em frente a toda a gente? Todo este caso é de uma surrealidade indizível. Olhando de fora, mais parece um filme distópico do tipo "Blade Runner" em que a Britney é um genóide programado para nos entreter (como a Pris, interpretada pela Daryl Hannah). Britney tornou-se na personagem de um dos seus vídeos, quando representava uma estrela Pop prisioneira da sua própria imagem (notem que eu tinha 14 anos em 1999, por isso conheço os vídeos todos da Britney da época).
Soube agora também, que em 2019 nasceu o movimento #FreeBritney a partir dos fãs, que visa o término da tutela de Britney, tendo em conta que as circunstâncias de 2008 já foram há muito ultrapassadas. Britney tentou rever a situação em tribunal, mas foi negada pelo juiz, num julgamento ridículo em que ela estava a pagar o seu advogado, o advogado da tutela, e claro, a própria tutela. Como a própria advogada da tutela admite no documentário, ela está metida num imbróglio legal do qual dificilmente vai sair.
A questão que levanto neste texto é quem afinal desencadeou este processo, em que uma mulher saudável entra num tenebroso meltdown em público, que a leva à destruição da sua vida pessoal e da sua saúde mental e mais tarde à perda da sua liberdade. A resposta, para mim, é óbvia: os paparazzi. Não imagino o que é ter um batalhão de fotógrafos a guardarem-me 24 horas por dia, a fotografarem-me à janela, quando vou à varanda, quando vou ao supermercado, quando simplesmente não estou com paciência para ninguém. Eu tinha partido mais carros que a Britney, de certeza. E se a imprensa destruiu a vida de Britney, agora deve reparar os estragos e ajudá-la a recuperar a sua liberdade. Está por isso na hora de gritar, nas palavras imortais do Miguel Ângelo, "soltem os prisioneiros". Libertem a Britney.
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