Crónica da noite em que renovei os votos de amor eterno pelo nosso miúdo
"Liam is the angriest man you'll ever meet. He's like a man with a fork in a world of soup." — Há dez anos era assim que Noel Gallagher descrevia o seu mano mais novo. Mas se o Noel privasse com o "nosso miúdo" ("RKid" — uma alcunha carinhosa mancuniana) nos dias de hoje, duvido que o pintasse da mesma maneira. Muita coisa aconteceu na última década e Liam é hoje um homem diferente. Quer dizer, Liam Gallagher continua a ser o Liam Gallagher. Continua a emanar aquele poder, paixão e pureza sem paralelo, sempre que inclina a cabeça para trás e se posiciona estático por baixo do microfone, a puxar por aquela voz meia Lennoniana, meia Lydoniana, numa imagem que nos tranca o olhar e nos faz sonhar com vidas melhores do que a que vivemos. Isso está igual. Mas Liam está diferente, também.
A diferença, diria, está na gratidão. Liam esteve dois anos no charco. Perdeu o amor da sua vida (os Oasis), perdeu o seu outro grande amor (Nicole Appleton) e pior, perdeu o amor próprio. Aquela auto-confiança "up in the sky" que injectou em milhões de miúdos (em mim, por exemplo) a quem convenceu que podiam ser tudo o que quisessem na puta da vida, que podiam concretizar os seus sonhos e que podiam ser Rock 'n' Roll stars se assim o sonhassem, essa arrogância desvaneceu-se. Lembro-me de o tentar animar no Twitter, dizendo-lhe que o mundo precisava dele e que estávamos todos cheios de saudades.
Liam foi ao inferno e voltou. E nesse processo de recauchutagem espiritual, percebeu que não fazia sentido estar tão zangado com o mundo; que devia estar grato pela vida que levou e por tudo o que conseguiu; que devia estar grato pelos que o amavam e que não são assim tão poucos. E decidiu espetar o seu coração uma última vez no mastro e hasteá-lo bem alto, num disco com o nome de "As You Were", onde confessou que "for what it's worth I'm sorry for the hurt, I'll be the first to say I made my own mistakes".
"As You Were" foi um mega-sucesso. O álbum foi lançado há quase um ano e ainda hoje figura nas tabelas, mas o sucesso não veio de borla. Liam foi obrigado a começar do zero e durante dois anos correu todas as capelinhas a espalhar a boa-nova: estava de volta e queria reclamar de volta o que era dele. O trono de maior Rock 'n' Roll star.
Depois de percorrer uma longa via sacra, a hora da redenção chegou. Foi na sexta-feira passada, num concerto esgotadíssimo no Finsbury Park, onde foi coroado perante os seus fiéis (que se apresentaram nas dezenas de milhar) como eterna Rock 'n' Roll Star.
Liam estava nas nuvens. Sabia da importância deste concerto e preparou-se devidamente para o evento. A voz estava impecável e para juntar à sua banda habitual, Liam trouxe trompetes e violoncelos para "Whatever" e "Wonderwall" e também trouxe Bonehead, um lad de Manchester com quem fundou os Oasis e que eu imagino que tenha vindo de autocarro do Norte numa viagem do tipo Trainspotting, porque o avião é muito caro e a vida em Manchester é dura.
O público também percebeu a solenidade do evento. Mas da forma britânica que tem de o fazer. Com cânticos de "football's coming home" entre temas, mosh pits em que o tronco nu é mandatory e gajos todos nus a fazerem crowdsurfing. Eu próprio só não o fiz porque não podia perder as chaves de casa. De facto, era difícil conter o entusiasmo.
Não é segredo para ninguém que me costume ler, a minha adoração pelo nosso miúdo. Depois de o ter visto triunfar Finsbury Park, de me ter enchido o coração de poder, paixão e pureza, tal como quando eu tinha 15 anos, os meus votos de amor eterno foram renovados. Que saudades que eu tinha do nosso miúdo.
Liam agradeceu o apoio do público por ter comprado o seu disco e ainda acrescentou que "if you got yourself into some shit and you had a record coming out, I would go out and buy it too, you know?". Não duvido Ao contrário da percepção de muitos, Liam tem um coração enorme. Impossível não amar o nosso miúdo.
Para celebrar a noite de glória de Liam Gallagher, não podem deixar de ouvir o episódio desta semana de London Calling, apropriadamente baptizado de "Mad Fer It".
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