10. The Dear Hunter — "Act V: Hymns with the Devil in Confessional"
Longo e tortuoso foi o caminho que o Rock Progressivo percorreu desde que os King Crimson se aventuraram no "Court Of The Crimson King" em 1969. Já lá vão quase 50 anos, mas o género nunca se livrou do epíteto de música mais uncool do espectro do Rock. De facto, o Prog não é para todos os gostos e se hoje essa asserção é do conhecimento geral, pobres dos rapazes que tentavam impressionar as namoradas com o "Supper's Ready" ("tens mesmo que ouvir isto!"), para ao fim de 24 minutos olharem para o lado e se aperceberem que ela já lá não estava. Com sorte, tinha-se deixado dormir e não era do clorofórmio. Mas divago.
O Prog foi a forma dos meninos com formação clássica e gosto pelo Jazz se expressarem no meio do Rock nos anos 60 e desde então, como tudo o resto, evoluiu. Nos anos 80, com o deslocamento da juventude para o Metal e restantes subgéneros mais pesados, o Prog também se passou a manifestar no Metal Progressivo. Numa altura em que é o Indie que tem a maior amplitude mainstream no Rock, faz todo o sentido que surja uma espécie de "Indie Progressivo". Se conseguirem visualizar (e ouvir) esta amálgama difusa de Indie Rock, Prog, Folk e Jazz, voilá, têm "Act V: Hymns with the Devil in Confessional" - o último álbum dos The Dear Hunter. "Act V" é, como o nome sugere, a quinta parte de uma história épica contada em 6 capítulos, aos quais correspondem 6 álbuns.
Como o Prog em geral, "Act V" não é para todos os gostos. Muita coisa se passa ao mesmo tempo e o mais provável é haver segmentos de maior agrado ("The Moon" / Awake") e outros nem tanto ("Mr. Usher"). Globalmente, é uma viagem (haverá maior lugar-comum para descrever um álbum Prog?) e uma audição progressivamente (lá está) enriquecedora. Não se esqueçam, porém, de proceder com cuidado quando mostrarem isto ao vosso mais-que-tudo. Se não fugiu a sete pés, agarrem-se a ela/ele, que é capaz de ser a/o tal.
9. Kaitlyn Aurelia Smith / Suzanne Ciani — "FRKWYS Vol. 13: Sunergy"
Desde que lançou o seu álbum de estreia - e grande obra-prima - "Seven Waves", em 1982, que Suzanne Ciani carrega o chapéu de mestre e pioneira da música electrónica. E com toda a razão. A sua colaboração com Kaitlyn Aurelia Smith (que este ano também lançou o excelente álbum "Ears" em nome próprio) mostra que, chegados a 2016, Suzanne continua sem mostrar medo de explorar territórios novos.
"Sunergy" é um trabalho mais experimental e menos melódico que o referido "Seven Waves", aproximando-se mais da Ambient Music que ouvimos em "Ears" de Kaitlyn. Mas é o cunho de Suzanne que equilibra os pratos da balança e nos entrega um dos mais gratificantes álbuns instrumentais de 2016. Mais seguirão.
8. Agnes Obel — "Citizen Of Glass"
Lembram-se da Enya? Música celta aguada e polida para pessoas que vão ao cinema ver filmes do James Cameron. Recordam-se? Imaginem que a Enya tinha sido possuída pelo Demo e se tinha tornado numa mulher densa, sombria e perturbada. À primeira nota, a música até parece ser semelhante, mas após um minuto, somos levados para uma visão lynchiana de um quarto escuro, uma mesa e uma cadeira de metal, com uma luz meia-fundida a piscar nervosamente. Qual Twisted Enya, "Citizen Of Glass" é um álbum introspectivo e pungente sobre a fragilidade humana e o fatalismo da exposição à sociedade. Um dos álbuns mais surpreendentes e interessantes deste ano.
