A Netflix guardou o melhor do ano para o fim. "Black Mirror: Bandersnatch" é mais um triunfo monumental da melhor série do século XXI e um aperitivo do que vem aí num futuro não muito distante no mundo do entretenimento.
E se? Quem nunca se perguntou a si mesmo o que é que aconteceria se tivesse feito as coisas de outra forma? E se tivesse tomado decisões diferentes em momentos-chave da sua vida? E as pequenas decisões? Em que é que elas influenciam a nossa vida? Penso se tivesse ido à casa de banho em Heathrow 5 minutos antes e não tivesse apanhado aquele gajo que espirrou em cima de mim, estaria há uma semana de cama? E se não tivesse ido para Londres há um ano, o que seria da minha vida agora? Por que tomamos estas decisões, por vezes tão estranhas e anticlimáticas, que viram a nossa vida do avesso? Nunca sentiram que não estão no controlo do que acontece na vossa vida?
São estas tiras que compõem o espectro filosófico de "Black Mirror: Bandersnatch" — o novo episódio de Black Mirror lançado ontem na Netflix. E este só dá mesmo para ver na Netflix, aqui não há outra saída. O enredo de "Bandersnatch" é um labirinto que o próprio telespectador resolve (e em partes participa directamente), tomando as decisões de vida de Stefan Butler, um jovem programador de videojogos que, coitado, está submetido à nossa vontade, assim na Terra como no Netflix. Se é que a fronteira entre ambos não está já demasiado difusa. Esta é também uma forma efectiva de combater a pirataria, uma vez que o espectador precisa da aplicação do Netflix para poder intervir nas decisões do Stefan. Não dá para simplesmente "sacar" o episódio. Isto disseram-me, atenção.
Um pouco de contexto. Stefan é filho único, órfão de mãe e isso é um fantasma que o persegue, como ao Pac-Man (hint!). A história segue-o na missão impossível de em poucos meses adaptar o livro "Bandersnatch" a um jogo de 48k. "Bandersnatch" é uma obra de Jerome F. Davies, um "génio" que enlouqueceu e decapitou a mulher, convencido que tinha perdido o controlo sobre as suas próprias acções. Já viram onde é que isto pode vir a dar.
"Bandersnatch" suga-nos para o seu próprio universo, com uma caracterização nada menos que sublime. A série passa-se em 1984 (hint!) na cidade de Londres e conta com com múltiplas referências à cultura de então e uma pesadíssima influência da música alternativa dos anos 80 (tentem decifrar na foto em cima). E começa aqui a minha história de amor com este episódio. Londres nos anos 80 é um cenário saído de um sonho. Um sonho pintado a cinzento (como é apanágio da cidade), principalmente para o pobre Stefan.
Não é por acaso que a brutalíssima (pun intended) Trellick Tower em Notting Hill serve de cenário para uma das cenas fundamentais do enredo. Odiada pela maioria dos transeuntes, que vêem nela uma besta na skyline londrina, a torre de arquitectura brutalista tem um fascínio sombrio ímpar, que atrai magneticamente o olhar e propulsiona a imaginação sobre as histórias de amores e terrores que ali se deselançam. Quando Stefan lá vai, à casa de Colin Ritman — um bem-sucedido designer de videojogos —, este desvenda-lhe os mistérios da vida e põe em causa a realidade conforme a conhecemos, num monólogo com a banda sonora cinemática dos Tangerine Dream ("Love On A Real Train") que ajuda a definir o espectro filosófico que referi há pouco:
As pessoas pensam que só há uma realidade, mas há imensas, como raízes. O que fazemos numa timeline afecta o que acontece nos outros caminhos. O tempo é uma construção. As pessoas pensam que não se pode voltar para trás e mudar as coisas, mas podem. É isso que são os deja vus — são convites para voltar atrás e fazer escolhas diferentes. Quando tomas uma decisão, pensas que és tu a fazê-lo, mas não. É uma entidade no lado de lá que está ligado ao nosso mundo que decide o que fazemos e nós só temos que seguir o que nos é imposto.
Wait, what? Vamos voltar ao início do labirinto.
