terça-feira, 27 de junho de 2017

Os Aerosmith despediram-se de Portugal e houve Rock N' Roll

A banda de Massachussetts tocou ontem no Meo Arena e sentiu-se o perigo de que tudo podia acontecer


Antes do advento da comercialização dos concertos, propalado pela publicidade e pelas redes sociais, o 'Concerto Rock' era um espectáculo tudo menos glamoroso: salas escuras e mal ventiladas, cheiro a cerveja e transpiração, banhos de cerveja a rodos (às vezes cerveja 'quentinha'; se é que me faço entender) e no palco, a sensação que tudo podia acontecer a qualquer momento. O caos. Perguntem a qualquer habitué dos concertos em Portugal nos anos 80 e ouvirão histórias de horror contadas com um estranho brilho nos olhos, de quem tem saudades de um perigo que só se podia sentir num concerto Rock. Foram "os bons velhos tempos", dirão eles.

Esses tempos já lá vão. As organizações melhoraram muito e felizmente (ou infelizmente?) o perigo é algo que já não se sente num concerto Rock. O problema é que essa sensação de segurança não raras vezes se estende ao palco, ao ponto que já levamos a página da setlist.fm aberta no smartphone com o alinhamento do último concerto (eu próprio sou culpado deste crime) e tudo segue conforme o planeado. Não é lá muito Rock N' Roll.

Importa este prólogo para enquadrar o que se viu e viveu ontem no concerto dos Aerosmith. Porque ontem houve mesmo Rock N' Roll no Meo Arena. Como nos bons velhos tempos.

Comecemos pelos factos. O espectáculo de ontem fez parte da digressão de despedida dos Aerosmith, intitulada de "Aero-Vederci Baby!" e foi muito provavelmente o último concerto da banda em Portugal. A despedida vem na altura certa já que, olvidando algumas entradas e saídas temporárias, esta ainda é a formação original dos Aerosmith: Steven Tyler, Joe Perry (os Toxic Twins), Brad Whitford, Tom Hamilton e Joey Kramer. Quem esteve ontem no Meo Arena pode gabar-se de ter visto os mesmos Aerosmith que em 1973 lançaram o álbum de estreia homónimo que trouxe bombas como "Mama Kin" (o grande ausente da noite de ontem) e "Dream On"; que em 1975-1976 gravaram os cocainados "Toys In The Attic" e "Rocks"; e que em 1993 rebentaram a MTV com os singles "Cryin'" e "Crazy". Ainda são os mesmos cinco gajos de Massachussets. Só que agora com 70 anos.

Os Aerosmith apresentaram um set carregado de hits para cantar de braços no ar como "Livin' On The Edge", "Cryin'" e "Dude (Looks Like A Lady)" (que ao vivo ganha outra vida), alguns clássicos dos anos 70 como "Walk This Way", "Sweet Emotion" e "Dream On" (com Joe Perry a dar uma de Slash e a subir ao piano para o solo) e algumas surpresas como os meus preferidos "Seasons Of Wither" e "Eat The Rich" (seguido de um belo arroto ao microfone, respeitando a gravação original no disco). Também não faltou a balada para levantar o telemóvel — "I Don't Want To Miss A Thing" — que é a chamada 'canção que paga as contas'. Eu preferia fechar os olhos e deixar-me dormir, mas isso sou eu.

Fora a balada da ordem, os Aerosmith trouxeram um cheirinho do que era o rock selvagem e imprevisível dos anos 70 (e não, não foi só o cheiro a transpiração provocado pela sauna no pavilhão). Talvez pela idade avançada e aspecto frágil da banda (embora pareçam mais cool que nunca), talvez pela setlist diferente de noite para noite, talvez porque nem sempre correu tudo bem, houve um irresistível aroma de imprevisibilidade durante todo o concerto. Porque só quando a banda se atreve a sujeitar-se ao erro é que o Rock N' Roll acontece. Como quando o auricular de Steven Tyler morreu e obrigou a banda a estender uma jam session no palco — a única rede que eles tinham era continuar a tocar; ou quando Steven Tyler puxava pela voz e ela não dava para mais, mas ele respirava fundo e continuava. Podia até ser tudo parte do espectáculo, mas sentiu-se que tudo podia acontecer ali. Sentiu-se perigo. E isto, meu amigos, é um concerto Rock.

Os Aerosmith tocaram:

quarta-feira, 21 de junho de 2017

O novo álbum dos Fleetwood Mac que não é dos Fleetwood Mac

Chegou o álbum que junta Lindsey Buckingham e Christine McVie. Vale a pena?


Se não forem fãs atentos dos Fleetwood Mac, é provável que não saibam que a banda mais dramática e emocionalmente instável dos anos 70 lançou um álbum novo este mês. Bem, mais ou menos. "Lindsey Buckingham Christine McVie" é, na prática, o novo álbum dos Fleetwood Mac em tudo menos no nome. Senão vejamos: todos os temas são escritos por Lindsey Buckingham e Christine McVie, dois terços do núcleo de compositores da formação clássica dos Fleetwood Mac; a secção rítmica que toca no álbum é composta por Mick Fleetwood na bateria e John McVie no baixo, nomes que acho que são auto-elucidativos; e por último, mas não menos importante, o álbum soa brutalmente a Fleewood Mac.

