A história do melhor tema de James Bond que nunca o foi.
Um dos maiores elogios que recebi em toda a minha vida foi de uma paixão que durou apenas 3 dias em Londres. Há amores que são assim — só existem numa determinada janela de espaço e tempo. Passadas as portas da Martini na Portela, o turbilhão desvaneceu tão rapidamente como aparecera; mas naquelas 72 horas, parecia que não havia mais nada do mundo. Era toda a música no mundo, todas as cores e todos os sonhos ao mesmo tempo, condensados numa só tempestade adamastora que lavrava tudo à sua passagem.
Encostados ao muro junto ao rio, a olhar para a Tower Bridge depois de um beijo apaixonado, ela virou-se para mim com um olhar encantado e disse-me que o que mais a impressionava em mim é que eu parecia não ter medo de nada. Sem perceber a tragédia do verdadeiro alcance das suas palavras, sorri e por um momento, senti-me o James Bond.
Toda a minha vida fantasiei com duas coisas: ser uma estrela de Rock n Roll e o James Bond. Por isso senti as palavras dela foram como um enorme elogio, mas nem por isso tirei quaisquer dividendos deste destemor. A verdade é que o medo não é mais que uma consequência das experiências negativas. É um sinal de inteligência emocional. Esta minha estúpida falta de medo deve-se ao facto de ter sido abençoado com a maldição de não aprender com as experiências anteriores e por isso não ter medo de cair nos mesmos erros uma e outra vez. Talvez por isso tenha sempre sentido esta atracção irresistível pelo abismo, pelo erro iminente. E como tal, não tenho medo de nada.
Man-o-war is very melodramatic. Too melodramatic. When we started out, it was just a homage to Bond themes really. I like it. It's pretty much the opposite to everything we're writing."
Os Radiohead escreveram "Man Of War" nos anos 90, por alturas do álbum "The Bends", como uma homenagem aos Bond themes, na expectativa de um dia a EoN (produtora dos filmes do James Bond) ligar à banda com o convite — no documentário "Meeting People Is Easy", podemos ver a banda em estúdio a gravar o tema. O telefone nunca tocou e "Man Of War" ficou na gaveta durante 20 anos, até ao ano passado, quando finalmente viu a luz do dia na reedição de "OK Computer".
A chamada da EoN chegaria finalmente em 2015 e, mel para os Radiohead, eles tinham exactamente o que a EoN. Só que perversamente, a EoN não quis "Man Of War", por ser um tema antigo. Como tal, os Radiohead gravaram "Spectre", o qual foi igualmente rejeitado por ser demasiado sombrio. Em última instância foi chamado Sam Smith, que acabaria por editar o deveras underwhelming "Writing On The Wall", tema competente mas desprovido de alma.
Na verdade, "Man Of War" talvez fosse demasiado complexo para o retrato que a EON quer fazer do James Bond nos seus filmes. Na visão original de Ian Fleming, James Bond é um assassino. Plain and simple. É um homem com mais morte e menos swing que a série de filmes quer fazer crer. Mas acima de tudo, é um homem. Um homem igual aos outros, com medos, desejos e anseios. A morte dos outros é a forma que Bond encontrou para compensar a sua própria morte interior. E é assim que os Radiohead se atrevem a caracterizá-lo.
"Drunken confessions and hijacked affairs just make you more alone"
O que mais me fascina na personagem do James Bond é o que estará por trás do homem infalível que vemos no ecrã. Nas cenas nunca mostradas, quando a câmara desliga e a missão está descomprometida, de certeza que detrás de todas aquelas conquistas há um homem que bebe uns copos a mais e conta os seus segredos a pessoas que conhece há tempo de menos para os saberem; que pega no carro bezano e conduz sem medo pelas curvas de Monte Carlo, em busca de respostas para os seus tormentos; que vai para Londres em busca das cores e encontra cinzento; que anseia pelo momento em que chega a miúda que lhe diz "és a minha Rock 'n' Roll Star".
"Man Of War" retrata este herói solitário e perturbado, um homem sozinho que vive com o peso d'"a missão" nos seus ombros. É o melhor tema de James Bond que nunca o foi. A recusa da EoN faz com que "Man Of War" deixe de ser necessariamente sobre Bond e passe a ser sobre quem quer que viva oblívio do medo e do perigo que espreita a cada esquina. Até finalmente perceber que Londres não tem finais felizes.
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