quinta-feira, 12 de julho de 2018

Uma tarde no parque com os tios Clapton e Zucchero

O Slowhand foi ao Hyde Park, mas esqueceu-se dos hits em casa

Com a Princesa Diana e Príncipe Carlos na audiência da Wembley Arena, Eric Clapton tocou em 1987 no concerto de beneficiência Prince's Trust, onde fez parte da banda residente e cantou o seu single da época "Behind The Mask". Foi este o meu primeiro contacto com Eric, bem como como toda com a constelação que figurava em palco naquela noite: Phil Collins na bateria, Elton John no piano, Bryan Adams na guitarra, Ray Cooper na percussão, Mark King no baixo e uma certa dupla que tocou no fim da noite - introduzida por Elton como "dois homens sem os quais nenhum de nós estaria aqui hoje" - nem mais nem menos George Harrison e Ringo Starr, que eu mais tarde aprenderia que faziam parte de uma banda chamada Beatles.



Este concerto estava numa cassete em double feature com o "Live At Wembley" dos Queen, por isso sempre que rebobinava a cassete (those were times!) para ver o Freddie Mercury, levava outra vez com Eric e companhia. Estes eram os dias do imaginário infinito de uma criança, quando todo o universo está ao nosso alcance. Cresci com este grupo de músicos que via diariamente, por isso era como se fossem da minha família. Sentia uma proximidade inusitada com eles, como se daquele tio que mora ao fundo da rua se tratasse.

Os anos passaram e eu fui apanhando cada um dos meus tios em concertos; com excepção do George e do Ringo, só me faltava ver o Eric. Foi por isso com justificado entusiasmo que fui ao Hyde Park no passado domingo para ver o tio Eric, num evento completamente esgotado.

A setlist foi carregada de números de Blues e demasiado leve nos (muitos) êxitos e malhas que Eric Clapton acumulou ao longo da sua longa carreira. Nada contra o Blues, obviamente; mas quando se está perante 60 mil pessoas cheias de calor e sedentas de animação, não é o melhor programa de festas. Até o clássico "Layla" foi reduzido à sua versão acústica, celebrizada no álbum "Unplugged" de 1992. Foi aliás apenas neste set acústico que Eric sacou de hits como "Tears In Heaven". Clapton tocou:

01. Somebody's Knockin'
02. Key To The Highway
03. Hoochie Coochie Man
04. Got To Get Better In A Little While
05. Driftin‘
06. Nobody Knows You When You're Down And Out
07. Layla
08. Tears In Heaven
09. Lay Down Sally (com Marcy Levy)
10. The Core (com Marcy Levy)
11. Wonderful Tonight
12. Crossroads
13. LIttle Queen Of Spades
14. Cocaine
15. High Time We Went (com Carlos Santana)

Valeu a aparição de Santana no encore para o classico "High Time We Went".

No polo oposto esteve Zucchero, a grande surpresa da tarde. A fechar o palco secundário, o italiano mostrou como se trata uma audiência debaixo de 30 graus centígrados: com hits em barda. "Il Volo", "Misrere", "Baila", "Senza Una Dona", foi um vê se te avias neste set de all-in de Zucchero. No meio de uma audiência pejada de emigrantes italianos, foi a loucura total. Sai do palco secundário de coração cheio. Convenhamos que era difícil Eric igualar aquele nível de adrenalina.



Eric esteve em grande forma na guitarra. Foi um alívio para quem o viu no ano passado numa cadeira de rodas no LAX. Os relatos de que estava acabado foram largamente exagerados. Mas se a sua técnica continua apurada, já a escolha do repertório não foi a mais feliz para uma tarde de enorme calor no parque. Foi pena. Ainda assim, fiquei feliz de ver o tio Eric a divertir-se, ainda que ele tenha sido provavelmente o único a fazê-lo.