E como não soar a Fleetwood Mac? Afinal de contas, a equipa é a mesma. Só falta mesmo a Stevie Nicks. Mas quem precisa da Stevie Nicks, anyway? Nada contra a senhora, ela seria aqui muito bem-vinda com dois ou três temas da sua autoria e uns "Aaaahs" e uns "Oooohs" nas backing vocals, mas se a sonoridade está lá, será que ela é mesmo precisa? Só se for mesmo para dar direito a usar o nome. Mas se ela não queria ter trabalho, podia ter aparecido para tocar umas maracas num dos temas e resolvia-se a questão.

Não houve Stevie Nicks, não pôde haver Fleetwood Mac e foi aqui que começou um rol de equívocos. Começando logo pelo nome do álbum. Quem conhece as bases da história dos Fleetwood Mac, mais especificamente da sua formação clássica, saberá que Lindsey Buckingham e Stevie Nicks foram recrutados anos depois do vazio deixado pela saída do icónico compositor e guitarrista Peter Green (por este ter, digamos, "fritado" com as drogas) e o que lhes valeu a entrada na banda foi um álbum colaborativo que gravaram em 1973, nos tempos em que eram um casal, baptizado de "Buckingham Nicks". Faria portanto todo o sentido que este álbum, sendo uma colaboração entre Buckingham e McVie se chamasse... "Buckingham McVie". Foi esse o "working title" do álbum até à última hora e eu adorava que me explicassem a decisão de mudar.



Agora atentem na capa em cima. Será que era possível o Lindsey e a Christine estarem mais separados na foto da capa?! É que eu acho que nem as sombras se tocam. Para um álbum onde o afecto e a intimidade são temáticas recorrentes, não poderia haver capa mais fria. E tantas imagens melhores havia. Como esta foto de promoção, por exemplo:


Ou esta, com ambos sentados no sofá e Lindsey a mostrar todo o seu desconforto por estar ali (OK, esta talvez não):


E por que não a recuperação de uma imagem clássica, dos velhos tempos dos Fleetwood Mac?


A capa do álbum é uma aberração entre o esquisito e o inexplicável. Não acredito que ninguém foi capaz de avisar o Lindsey e a Christine que aquilo na melhor das hipóteses era medíocre e na pior passava a mensagem errada ao público (de afastamento). E se eu não conhecesse as capas obscenamente más dos álbuns a solo do Lindsey, ainda era capaz de suspeitar que era auto-sabotagem. "Buckingham McVie" (deixem-me ficar com o título antigo) tem tanto de elusivo, que eu me pergunto se os seus criadores querem mesmo que tenha sucesso.

Ainda me resta mais uma queixa relativamente a "Buckingham McVie": o som (pelo menos da versão que eu ouvi no Spotify). Mas que raio de assassinato sonoro vem a ser este? Para quê tanta compressão? Para quê o volume tão alto? Os álbuns dos Fleetwood Mac soam maravilhosamente bem, por isso sei que o Lindsey e a Christine sabem melhor que isto. Qual é a ideia? Apelar à "Geração Spotify"? Malta, ninguém vai ouvir o vosso álbum porque o apanharam na barra de sugestões do Drake ou da Ariana Grande. Vão ouvir porque conhecem os Fleetwood Mac. Ponto.

Agora que já ventilei as minhas reclamações, eis o meu veredicto. Nestes dias do Indie Rock perdido, bipolar e esquizofrénico, é sempre bom ouvir um álbum firmemente ancorado na melodia. E na positividade também. Para variar.
"Carnival Begin" é um dos temas do ano. É lindo, lindo, lindo. Eu sei, certamente não o vão encontrar nas listas dos melhores do ano nas publicações mais trendy, mas não deixem que isso afecte o vosso sentido de melodia. Lindsey e Christine navegam num ambiente acolhedor bluesista ("I want it all / All the colours and swings / A new merry-go-round / Carnival begin"), numa canção que só peca por terminar demasiado cedo, interrompendo o coito de um solo de guitarra tão belo e tão raro nestes tempos em que toda a gente se pela de medo por arriscar um solo num disco. Louvo-te a coragem, Lindsey.