7. Jóhann Jóhannsson — "Orphée"
Fui parar a Jóhann Jóhannsson por conta de uma notícia que me deixou terrivelmente abalado: a sequela de "Blade Runner" não vai ter a banda sonora de Vangelis e será entregue ao compositor islandês. "Blade Runner" sem Vangelis? Como? Por melhor que seja o filme, é o mesmo que tirar o Jonas ao Mitroglou - fica mais triste e menos eficaz. Em pânico, fui logo ouvir o álbum mais recente de Jóhann e o melhor que posso dizer é que fiquei (um bocadinho mais) descansado. Não porque a música de "Orphée" me recordasse a banda sonora mais-que-perfeita de "Blade Runner" (há até quem diga que é a melhor de sempre; eu, por exemplo), mas pelo menos lembrou-me outras grandes bandas sonoras. "The Drowned World", por exemplo, lembrou-me o tema principal de "Solaris", de outro Johann, esse Bach.
Baseado na figura mitológica de Orfeu, "Orphée" é cinemático do princípio ao fim e mais um álbum instrumental nesta lista, o que reflecte o tipo de música que mais me atraiu este ano (ou não fosse o álbum que mais ouvi este ano, precisamente, a banda sonora do "Blade Runner").
O primeiro dos álbuns-fúnebres desta lista. 2016 foi um ano madrasto para a música popular, perdemos Prince, Glenn Frey, Leon Russell, Greg Lake, David Bowie (já lá vamos) e Leonard Cohen. Os últimos dois parecem ter preparado a morte da sua cadeira de artista. "I'm ready, my Lord", anuncia Leonard no tema-título "You Want It Darker", uma das mais poderosas canções do ano. Poucos dias depois do lançamento do álbum, Leonard cumpriu a sua profecia.
Uma das boas notícias que 2016 trouxe, logo em Janeiro, foi o anúncio da colaboração entre Iggy Pop e Josh Homme, num álbum que contava com Dean Fertita (também dos Queens Of the Stone Age) e Matt Helders, baterista dos Arctic Monkeys. Parecia uma colaboração escrita nas estrelas, com tudo para dar certo. Mas a verdade é que "Post Pop Depression" não é tão bom como o mundo desejava que fosse. O álbum produziu momentos de absoluto êxtase como "Break Into Your Heart", onde a voz de Iggy e a guitarra de Josh convergem na perfeição, como se tivessem sido feitos um para o outro. Aliás, a guitarra de Josh está tão alta na mistura que mais parece um dueto. "Gardenia" é mais um triunfo deste casamento, mas à medida que o álbum vai avançando, mais dá a sensação que o álbum podia ter sido muito melhor.
Kyle Dixon? Quem? Pois, também não sabia. Mas não interessa. O que interessa é que se trata do homem que criou a banda sonora de uma das melhores séries de 2016. "Stranger Things" é um hino à cultura dos anos 80 em toda a linha, mas o melhor da série é a sua banda sonora. Já nem falo da escolha musical mestra da série, que inclui nomes como Vangelis, Tangerine Dream, New Order, Television, Joy Division, The Smiths, The Clash, Moby, enfim, uma verdadeira constelação musical.
A acompanhar estes gigantes, temos uma banda sonora à medida, a fazer lembrar os sintetizadores dos próprios Vangelis e Tangerine Dream e que teve tanto sucesso que já foi lançada em dois volumes. "Kids", "Upside Down" e claro, o tema-título (ainda melhor na reinterpretação de Luke Million) são jóias tão apetitosas que apetecem agarrar, acariciar e estimar e que, à semelhança de outras bandas sonoras (já vos falei no "Blade Runner"?), elevam a música a um estatuto de independência da própria série para a qual foi criada.
3. David Bowie — "★"
O epílogo da obra de um dos mais completos artistas que já pisou o nosso planeta, tão superlativo que em tempos convenceu meio mundo que nem sequer era deste planeta. Até na morte, David Bowie deixou a sua marca artística: na Quinta lança o vídeo de "Lazarus" (onde o vemos no seu leito de morte), na Sexta - dia do seu aniversário - lança o álbum "★" (leia-se "Blackstar") e no Domingo, morre. A morte é o último acto, é parte do espectáculo.
"★" é um álbum denso, de audição difícil, que como todas as obras-primas recompensa audições repetidas. Mostra que David nunca perdeu o foco e puxou os limites até ao fim. "★" é um álbum sobre a vida, a morte e a fina linha que as separa. Mais sobre isso já a seguir.
