segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Is there life on Mars? - 10 temas para ouvir em Marte

Na sequência da aterragem do rover Perseverance, o cronista da NiT sugere 10 temas para ouvir em Marte.


“Há vida em Marte?” – perguntou David Bowie no enigmático “Life On Mars?”. O tema de 1971 não era literalmente sobre a existência de vida no planeta Marte, mas a sua ubiquidade valeu-lhe a honra de ser a banda sonora do fecho da transmissão da aterragem do rover Perseverance no planeta vermelho, que teve lugar na semana passada. Não consigo pensar em melhor escolha. Neste momento histórico para a humanidade, é um prémio justíssimo para “o homem que caiu na Terra” e que passou toda a sua carreira a cantar sobre o espaço.

Em homenagem à missão espacial Mars 2020, ficam aqui 10 temas para ouvir em Marte, numa playlist cuidadosamente curada e ordenada, que começa no século XIX e tenta não repetir artistas (o que é manifestamente difícil no caso de David Bowie). 

 

Richard Strauss – “Also Sprach Zarathustra – Sunrise” (1896)

Escrita por Richard Strauss no século XIX para musicar a obra filosófica de Nietzsche sobre o eterno retorno, a introdução de “Also Sprach Zarathustra”, também conhecida como “nascer do sol”, ganhou fama como banda sonora dos títulos de “2001: Odisseia No Espaço”. É também a perfeita introdução para a nossa playlist para ouvir em Marte.

 

Pink Floyd – "Astronomy Dominé" (1967)

Depois de Bowie, a escolha mais óbvia para sonorizar uma missão espacial teriam que ser os Floyd. Os tempos de Cambridge e cogumelos catalisaram uma visão psicadélica que abriu os horizontes do Rock ‘n’ Roll ao infinito do espaço. Ainda não foi dada a devida reverência ao pioneiro “The Piper At The Gates Of Dawn”, um álbum que permitiu ao mundo levantar voo para a estratosfera, sem ser preciso passar pelo Cabo Canaveral. Depois, infelizmente, Syd levantou voo vezes a mais, até que ficou por lá. É pena.

 

The Beatles – “Across The Universe” (1969)

Muito aprenderam os rapazes de Liverpool nos clubes das caves de Londres, onde tocavam bandas psicadélicas como a referida em cima. “Across The Universe” é um hino do espaço à John Lennon, na medida em que é, na realidade, um tema introspetivo que usa o espaço sideral como metáfora para o espaço mental. Olhar para dentro, a olhar para fora. Clássico John.

 

Elton John – “Rocket Man (I Think It’s Going To Be A Long Long Time)” (1972)

Por falar em clássicos, aposto que já esperavam a inclusão de “Rocket Man” nesta lista. Eu sou um mega-fã do Elton que, segundo a minha base de dados do Discogs, conto com uns modestos 135 discos do Captain Fantastic na minha coleção. E choque, não sou fã do “Rocket Man”. Nunca fui. Será da sobre-exposição? Talvez. Mas nunca consegui perceber o encanto. A verdade é que os últimos anos viram Elton a ser cada vez mais associado a este tema e ao conceito de homem do espaço. “Rocket Man” foi o título do seu biopic e é, de longe, o seu tema mais tocado no Spotify, com mais de 500 milhões de streams. Mal sabe esta gente que Elton tem um universo (pun intended) de música por descobrir. Como dizem os ingleses, a fruta mais baixa na árvore é a mais fácil de colher.

 

David Bowie – “Moonage Daydream” (1972)

Ora bem, por onde começar? Desde “Space Oddity” (1969), passando por “Life On Mars?” (1971), “Starman” (1972), “Moonage Daydream” (1972), “Loving The Alien” (1984), “Hallo Spaceboy” (1995) e isto só na ponta língua, David Bowie passou a carreira a cantar sobre os mistérios do espaço e da vida alienígena. Ele próprio era, acreditavam muitos americanos do Midwest nos anos 70, um perigoso alienígena enviado para desviar os seus filhos. Tudo começou com "Space Oddity" e essa seria a escolha mais óbvia, mas eu sou atraído pelo som da guitarra do Mick Ronson como os nossos heróis eram atraídos pelo pó de giz, por isso vai o “Moonage Daydream”. E lamento, vamos ter que ficar aqui no que toca a Bowie.