Clapton levou uma vida singular, uma que eu ao mesmo tempo invejo e (tento) evitar, de tanto drama que carrega. Toda a novela da vida de Eric Clapton no London Calling desta semana na NiTfm, num programa (apropriadamente baptizado de "Clapton is God") que não podem de maneira nenhuma perder.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

A noite de coroação de Liam Gallagher, eterna Rock 'n' Roll Star

Crónica da noite em que renovei os votos de amor eterno pelo nosso miúdo

"Liam is the angriest man you'll ever meet. He's like a man with a fork in a world of soup." — Há dez anos era assim que Noel Gallagher descrevia o seu mano mais novo. Mas se o Noel privasse com o "nosso miúdo" ("RKid" — uma alcunha carinhosa mancuniana) nos dias de hoje, duvido que o pintasse da mesma maneira. Muita coisa aconteceu na última década e Liam é hoje um homem diferente. Quer dizer, Liam Gallagher continua a ser o Liam Gallagher. Continua a emanar aquele poder, paixão e pureza sem paralelo, sempre que inclina a cabeça para trás e se posiciona estático por baixo do microfone, a puxar por aquela voz meia Lennoniana, meia Lydoniana, numa imagem que nos tranca o olhar e nos faz sonhar com vidas melhores do que a que vivemos. Isso está igual. Mas Liam está diferente, também.

A diferença, diria, está na gratidão. Liam esteve dois anos no charco. Perdeu o amor da sua vida (os Oasis), perdeu o seu outro grande amor (Nicole Appleton) e pior, perdeu o amor próprio. Aquela auto-confiança "up in the sky" que injectou em milhões de miúdos (em mim, por exemplo) a quem convenceu que podiam ser tudo o que quisessem na puta da vida, que podiam concretizar os seus sonhos e que podiam ser Rock 'n' Roll stars se assim o sonhassem, essa arrogância desvaneceu-se. Lembro-me de o tentar animar no Twitter, dizendo-lhe que o mundo precisava dele e que estávamos todos cheios de saudades.



Liam foi ao inferno e voltou. E nesse processo de recauchutagem espiritual, percebeu que não fazia sentido estar tão zangado com o mundo; que devia estar grato pela vida que levou e por tudo o que conseguiu; que devia estar grato pelos que o amavam e que não são assim tão poucos. E decidiu espetar o seu coração uma última vez no mastro e hasteá-lo bem alto, num disco com o nome de "As You Were", onde confessou que "for what it's worth I'm sorry for the hurt, I'll be the first to say I made my own mistakes".

"As You Were" foi um mega-sucesso. O álbum foi lançado há quase um ano e ainda hoje figura nas tabelas, mas o sucesso não veio de borla. Liam foi obrigado a começar do zero e durante dois anos correu todas as capelinhas a espalhar a boa-nova: estava de volta e queria reclamar de volta o que era dele. O trono de maior Rock 'n' Roll star.

Depois de percorrer uma longa via sacra, a hora da redenção chegou. Foi na sexta-feira passada, num concerto esgotadíssimo no Finsbury Park, onde foi coroado perante os seus fiéis (que se apresentaram nas dezenas de milhar) como eterna Rock 'n' Roll Star.



Liam estava nas nuvens. Sabia da importância deste concerto e preparou-se devidamente para o evento. A voz estava impecável e para juntar à sua banda habitual, Liam trouxe trompetes e violoncelos para "Whatever" e "Wonderwall" e também trouxe Bonehead, um lad de Manchester com quem fundou os Oasis e que eu imagino que tenha vindo de autocarro do Norte numa viagem do tipo Trainspotting, porque o avião é muito caro e a vida em Manchester é dura.

O público também percebeu a solenidade do evento. Mas da forma britânica que tem de o fazer. Com cânticos de "football's coming home" entre temas, mosh pits em que o tronco nu é mandatory e gajos todos nus a fazerem crowdsurfing. Eu próprio só não o fiz porque não podia perder as chaves de casa. De facto, era difícil conter o entusiasmo.

Não é segredo para ninguém que me costume ler, a minha adoração pelo nosso miúdo. Depois de o ter visto triunfar Finsbury Park, de me ter enchido o coração de poder, paixão e pureza, tal como quando eu tinha 15 anos, os meus votos de amor eterno foram renovados. Que saudades que eu tinha do nosso miúdo.

Liam agradeceu o apoio do público por ter comprado o seu disco e ainda acrescentou que "if you got yourself into some shit and you had a record coming out, I would go out and buy it too, you know?". Não duvido Ao contrário da percepção de muitos, Liam tem um coração enorme. Impossível não amar o nosso miúdo.

Para celebrar a noite de glória de Liam Gallagher, não podem deixar de ouvir o episódio desta semana de London Calling, apropriadamente baptizado de "Mad Fer It".