Admito que falo do que não sei (felizmente), mas imagino que pior do que lidar com a dor da própria morte iminente, só mesmo lidar com a dor da morte de um filho. Especialmente quando este ficou com tanto para viver. Materializar essa dor num disco foi a tarefa a que Nick Cave se propôs em "Skeleton Tree", depois de perder o filho de 15 anos numa queda de uma falésia em Brighton, durante uma trip de LSD. Era uma tarefa mastodôntica com tanto de coragem, como de insanidade. Insanidade, pelo que acarreta fazer um álbum sobre a morte de um filho; coragem, por expor desta maneira despida a sua própria desgraça.
"Skeleton Tree" é um álbum esmagador, niilista e desconfortavelmente pessoal. Ainda mais que o anterior número desta lista, é um trabalho de escuta difícil; é um murro no estômago e não é aconselhável ouvi-lo com muita frequência; segurar as lágrimas em "Jesus Alone" é, só por si, um desafio. Mas recompensa pela beleza e sinceridade e porque tem aquilo que, por princípio, eu mais estimo numa obra de arte: consegue mexer comigo e obrigar-me a reavaliar os meus dogmas.
Nas semanas após o seu lançamento, fiquei trancado dentro de "A Moon Shaped Pool". Com tanta informação a cair diariamente e tanta música para ouvir, não há muitos álbuns que em 2016 mereçam este tipo de honra. Logo a abrir, levamos com o superlativo "Burn The Witch" - o melhor tema dos Radiohead desde "Pyramid Song", ou sei lá, desde "Paranoid Android" - e chegam-me evocações de "Tomcats Screaming Outside" de Roland Orzabal. Tudo o que me lembra Roland, só pode ser bom. Viajando pela luz de "Daydreaming", pela solidão de "Decks Dark", até ao clássico que antes-de-ser-já-o-era "True Love Waits", os Radiohead não desarmam, naquele que é o mais completo, mais belo e mais satisfatório álbum de 2016. E, acreditem, fala-vos um descrente na religião Yorkiana.
"A Moon Shaped Pool" é um regresso a casa para os Radiohead. Depois de um álbum feio e opaco como "The King Of Limbs", é reconfortante saber que ainda há espaço para a luz (lembram-se do vídeo de "Daydreaming"?) e para a beleza nos Radiohead. Álbum do ano.
"The Gouster" foi gravado e posto na gaveta por David Bowie em 1974, por isso não qualifica para o Top 10 desta categoria. mas como foi finalmente tirado da gaveta e lançado em 2016, merece a distinção como número 0.
Fascinado pela América e cego pela sua música negra, em 1974 David Bowie resolveu fazer um golpe de harakiri à sua carreira: lançar um álbum de Soul. Classic Bowie, diremos hoje entre sorrisos, agora que conhecemos o espectro completo da sua obra. Na altura, o público ficou muito baralhado.
David agregou uma banda que pudesse tocar a música que queria ouvir (entre eles, um tal de Carlos Alomar), alugou um estúdio em Filadélfia em Agosto de 1974 e mergulhou a fundo na sua nova sonoridade. As primeiras tentativas das sessões Soul deram origem a "The Gouster" — "40 minutos de Funk glorioso", como lhe chamou Tony Visconti, o produtor de sempre de David. Funk glorioso não sei, mas Soul glorioso, certamente que temos às pazadas em "The Gouster"
O "álbum Soul" conheceu diversas iterações, com diferentes baptismos – "Dancin'", "One Damn Song", "Fascination", ou "Somebody Up There Likes Me" – mas Bowie continuava indeciso. Até que em Janeiro de 1975 apareceu em estúdio um outro tal de John Lennon que gravou com David dois temas: "Fame" e uma nova versão de "Across The Universe". Nascia assim "Young Americans".
Na iteração de "The Gouster", que aparece na caixa "Who Can I Be Now?" - lançada este ano -, o álbum abria com uma versão Funk de 7 minutos de "John I'm Only Dancing", que eu honestamente dispenso, mas depois arrancava para uma sequência gloriosa de Soul com dois temas que foram lamentavelmente suprimidos do álbum final: "It's Gonna Be Me" e "Who Can I Be Now?". Principalmente este último, que é um dos melhores de toda a carreira de Bowie e foi o tema que mais ouvi este ano.
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