São estas tiras que compõem o espectro filosófico de "Black Mirror: Bandersnatch" — o novo episódio de Black Mirror lançado ontem na Netflix. O enredo de "Bandersnatch" é um labirinto que o próprio telespectador resolve, tomando as decisões de vida do Stefan que, coitado, está submetido à nossa vontade. A primeira vez que se percorre o labirinto de "Bandersnatch" é como uma viagem de fascínio e descoberta. Mas como todos os labirintos, também Bandersnatch tem os seus becos sem saída. Quando nos decidimos a saltar da janela, somos convidados a voltar para trás. Outra vez. Mas não há problema, porque se nesta timeline fomos de vela, noutras teremos uma chance de fazer as coisas correrem bem. Ou será que teremos?
São estas tiras que compõem o espectro filosófico de "Black Mirror: Bandersnatch" — o novo episódio de Black Mirror lançado ontem na Netflix. O enredo de "Bandersnatch" é um labirinto que o próprio telespectador resolve e é quando se volta para trás e se procuram caminhos alternativos, que a cabeça começa a andar à roda. Só aí se percebe o verdadeiro espectro deste projecto e o que é que filosoficamente implica. O episódio deixa-nos fazer uma e outra e outra iteração e aí sim, podemos pôr à prova todos os "e se?" da vida do Stefan. Todas aquelas fantasias que alimentamos nas nossas vidas, o "Crtl+Z", apagar e fazer de novo, aqui tudo é possível. Estamos no controlo. Guiamos a vida do Stefan e todas as pequenas decisões que tomamos afectam o que acontece a seguir, criando uma árvore de possibilidades imensa. Tudo depende das nossas escolhas e o Stefan, coitado, está submetido à nossa vontade, assim na Terra como no Netflix. Se é que a fronteira entre ambos não está já demasiado difusa.
Numa das iterações, é-nos dada a hipótese de explicar ao Stefan que os estamos a controlar do futuro, numa plataforma interactiva chamada Netflix, para nosso próprio entretimento. Wait, what? A série goza consigo própria, num delicioso humor self-deprecating que nos deixa a cabeça a andar à roda. A nós e ao Stefan que, compreensivelmente, fica ainda mais confuso e o seu comportamento ainda mais desviante. Mas podemos sempre corrigir as coisas e tentar que o Stefan tenha melhor sorte em mais uma iteração. Se é que isso é possível.
Como terão percebido nos parágrafos em cima, a repetição é uma figura de estilo fundamental neste episódio de Black Mirror. É uma ferramenta eficaz para a sucção para o universo de "Bandersnatch". Eu, pelo menos, ainda não consegui sair de lá. E que maravilhoso é.
Como é costume em Black Mirror (e como tanto gostamos), os easter eggs estão um pouco por todo o lado no universo de "Bandersnatch". Logo no início do episódio, somos brindados com um outdoor grafitado com um símbolo que nos é familiar do episódio "White Bear", acompanhado pela inscrição "no future". As coisas já não parecem muito optimistas aqui (noutra iteração aparece um autocarro com a inscrição "new beginning"). O símbolo de White Bear vai aparecer um várias vezes ao longo do episódio e sempre que tal acontece, sabemos a priori que boa coisa daí não vem. Quando Stefan chega aos estúdios da Tuckersoft, dá de caras com o cartaz de "Metl Hedd", numa referência ao (melhor) episódio da quarta temporada. Colin está por sua vez a trabalhar em "Nohzdyve" numa referência ao primeiro episódio da terceira temporada. Quando Stefan está à porta do consultório, ouvimos o tema dos XTC "Making Plans for Nigel", numa dica para um dos finais que podemos ter em "Bandersnatch". E por falar em dicas, a melhor é dada no início pelos Frankie Goes To Hollywood: "relax, don't do it" (e só à segunda visualização é que nos apercebemos que o Pai tranca a porta de uma certa divisão da casa). Se ao menos o Stefan ouvisse os sinais.
São estas tiras que compõem o espectro filosófico de "Black Mirror: Bandersnatch" — o novo episódio de Black Mirror lançado ontem na Netflix. O enredo de "Bandersnatch" é um labirinto que o próprio telespectador resolve, tomando as decisões de vida do Stefan que, coitado, está submetido à nossa vontade. A primeira vez que se percorre o labirinto de "Bandersnatch" é como uma viagem de fascínio e descoberta. Mas como todos os labirintos, também Bandersnatch tem os seus becos sem saída. Quando nos decidimos a saltar da janela, somos convidados a voltar para trás. Outra vez. Mas não há problema, porque se nesta timeline fomos de vela, noutras teremos uma chance de fazer as coisas correrem bem. Ou será que teremos?
