Uma reflexão sobre a nova forma de censura socialmente aceite
Na semana passada, o Spotify eliminou uma série de bandas identificadas como "racistas" e de "incentivo ao ódio" pelo Southern Poverty Law Center (organização americana que monitoriza os grupos de ódio). Enquanto alguma imprensa musical se apressou a aplaudir a decisão, eu não tenho a certeza que a censura seja o melhor caminho para combater os nazis. Nem que seja por abrir um precedente muito perigoso.
Na cena final do "Inglorious Basterds" de Tarantino, o Tenente Aldo "The Apache" Raine (o Brad Pitt) explica ao Coronel Hans Landa (Christoph Waltz) do exército nazi que não o pode deixar ir embora sem lhe "dar uma coisa que ele não pode tirar". O Tenente americano gostava de identificar os nazis que prendia cravando-lhes à faca uma suástica na testa, de modo a que eles nunca pudessem esconder quem tinham servido (eu teria escolhido usar o uniforme). Se alguma coisa se pode aprender com o "Apache" é que o caminho para a derrota dos nazis não se faz escondendo os nazis. Pelo contrário. Faz-se expondo-os ao absurdo que eles defendem. Porque nem eles gostam de ser conhecidos como nazis.
Veja-se o caso do estudante universitário que andou pelas marchas de Charlottesville e em poucos dias viu a sua cara publicada por toda a internet e como tal agora diz que "não é o racista que vêem nas fotos". Talvez não seja. Mas de certeza que é um miúdo muito confuso.
Melhor ainda é o caso do "temível" protagonista da (excelente) reportagem da Vice sobre Charlottesville, que no dia da marcha era uma máquina de guerra "treinada para a violência", mas dias mais tarde chorava como uma Madalena arrependida e afinal já não era violento. Como vêem, estes gajos só precisam de educação, um pouco de realidade e talvez um abraço do Morgan Freeman. Alguém que lhes explique, por exemplo, que a música que eles ouvem foi muito provavelmente criada por indivíduos de raça negra.
O assunto da censura musical é mais complexo do que pode parecer e merece uma reflexão fria e cuidada; nem que seja pelo paradoxo da liberdade que implica a censura de uma peça de arte, por muito obscena que seja. É que tirando os meus tímpanos (e de todos os que gostam do volume no máximo), a música nunca matou ninguém. Pode moldar erradamente cabeças mais incautas, é verdade, mas esse é um problema que se resolve com educação. Vou ligar o caps lock: EDUCAÇÃO. Não é por acaso que estes movimentos tendem a surgir nos sectores mais iletrados (sendo o universitário mencionado em cima uma óbvia excepção, com a atenuante da idade e de provavelmente só ter visto brancos em toda a sua vida) e portanto mais susceptíveis ao populismo e a ideologias de ódio com fundações instáveis.
Quando foi reeditado o "Mein Kampf" — livro onde Adolf Hitler expressou a sua ideologia — também surgiu esta discussão. Contra algumas correntes a favor da censura, o livro foi mesmo editado e faz-me confusão ver os mesmos que estiveram do lado da publicação do livro, em nome da liberdade, agora defenderem a censura de música. Qual o sentido disto? É porque se pensava que o nazismo já tinha passado? Agora que está aqui outra vez, vamos à Fnac fazer uma queima de livros?Veja-se o caso do estudante universitário que andou pelas marchas de Charlottesville e em poucos dias viu a sua cara publicada por toda a internet e como tal agora diz que "não é o racista que vêem nas fotos". Talvez não seja. Mas de certeza que é um miúdo muito confuso.
Melhor ainda é o caso do "temível" protagonista da (excelente) reportagem da Vice sobre Charlottesville, que no dia da marcha era uma máquina de guerra "treinada para a violência", mas dias mais tarde chorava como uma Madalena arrependida e afinal já não era violento. Como vêem, estes gajos só precisam de educação, um pouco de realidade e talvez um abraço do Morgan Freeman. Alguém que lhes explique, por exemplo, que a música que eles ouvem foi muito provavelmente criada por indivíduos de raça negra.
O assunto da censura musical é mais complexo do que pode parecer e merece uma reflexão fria e cuidada; nem que seja pelo paradoxo da liberdade que implica a censura de uma peça de arte, por muito obscena que seja. É que tirando os meus tímpanos (e de todos os que gostam do volume no máximo), a música nunca matou ninguém. Pode moldar erradamente cabeças mais incautas, é verdade, mas esse é um problema que se resolve com educação. Vou ligar o caps lock: EDUCAÇÃO. Não é por acaso que estes movimentos tendem a surgir nos sectores mais iletrados (sendo o universitário mencionado em cima uma óbvia excepção, com a atenuante da idade e de provavelmente só ter visto brancos em toda a sua vida) e portanto mais susceptíveis ao populismo e a ideologias de ódio com fundações instáveis.