 

Lou Reed – “Satellite Of Love” (1972)

...ou não. Voltamos a ter Bowie, mas desta vez num papel secundário merecedor de um Oscar. “pom pom pom” – as backing vocals em “Satellite Of Love” são tao notáveis como a própria lírica de Lou Reed, que profetiza a chegada do Homem a Marte, seguida da terraplanagem para parques de estacionamento (“Satellite is gone way up to Mars / Soon it will be filled with parking cars”). E aquele último minuto, em que Bowie grita simultaneamente “SATELITE” e “AUUUUUU” em pistas diferentes, é dos momentos mais deliciosos da História do Rock.

 

Oasis – “D’Yer Wanna Be A Spaceman?” (1994)

O Noel Gallagher quando baixa a guarda é capaz de escrever melhor do que qualquer um dos grandes. “D’Yer Wanna Be A Spaceman?” canaliza os The Kinks, num tema naive sobre a perda da inocência e o crescimento que nos faz desistir dos nossos sonhos de astronauta, para nos entregarmos de livre vontade às prisões do trabalho e dos empréstimos ao banco. Podia e devia ter tido outra exposição, mas por razões que só Noel saberá, ficou escondido como Lado B do single do muito inferior “Shakermaker” em 1994.

 

Beach House – “Space Song” (2015)

Depois de ganharem notoriedade com o brilhante “Bloom” em 2012, os Beach House estabeleceram-se como uma das bandas mais consistentes da última década com “Depression Cherry (2015). Depois veio o advento do Spotify e o fenómeno das músicas “que se parecem muito com muitas outras” e que, como tal, aparecem nas faixas sugeridas pela plataforma quando acabamos de ouvir a nossa playlist. Foi assim que eu redescobri “Space Song”, anos depois de a ter criminosamente ignorado ao ouvir o álbum e foi assim que o tema disparou para 135 milhões de streams, quase o dobro do segundo tema mais popular da banda (“Myth”) e o quádruplo do terceiro (“Master Of None”).

 

Beck – “Stratosphere” (2019)

Por falar em temas criminosamente ignorados, sinto que depois de ser laureado pelo genial “Morning Phase” (2014) e criticado pelo desapontante “Colors” (2017), Beck não recebeu elogios suficientes pelo retorno à grande forma em “Hyperspace”. “Stratosphere”, em particular, tem tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo, e mesmo assim consegue encaixar tudo numa medida perfeita de sintetizadores etéreos, eco e silêncio. Um dos meus temas preferidos dos últimos anos. 

 

Brian Eno – “An Ending (Ascent)” (1983)

Ao curar esta playlist, tive o cuidado de não recorrer a compositores eletrónicos, uma vez que seria demasiado fácil ir buscar Brian Eno, Vangelis, Tangerine Dream, Aphex Twin e atirar-vos 10 peças longas de ambient music sobre o espaço. E aí, meus amigos, é que iam ver o que era divagar nestas caixas de comentário. Dito isto, se começámos com uma introdução instrumental eufórica, faz sentido terminar com uma downer piece do mestre Eno, directamente saía da sua obra-prima “Apollo”, de 1983.

 

Faixa bónus: Klaus Schulze – “Velvet Voyage” (1977)

Acabei de dizer que não queria recorrer a compositores eletrónicos e aqui está mais um. Mais do que qualquer dos outros temas nesta lista, “Velvet Voyage” é uma viagem em si mesmo. Um tema desafiante de quase 30 minutos, que é melhor ouvido numa nave espacial ou, como faria o Syd, debaixo de substâncias que nos atirem para o espaço sideral sem passar pelo Cabo Canaveral. Para a próxima faço isto em verso.

 

Faixa bónus #2: David Bowie – “Life On Mars?” (1971)

Fechamos a playlist da mesma maneira que a NASA terminou a sua emissão – “Há vida em Marte?”.

 



terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Bruce Springsteen: Nascido nos Estados Unidos da Hipocrisia

O shot que tramou Bruce Sprinsgteen e tirou o anúncio da Jeep do ar.


Não há concertos para falar e talvez por isso o assunto da semana no mundo da música foi a detenção de Bruce Springsteen Novembro passado, um caso que, como fã do Bruce, não posso esconder que me incomodou. Vamos lá então falar do elefante na sala. O Bruce foi apanhado pela polícia com álcool no sangue, mais precisamente 0.02 g/l. E não, o zero não está mal posto. A história é que ele foi intercetado por um fã a pedir um autógrafo e uma foto, e esse fã ofereceu-lhe um shot de um licor que ele fizera. O Bruce, como Boss que é, sorriu e anuiu a todos os pedidos, como sempre faz. Eu sei, porque já aconteceu comigo.

