A história de como um engenheiro civil emigrado em Londres foi parar à NiTfm. Well, some of it was true.
Tudo começou num acidente de automóvel. Estava a caminho do trabalho, na primeira manhã depois das piores férias de Verão da minha vida e não sei o que me passou pela cabeça, mas escolhi ir por uma estrada por onde nunca tinha passado naquela manhã — resoluções de primeiro dia de escola, talvez. Andava zangado com a vida e descarregava as frustrações de um Verão maldito no pedal do acelerador, enquanto na minha cabeça passavam em loop filmes de amores falhados e histórias mal resolvidas.
Desligado da estrada, vejo o carro à minha frente travar bruscamente. Ou pior, não vi. Não vi coisíssima nenhuma. Bati a 80 km/h na traseira de uma carrinha Ford e as luzes foram abaixo. No rádio tocava um cover de Noel Gallagher de "There Is a Light That Never Goes Out". Como em tantas outras ocasiões, a canção perfeita a fazer de banda sonora a um momento-chave da minha vida.
Devo ter estado out apenas uns segundos, mas quando acordei, parecia que tinha despertado de um sono profundo. Ouvia tudo à minha volta como se tivesse mergulhado numa piscina até ao fundo, com um piiiiii contínuo que me nauseava. Olho para a frente e vejo o vidro da frente partido em mil pedacinhos. Não havia dúvidas, aquilo estava mesmo a acontecer. Os airbags também tinham rebentado e um overwhelming cheiro a queimado enchia-me os pulmões. O meu primeiro instinto foi pensar que o carro ia explodir, qual filme do James Bond. Sem mais, abri a porta do carro e imediatamente atirei-me à Pierce Brosnan para o meio da estrada, que é como quem diz, para a faixa contrária, onde o trânsito continuava a fluir, surpreendentemente oblívio ao acidente ao lado.
Olho para cima e vejo o condutor da carrinha onde batera a vir furioso na minha direcção. Quando se apercebe da minha desorientação, espojado ali no meio da estrada, ele baixa a forquilha que trazia e procura ajudar-me a levantar. Conta que me viu vir contra ele a toda a velocidade e que por isso levantou o pé do travão, evitando males maiores para os dois. Ainda bem. Eu vejo que tem uma cadeirinha no banco de trás e ele diz-me que por sorte tinha acabado de deixar o filho no infantário. Menos mau.
No hospital dizem-me que só parti um dedo na mão esquerda, reduzindo o número de dedos utilizáveis para três. Lá ia à vida o sonho de aprender a tocar guitarra. Feito idiota, volto ao trabalho logo a seguir e verifico que estupidifiquei. Fico a olhar à Syd Barrett para o monitor do PC durante o resto do dia e chego a casa assustadíssimo. O que raio fui eu fazer?! Naquele momento, percebi que alguma coisa tinha que mudar a minha vida.
2012 fora um ano mau a nível sentimental. Porém, o Rock in Rio desse ano trouxe uma reconciliação inesperada com uma história mal resolvida do passado e parecia dar uma nova esperança ao Verão. Pensando nisto, afinal tudo começou num concerto. Não fosse aquele maravilhoso concerto do Bruce Springsteen no Rock In Rio e não estaria aqui a escrever-vos hoje. A música do Bruce capitalizou o momento do reencontro e reacendeu uma paixão que julgava morta. A música, sempre a música.
O Verão prometia, mas tudo correu mal. Na véspera de umas férias que eu marcara para os dois e para um casal amigo dela, acabámos sem que eu percebesse porquê. Como já tinha pago o apartamento — duas semanas num duplex ao pé da praia — lá fui eu, sozinho, para uma casa enorme, a fazer as férias que eram para dois (ou quatro). Não é preciso ser o Paulo Cardoso para adivinhar que não ia correr muito bem. De facto, foram as férias mais deprimentes de sempre. Pelo menos descobri a minha banda sonora perfeita — qual Neil Young em "On The Beach", sentia-me um cenário idílico, rodeado de gente, mas mais sozinho que nunca.
O meu quotidiano nesta altura podia ser resumido em três passos: durante a semana, trabalhava como com um condenado como engenheiro civil; sexta-feira saía à noite e bebia até cair; e ao fim-de-semana, ressacava a noite de sexta, com sessões contínuas de cinema europeu, que andava a descobrir na altura. Ao mesmo tempo que este filme corria em loop todas as semanas, somava uma miríade de relações falhadas que não me traziam qualquer felicidade. O acidente de automóvel foi por isso o clique que me fez perceber que alguma coisa tinha que mudar na minha vida. Tinha que procurar algo meaningful, que lhe desse outro sentido aos meus dias para além daquela rotina auto-destrutiva.
Foi aí que decidi ir em busca de um sonho antigo — o sonho da rádio. Ganhei coragem e inscrevi-me num curso pós-laboral. Era um passo de gigante que ia rasgar de alto a baixo a minha rotina e duplicar o trabalho que tinha para fazer diariamente. A revolução na minha vida foi total. Sem saber, dei início a um dominó de eventos, que 6 anos mais tarde iria resultar na NiTfm. Mas já lá vamos.