É um caminho perigoso, este que estamos a trilhar. Onde é que se traça a linha do aceitável? Vamos eliminar os Ace Of Base, cujo passado tem ligações nazis? E o "Station To Station" do David Bowie? Aquele Thin White Duke era um fascista, não enganava. E já que estamos com o machado na mão, podemos mandar abaixo a maioria da música punk, que incita à anarquia e à revolta contra o sistema? E o metal? Isso é só violência, era mandá-los de vela também. E por falar em violência, que dizer dos filmes do Tarantino, cheios de ideias criativas para assassínios? E por falar nisso, e a Céline Dion? Caso não tenham percebido a ironia, não, não vamos eliminar nada disto. O que levanta a questão anterior: onde é que se traça a linha? Na minha opinião, ao estarmos a censurar a música destes gajos, estamos a dar-lhe a sua maior vitória — a vitória da relevância.
Este é um problema grave, mas não é um problema que se resolve com censura. Pelo contrário. A censura dá-lhes força. A censura só gera publicidade que leva ao aumento da procura (nem que seja por curiosidade) por este tipo de movimentos. Falo por mim, que não sabia dizer o nome de uma única banda desta ideologia, mas que agora, depois de tanta publicidade, já sei.
Esta medida do Spotify fez com que eu fosse obrigado a pesquisar o que é afinal isto da música de supremacia branca para perceber o fenómeno, algo que nunca me passaria pela cabeça. Como eu, terão havido muitos mais curiosos. Encontrar as bandas foi fácil, depois foi só abrir o Youtube, pesquisar a primeira banda da lista e estava lá tudo; até álbuns completos. No Google, facilmente temos acesso à sua discografia, naqueles sites de torrents que fingimos que desconhecemos (Pirate Bay? Isso é um site de piratas, não é?). O que vai nas caixas de comentários do Youtube não é nada bonito, diga-se. Discurso de ódio, sim, muito. Mas é diferente de qualquer secção de comentários na internet, em qualquer site de notícias? Vamos fechar o Público, o Observador e o Expresso por causa das caixas de comentários a abarrotar com ódio e visões toldadas e obtusas do mundo? Vêem como é mais complexo do que parece?
A partir do momento em que começamos a dobrar a espinha e a moldar os nossos valores, os nazis já estão a ganhar. Precisamos de ser mais inteligentes que isto. Mais espertos. Não podemos dar-lhes o luxo da vitimização. E muito menos a publicidade que advém dessa vitimização. Esta história da proibição foi o melhor cartaz que estas bandas poderiam desejar. Notem que em lado nenhum neste texto eu refiro nomes. Os sites de lápis azul que listam dezenas bandas racistas, só facilitam o trabalho de pesquisa a quem quer que queira ter acesso a esta música. Nem o Spotify faria melhor nas suas recomendações semanais.
Entendam, não estou aqui a advogar a sua difusão generalizada. Incomodar-me-ia tanto ouvir um tema racista na rádio, como ver um outdoor na rua a promover o Mein Kampf. Mas tal como não defendo a proibição do livro de Hitler, como documento histórico que é, também não defendo a censura da música. Por princípio, sou contra a censura de qualquer forma de música ou literatura. Porque atrás da exposição, vem a crítica; e atrás da crítica, a compreensão do fenómeno. Dadas as bases correctas, em forma de valores e educação, e toda a arte será devidamente enquadrada e compreendida. Porque tal como acontece há séculos, a arte continua a ser uma ferramenta fundamental no processo educacional. Censurá-la, ou fingir que não existe, é um passo atrás na educação.
Entendam, não estou aqui a advogar a sua difusão generalizada. Incomodar-me-ia tanto ouvir um tema racista na rádio, como ver um outdoor na rua a promover o Mein Kampf. Mas tal como não defendo a proibição do livro de Hitler, como documento histórico que é, também não defendo a censura da música. Por princípio, sou contra a censura de qualquer forma de música ou literatura. Porque atrás da exposição, vem a crítica; e atrás da crítica, a compreensão do fenómeno. Dadas as bases correctas, em forma de valores e educação, e toda a arte será devidamente enquadrada e compreendida. Porque tal como acontece há séculos, a arte continua a ser uma ferramenta fundamental no processo educacional. Censurá-la, ou fingir que não existe, é um passo atrás na educação.