sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O que é uma música de verão?

"Despacito" é apenas a mais recente das ervas daninhas que germinam todos os anos por esta altura. Mas há esperança.



O que é uma música de verão? É difícil definir. Será o "Despacito" — a praga de que não conseguimos fugir este ano —, ou será o "Loud Places" do Jamie XX, que paulatinamente bateu todas as festas do verão passado sem incomodar ninguém? Deverá falar sobre os fugazes amores de verão como o "Baile de Verão" do José Malhoa, ou como o "Babe I'm Gonna Leave You" dos Led Zeppelin? E por falar em Rock, deverá a música de verão ser como o Rockzinho da praia do Jack Johnson, ou como o Rockzão do deserto dos Queens Of The Stone Age? Eles até escreveram uma modinha para o efeito, adequadamente baptizada de "Feel Good Hit Of The Summer". Bons vibes e tal.

A "nossa" música de verão não é mais que a soma do que queremos ouvir (quando podemos escolher) e do que escolhem para nós quando estamos em locais públicos. O pior é que o que escolhem para nós é quase invariavelmente merda. Já todos passámos por aquele sentimento de terror e impotência — sentados numa esplanada fora da redoma da nossa música, com os ouvidos susceptíveis a qualquer mórbido hit de verão que já sabemos que vai passar dez vezes e não mais sair da cabeça o resto do dia.

Este ano temos que levar com o Luis Fonsi, mas o "Despacito" é apenas a mais recente espécie de uma longa linhagem de ervas daninhas que germinam todos os anos por esta altura. São temas virais que invadem rádios, programas de televisão, festas populares e, Freddie me livre, qualquer sítio no meio do nada onde haja uma coluna e um leitor de CD, cassetes ou — obrigado, tecnologia — um telemóvel com Bluetooth.

No início custava-me a perceber de onde vinham estas canções bizarras; e mais que isso, por que raio tinham tanto sucesso. Lembro-me de ter 9 anos e pensar como é que o "Scatman (Ski-Ba-Bop-Ba-Dop-Bop)" era o maior hit de verão em todo o mundo. Como era possível?! Ao mesmo tempo, tínhamos por cá o Iran Costa a dançar em cima das Amoreiras e a conduzir um cacilheiro (?!) com a coreografia d'"O Bicho". Estávamos em 1995 e o Big Show SIC estabelecia as tendências musicais em Portugal (eu sei, tão trágico que parece mentira). Em 1998, o Ediberto Lima trouxe-nos o Netinho com a "Milla" e as "mil e uma noites de amor com você" e aí percebi logo que estava a ouvir o "hit de verão". Não havia muito para perceber. Era tentar levar uma vida normal, evitando ao máximo ouvir o tema, o que com sorte resultava num total de apenas quinze a vinte audições diárias da "Milla".

O que é então um hit de verão? É um fenómeno sociológico (quase sempre) acidental, alimentado pelos media e por milhões de pessoas que numa situação normal não abdicam das suas noções de postura social, mas que quando ouvem o hit de verão vigente mandam tudo ao ar e não se importam de cantar assertivamente versos impronunciáveis — "Aserejé" (2002), "Dragostea Din Tei" (2003), "Gangnam Style" (2012) — e fazer as coreografias mais ridículas — "O Bicho" (1995), "Macarena" (1996), "Bomba" (2000), "Aserejé" (2002), "Ai Se Eu Te Pego" (2011), "Gangnam Style" (2012) — em frente a toda a gente que conhecem e não conhecem. Não que eu seja diferente. At one time or another, também fiz estas coreografias todas em público. É o que faz beber whiskey com muito calor.

Todos os anos há uma praga deste género. Felizmente a maior parte delas desaparece tão rapidamente como germinou, mas outras ficam para nos atormentar para sempre. Vejam a Rihanna, para quem o verão de 2007 ainda dura até hoje à custa do "Umbrella"; ou os Black Eyed Peas, cujo verão durou 6 penosos anos (entre 2003 e 2009), mas que ainda hoje leva pessoas a procurarem objectos pontiagudos para perfurar os ouvidos sempre que começa a tocar o "I Gotta Feeling". Eu, por exemplo. Mas já chega de pragas, que acho que tive um mini-AVC a recordar isto. Ouçam por vossa própria conta e risco, se tiverem coragem.

Música de verão, todos temos a nossa. A minha (a que ouço quando posso escolher) pode ser muita coisa: a Electronica Downtempo dos Air e dos Zero 7 para ouvir ao final da tarde; o Rock acelerado dos Deep Purple e dos Guns N' Roses para conduzir à hora de maior calor; o Rock mais pesado dos Led Zeppelin e dos Scorpions para as noites quentes; a Americana dos Eagles e do Tom Petty para longas roadtrips; a New Wave dos Tears For Fears e dos Duran Duran para deixar o vento da marginal bater na cara. E por falar em Duran Duran, é deles a melhor música de verão de sempre — "Save A Prayer" — ou não tivesse o verso que melhor define a proverbial noite de verão: "Some people call it a one-night-stand but we can call it paradise". Essa e outras nesta playlist de risco mais controlado:

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