São estas tiras que compõem o espectro filosófico de "Black Mirror: Bandersnatch" — o novo episódio de Black Mirror lançado ontem na Netflix. O enredo de "Bandersnatch" é um labirinto que o próprio telespectador resolve e é quando se volta para trás e se procuram caminhos alternativos, que a cabeça começa a andar à roda. Só aí se percebe o verdadeiro espectro deste projecto e o que é que filosoficamente implica. O episódio deixa-nos fazer uma e outra e outra iteração e aí sim, podemos pôr à prova todos os "e se?" da vida do Stefan. Todas aquelas fantasias que alimentamos nas nossas vidas, o "Crtl+Z", apagar e fazer de novo, aqui tudo é possível. Estamos no controlo. Guiamos a vida do Stefan e todas as pequenas decisões que tomamos afectam o que acontece a seguir, criando uma árvore de possibilidades imensa. Tudo depende das nossas escolhas e o Stefan, coitado, está submetido à nossa vontade, assim na Terra como no Netflix. Se é que a fronteira entre ambos não está já demasiado difusa.
Numa das iterações, é-nos dada a hipótese de explicar ao Stefan que os estamos a controlar do futuro, numa plataforma interactiva chamada Netflix, para nosso próprio entretimento. Wait, what? A série goza consigo própria, num delicioso humor self-deprecating que nos deixa a cabeça a andar à roda. A nós e ao Stefan que, compreensivelmente, fica ainda mais confuso e o seu comportamento ainda mais desviante. Mas podemos sempre corrigir as coisas e tentar que o Stefan tenha melhor sorte em mais uma iteração. Se é que isso é possível.
Como terão percebido nos parágrafos em cima, a repetição é uma figura de estilo fundamental neste episódio de Black Mirror. É uma ferramenta eficaz para a sucção para o universo de "Bandersnatch". Eu, pelo menos, ainda não consegui sair de lá. E que maravilhoso é.
Como é costume em Black Mirror (e como tanto gostamos), os easter eggs estão um pouco por todo o lado no universo de "Bandersnatch". Logo no início do episódio, somos brindados com um outdoor grafitado com um símbolo que nos é familiar do episódio "White Bear", acompanhado pela inscrição "no future". As coisas já não parecem muito optimistas aqui (noutra iteração aparece um autocarro com a inscrição "new beginning"). O símbolo de White Bear vai aparecer um várias vezes ao longo do episódio e sempre que tal acontece, sabemos a priori que boa coisa daí não vem. Quando Stefan chega aos estúdios da Tuckersoft, dá de caras com o cartaz de "Metl Hedd", numa referência ao (melhor) episódio da quarta temporada. Colin está por sua vez a trabalhar em "Nohzdyve" numa referência ao primeiro episódio da terceira temporada. Quando Stefan está à porta do consultório, ouvimos o tema dos XTC "Making Plans for Nigel", numa dica para um dos finais que podemos ter em "Bandersnatch". E por falar em dicas, a melhor é dada no início pelos Frankie Goes To Hollywood: "relax, don't do it" (e só à segunda visualização é que nos apercebemos que o Pai tranca a porta de uma certa divisão da casa). Se ao menos o Stefan ouvisse os sinais.
Para mim, não há dúvidas: o melhor do ano ficou guardado para o fim. "Black Mirror: Bandersnatch" é mais um triunfo monumental da melhor série do século XXI e um aperitivo do que vem aí num futuro não muito distante. Como o Black Mirror sempre fez, aliás. A única questão é saber se "Bandersnatch" é o melhor episódio do ano, o melhor filme do ano, ou whatever the fuck it is, porque acho que não há ainda uma categoria para isto. Um maravilhoso mindfuck.
P.S.: Se como eu, não quiserem sair do maravilhoso universo de "Black Mirror: Bandersnatch", deixem-se submergir pela banda sonora deste episódio.
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