Esta cena foi testemunhada por um carro da polícia que estava no local e que seguiu imediatamente no encalce da mota onde seguia Bruce. Mandaram-no parar, et voilá, acusou 0.02 g/l. Embora o limite de álcool no sangue no estado de New Jersey seja 0.08 g/l (recordo que em Portugal são 0.5 g/l, sendo que só é crime a partir dos 1.2 g/l), os senhores da polícia federal decidiram deter o Bruce Springsteen, alegando que, apesar do nível negligível de álcool do sangue, ele não estava em condições de seguir para casa. Ficaram, pois, com uma história para contar e com uma pequena vingança contra o tema “American Skin (41 Shots)” (um tema tão medíocre que nem precisava de retaliação), onde Bruce condenou a brutalidade da polícia que baleou 41 vezes um negro em NY, sem que este estivesse armado. A diferença aqui é que o Bruce deu 1 shot e os polícias 41.

Ora, eu não quero de maneira nenhuma advogar a condução embriagada, mas sou de Castelo Branco, por isso sei quando é que alguém pode estar em condições de “levar o carro”. Sei que se todos os condutores de Castelo Branco fossem detidos ao marcarem 0.02 g/l, a área da zona industrial da cidade não seria suficiente para alojar os calabouços de um estabelecimento prisional construído só para o efeito. Sei também que se este hábito vigorasse em Portugal, eu já teria sido preso mais vezes que o Vale e Azevedo. Este caso, para mim, tresanda a perseguição pessoal. Compreendo que a polícia tenha ido atrás de um homem que viram beber um shot, mas detê-lo quando perceberam que estava muito abaixo do limite legal é um abuso de poder inaceitável. Não interessa se sou eu, se é o Bruce, se é o Vilarinho. A intenção da polícia (não de toda, só daqueles idiotas) neste processo é óbvia – atacar o Bruce Springsteen.

Coincidência ou não, e eu inclino-me mais para a segunda, este caso vem a público poucos dias depois de Bruce protagonizar um anúncio para a Jeep (podem ver aqui), onde apela ao encontro dos americanos num espaço comum, mostrando uma capela no Kansas situada exatamente no meio da estrada 48 dos EUA. Um anúncio é político, sim, mas apela ao entendimento, uma ideia que hoje em dia parece radical e que nitidamente aborreceu muita gente. Mal passou no Super Bowl, gerou-se uma incrível onda de críticas contra o anúncio e contra o próprio Bruce, muito à conta de republicanos que nunca perceberam a ironia de "Born In The U.S.A.". Quando este caso de nano-alcoolismo foi revelado, foi como gasolina para as mãos desta gente, que não tardou em crucificar Bruce na fogueira, do alto do seu pedestal moral americano. Resultado? A Jeep resolveu retirar o anúncio do ar, com medo de represálias dos moralistas. Se há coisa para a qual não tenho paciência nenhuma são falsos moralistas ávidos do cancelamento de todos à sua volta e que, invariavelmente, são os primeiros a morrer pela própria espada. Os Estados Unidos da Hipocrisia estão cheios destes insuportáveis falsos moralistas (Portugal também os tem, mas esses são apanhados antes de sequer saírem de casa). Quanto aos que tentaram apanhar o Bruce, daqui não levam nada. #IstandWithBruce

Estou contigo, Bruce. Deixa esses moralistas hipócritas dos EUA e vem mas é para Portugal. E traz a garrafa, que a gente bebe também. 

 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Libertem a Britney Spears

O novo documentário do New York Times revela um caso chocante que roça a escravatura

Acabo de assistir, chocado, ao novo documentário do New York Times "Framing Britney Spears", que detalha o caso da tutela das finanças e da vida pessoal de Britney Spears pelo seu pai. Sim, leram bem. Britney Spears, mulher adulta de 40 anos, está sob controlo total do pai desde 2008. Isto significa não só o controlo da sua conta bancária, como também dos contratos que assina (isto é, o pai é que diz quando e onde é que ela vai à televisão, lança álbuns, ou dá concertos), e até de quem vê, quando vê e com quem contacta. Controlo total. Tudo isto para, alegadamente, "proteger" a Britney.

Imagino que para muitos de vocês, fãs da Britney que estão a ler, nada disto seja novidade. Afinal, a custódia já existe desde 2008. Confesso que esse foi provavelmente o ano em que eu lhe perdi o rasto, muito porque foi quando ela deixou de aparecer nos tablóides. No ano anterior, todos os dias havia um escândalo novo: ora porque conduzia com o filho ao colo, ora porque era apanhada a sair de limousines sem roupa interior, ora porque destruía carros dos paparazzi, ora porque rapava o cabelo, tudo servia para bater na Britney. Nisto, ninguém se perguntou porque é que ela estava a cair naquela espiral destrutiva em frente às câmaras. Ninguém pensou que, talvez, o melhor fosse apenas deixar a Britney em paz — como disse o rapaz naquele vídeo viral de 2007.