Se são fãs da era clássica dos Fleetwood Mac (entre o álbum homónimo "Fleetwood Mac" de 1975 e "Tango In The Night" de 1987), vão adorar "Buckingham McVie"; é um "return to form" da dupla mais improvável dos Fleetwood Mac e o melhor trabalho desde o longínquo (e a todos os títulos maravilhoso) "Tango In The Night". Se são fãs da era de Peter Green, talvez isto não seja para vocês. Se só conhecem alguns temas avulsos dos Fleetwood Mac (provavelmente "Little Lies", "Go Your Own Way" e "Gypsy"), devem dar uma chance a "Buckingham McVie", mas mais importante que isso, do que é que estão à espera para ouvir esfomeadamente o "Rumours" e o "Tango In The Night"? Ou esta playlist espectacular? Ainda aqui estão? Tudo para o Spotify! O "Buckingham McVie" pode esperar.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Slash é Deus e outras notas do concerto dos Guns N' Roses

Passadas duas semanas, ainda estou em lua de mel com aquela noite mágica no Passeio Marítimo de Algés


Sexta-feira, 3 de Junho. Fui ao Passeio Marítimo de Algés ver os Guns N' Roses pela terceira vez, mas a meio do primeiro tema percebi que afinal era a só primeira vez que eu estava a ver Guns N' Roses. As duas primeiras (2006 e 2010) foram outra coisa qualquer que depois disto, eu nem me quero lembrar. Foi uma revelação. Depois dos anos das trevas, a minha fé nos Guns N' Roses foi restaurada. E acho que os 60 mil ali presentes sentiram o mesmo.

Desde então, passaram-se duas semanas, mas ainda estou em recuperação do concerto. Literalmente, porque algures no meio da confusão, alguém me terá passado uma daquelas belas viroses e a minha garganta ainda não recuperou; e porque ainda estou abananado com o que vi e senti em frente àquele palco. Seguem-se algumas notas sobre o concerto, com o habitual aviso que podem esperar superlativos.

Vou começar por fazer uma revelação da forma mais heterossexual que conseguir. Aqui vai: o Slash a tocar guitarra é das coisas mais lindas, mais maravilhosas, que se pode ver em vida. Period. É uma visão deslumbrante, olhar para aquele desenho animado humano de cartola em cima de uma farta cabeleira, a expelir sons divinos de uma guitarra. A alma que Slash injecta à música (mesmo quando não é escrita por ele) é uma virtude tão superlativa que só pode ser classificada de uma forma: é um dom. Foi a primeira vez que ouvi o seu cover de "Wish You Were Here" (obra de outro Deus da guitarra) e para não vos dizer que foi do caralhão (não posso fazer uso de palavrões aqui), digo só que foi um dos pontos altos do concerto. Slash é Deus. Period.

O Duff é uma máquina de coolness clinicamente bem oleada. O baixo e o penteado estão sempre no ponto. Tudo bem feito.

Adoro o tio Axl. Fui um dos poucos que saiu em defesa da sua escolha para novo vocalista dos AC/DC antes do histórico concerto de Algés (depois foi fácil, até o Guardian lhe deu 5 estrelas). Mas se no ano passado ele esteve imperial, este ano mostrou zonas cegas no espectro vocal e entrou demasiadas vezes em modo Mickey Mouse. Também não me pareceu muito bem disposto, embora não tenha sido isso a afectar a sua performance. O pior foi a inexplicável insistência em assassinar a sua própria versão de "Knockin' On Hevaen's Door" de Bob Dylan, que todos aprendemos a amar com os seus "hey, hey, hey-hey-yeaah". Para onde foram?!

"Estranged" e "Coma" foram os musts da noite. Que delícia para os olhos e os ouvidos. Dois épicos imaculadamente interpretados, que mostram que os Guns N' Roses foram um dia a perfeita fusão entre a melodia de Elton John, a luxúria dos Aerosmith, a pompa dos Queen e a grandiosidade dos Pink Floyd e tudo isto em plena era do Grunge, que negava todos os anteriores.

"Better" nunca foi sequer um dos melhores temas dos "NuGuns" (Guns sem Slash e Duff) e não tem rigorosamente nada a ver com a sonoridade da banda original; chega a ser ofensivo ver isto ao lado dos clássicos. No pólo oposto está "This I Love", que parece talhada para as mãozinhas de Slash. Juntamente com "There Was A Time" (o melhor tema dos NuGuns, infelizmente ausente da setlist), "The Blues" ("Street Of Dreams", o tanas), "Catcher In The Rhye" (com Brian May!) e "Madagascar", merecia uma reimaginação com a banda original. Pensando nisso, até "Shackler's Revenge" poderia resultar; o que me leva a crer que no meio de algum verbo de encher e diluído em toda aquela super-produção, há um grande álbum escondido em "Chinese Democracy". Mas deixemos essa análise para outro dia.

Para já, o mais importante é que alguém agarre no Izzy – nem que seja com sacos de notas – e o meta dentro de um estúdio a escrever "canções dos Guns N' Roses". Porque só ele sabe exactamente como se faz. Mas lá estou eu a divagar; voltemos a Algés.

Não foi barato, mas fui para o Golden Circle. O veredicto? Foram os 130€ mais bem empregues do último ano. Ainda há pouco tempo houve quem desse 500€ por um saco-cama para ir ver o Papa, mas esse não tocava o "Paradise City" de costas. Eu dei 130€ e vi Deus. O que me leva ao próximo ponto.
Slash é Deus. Não sei se já tinha dito.