O curso de rádio marcou o início de um período renascentista para mim. Estava apaixonado pela rádio e a paixão parecia ser retribuída. Dediquei-me ao curso e tudo corria às mil maravilhas, ou pelo menos era o que eu achava. Eu, toda a turma (onde fiz amizades que duram até hoje) e todos os professores. Todos menos um, entenda-se — o director do curso. Por alguma razão, o homem embirrou comigo e a tensão escalou de tal forma, que na última semana de aulas, quando fiz uns sketches de comédia para uma cadeira de criatividade, ele avaliou-me perante toda a turma de forma contundente: "Nuno, na vida há pessoas que têm piada e há pessoas que não têm. Tu não tens piada e nunca vais ter. Quanto mais depressa te convenceres disso, melhor para ti e para todos.". Lembro que isto foi dito para toda a turma ouvir. Podia ter saído derrotado da sala, mas em vez disso jurei a mim mesmo que ia provar ao homem que ele estava enganado, nem que fosse para lhe esfregar na puta da cara. E terminei o curso tomado por um novo objectivo.
O passo seguinte era procurar as ferramentas para concretizar este novo objectivo. Inscrevi-me por isso num curso de Stand Up Comedy. Foi aqui que conheci o Jaime Martins Alberto, na altura editor da revista Sábado, com quem comecei a ter longas conversas sobre, pois claro, música. Falei-lhe de um blog que escrevia há já vários anos (o Escolha Musical Do Dia) e mantivemos contacto. Entretanto, o curso termina e eu começo a fazer Stand Up ao vivo. O primeiro espectáculo foi logo para um Teatro Villaret à pinha. Estava nervosíssimo, mas a minha actuação foi um enorme sucesso. Percorri os bares na zona de Lisboa nos meses seguintes, onde aprendi que não há nada mais difícil que lidar com uma audiência ao vivo. Tive uma curta carreira de um ano, com altos e baixos. Depois de uma gloriosa noite em Alverca, em que tudo correu bem, decidi que o Stand Up acabava ali. Estava já cumprido o meu objectivo. In your face, headmaster.
Os meses passaram-se e a vida seguiu normalmente. No Verão de 2014, do nada recebo uma chamada do Jaime. Tinha saído da Sábado para criar um novo e entusiasmante projecto — a NiT, New In Town — e queria que eu escrevesse uma coluna semanal sobre música. Coloquei-lhe a condição única de ter liberdade total para escrever o que quisesse e quando ele concordou, eu aceitei sem pestanejar. E é assim que desde setembro de 2014 escrevo todas as semana na NiT, numa coluna que é o meu orgulho. Mas ainda faltava mais qualquer coisa.
Fast-forward para março de 2016 e o mundo do Rock é abalado com a notícia que os AC/DC dispensaram os serviços de Brian Johnson e foram buscar para o seu lugar Axl Rose. Enquanto a imprensa cai com estrondo e unanimidade sobre Angus Young pela escolha polémica, eu escrevo um artigo na NiT a defender o casamento dos Axl/DC. Algures em Cascais, no estúdio de uma rádio local — a 105.4 —, estava o Rui Barros, fã dos Guns N' Roses e radialista de paixão, que lê o artigo e entra em contacto comigo para me dar os parabéns. Nem a propósito. Como é óbvio, aproveitei logo a deixa: "obrigado e já que estamos a falar, quero ter um programa na tua rádio". O Rui Barros anuiu, mas o programa nunca se concretizou (o que se concretizou mesmo foram as minhas previsões em como o Axl ia dar conta do recado com os AC/DC).
Mais um ano se passou e em 2017 o tio Axl volta a Portugal, agora com os Guns N' Roses. Tempo por isso para relembrar o Rui Barros que havia um programa de rádio para fazer. A resposta dele foi menos positiva desta vez — ele estava de saída da 105.4 e procurava um novo projecto novo. Não eram boas notícias.
Foi aí que surgiu a ideia: se eu escrevia para a NiT, por que não casar os dois sonhos num só? O sonho da escrita e o sonho da rádio. Falei com o Jaime sobre a ideia e três reuniões depois, nasceu o projecto da NiTfm.
Só havia um problema. Eu estava prestes a mudar-me para Londres. Logo agora que estava prestes a conseguir o que há tanto tempo perseguia. Mas em 2018, uma mudança para Londres não pode ser um problema para a rádio, ou não fosse uma das suas muitas maravilhas, precisamente o poder de cortar distâncias. Foi assim que surgiu o conceito do meu programa — London Calling. Uma chamada semanal de Londres para Portugal e (como diria o Jaime), uma vez que a NiTfm é emitida em formato digital, para todo o Mundo. Todas as Quartas-Feiras às 22h na NiTfm, em simultâneo com a crónica na NiT.
Não pode haver aqui meias palavras. Este é um sonho que se concretiza. I said please please please and got what I wanted. This is big. And it's happening. Por muito que eu fale em histórias dramáticas e mal resolvidas, esta tem um final feliz. Aliás, não é final nenhum. É muito melhor que isso — é um novo e entusiasmante início. The dream is fucking real. Vamos a isso.