O annus horribilis de 2007 valeu-lhe a perda da custódia dos seus dois filhos com Kevin Federline e mais tarde a perda da liberdade pessoal e financeira para o seu pai, numa altura em que enfrentava evidentes problemas psicológicos. A figura da tutela foi accionada, algo que deveria ser um último recurso para pessoas em fim de vida e em perda das suas capacidades mentais. Em 2008, perante o estado em que Britney se encontrava na altura, admito que a tutela poder-se-ia justificar episodicamente, para evitar burlões que se aproveitassem do seu estado débil e para preservar a sua imagem pública. Estender isto para além de um estrito número de circunstâncias, parece-me impossível de justificar.

Como então explicar que Britney Spears tenha passado os seus trintas sob o controlo total do pai? A resposta é triste, mas óbvia: dinheiro. Britney dá de comer a muita gente e financia as vidas principescas de todos os membros da sua família que, surpresa, não se opõem à tutela, embora o próprio irmão já tenha reconhecido que sabe que Britney se sente prisioneira. A tutela tornou-se num negócio muito lucrativo para todos os envolvidos, até para a própria Britney, que agora está "protegida de si mesma", e assim pode explorar todo o potencial da marca do seu nome para fazer dinheiro. Mas quererá Britney esta vida "segura", em prejuízo da sua liberdade? Parece-me óbvio que não. Não admira que os últimos temas que me lembro dela ("Toxic", "Gimme More") remontem ao seu período livre.

A liberdade para fazer disparates é um direito inalienável que nos assiste. Sem ele, não somos mais do que escravos. Podem pintar a situação como entenderem, podem pô-la num chalé na praia, ou num quarto no Four Seasons, a Britney não deixará de ser uma escrava num chalé. A família nega que Britney não tem liberdade, uma vez que, dizem eles, pode viajar (mas tem que pedir autorização) e, que sorte, não está trancada num quarto. Agora pensem, se isto é a vossa noção de liberdade. Quando se recusou a fazer uma residência em Las Vegas em 2018, Britney foi internada num hospital psiquiátrico. A justificação oficial é que ela queria estar com a família, embora não fossem conhecidos mais hóspedes da família Spears naquelas instalações.

Quando soube deste caso e do documentário que ia sair este fim-de-semana (disponível do FX e Hulu), fiquei atónito — como é que os Estados Unidos da América, terra da liberdade, permite uma coisa destas? Um caso a roçar a escravatura em pleno século XXI e em frente a toda a gente? Todo este caso é de uma surrealidade indizível. Olhando de fora, mais parece um filme distópico do tipo "Blade Runner" em que a Britney é um genóide programado para nos entreter (como a Pris, interpretada pela Daryl Hannah). Britney tornou-se na personagem de um dos seus vídeos, quando representava uma estrela Pop prisioneira da sua própria imagem (notem que eu tinha 14 anos em 1999, por isso conheço os vídeos todos da Britney da época).

Soube agora também, que em 2019 nasceu o movimento #FreeBritney a partir dos fãs, que visa o término da tutela de Britney, tendo em conta que as circunstâncias de 2008 já foram há muito ultrapassadas. Britney tentou rever a situação em tribunal, mas foi negada pelo juiz, num julgamento ridículo em que ela estava a pagar o seu advogado, o advogado da tutela, e claro, a própria tutela. Como a própria advogada da tutela admite no documentário, ela está metida num imbróglio legal do qual dificilmente vai sair.

A questão que levanto neste texto é quem afinal desencadeou este processo, em que uma mulher saudável entra num tenebroso meltdown em público, que a leva à destruição da sua vida pessoal e da sua saúde mental e mais tarde à perda da sua liberdade. A resposta, para mim, é óbvia: os paparazzi. Não imagino o que é ter um batalhão de fotógrafos a guardarem-me 24 horas por dia, a fotografarem-me à janela, quando  vou à varanda, quando vou ao supermercado, quando simplesmente não estou com paciência para ninguém. Eu tinha partido mais carros que a Britney, de certeza. E se a imprensa destruiu a vida de Britney, agora deve reparar os estragos e ajudá-la a recuperar a sua liberdade. Está por isso na hora de gritar, nas palavras imortais do Miguel Ângelo, "soltem os prisioneiros". Libertem a Britney.