Recordar a Pop deliciosa dos Duran Duran
No que à imagem diz respeito, podemos dividir a cena musical do Reino Unido na primeira metade dos anos 80 em três campos principais: os dinossauros, naturalmente ancorados às décadas anteriores e com tentativas embaraçosas de ligação ao estilo vigente (Queen, Pink Floyd, Genesis); as bandas de rock alternativo, filhos do punk e dos sintetizadores a emergir em caves de zonas urbanas deprimidas, mais preocupados em preservar um certo glamour intelectual do que em seguir o guarda-roupa dos 80s (The Smiths, Joy Division, Tears For Fears); e as bandas Pop perfeitamente enquadradas no fashion style da década, ostensivamente explorando a sua imagem na promoção da sua música (Wham!, Duran Duran, Frankie Goes To Hollywood). Esta divisão não remete necessariamente o último campo para um plano secundário, como provam os Wham! (link) e os seus maiores concorrentes, os não menos superlativos Duran Duran.
Juntamente com os Wham!, os Duran Duran foram a banda da moda da primeira metade dos anos 80 e tal como a banda de George Michael, gozaram de um sucesso meteórico. Revelando uma profunda percepção da época que viviam, Simon Le Bon, Nick Rhodes, John Taylor, Andy Taylor e Roger Taylor (curiosamente não há aqui familiares) perceberam que para atingir o patamar cimeiro da atenção mediática, não lhes bastava a música, tinham também que pensar a sua imagem. Inicialmente rotulados com o movimento New Romantic, os Duran Duran desenvolveram um estilo próprio, elegante e refinado, tanto na roupa como na música, sem nunca abdicar das cores garridas e da extravagância que os ancora a uma década que os próprios ajudaram a definir. Plenos de vaidade, ostensividade e pretensiosismo, os Duran Duran comportavam-se como realeza Pop e durante meia década, foram tratados como tal.
O quinteto de Birmingham fazia furor entre as meninas que hoje vivem os quarentas e enchia as capas das Bravos e revistas semelhantes, matéria prima para os milhares de recortes que povoavam os cadernos da escola. A loucura era tal, que chegaram a ser apelidados de "Fab Five", em alusão a um sucesso só comparável aos Beatles, vinte anos antes. Reconheça-se porém que "os novos Beatles" estão para o Reino Unido como "o novo Eusébio" no Benfica: é um epíteto fácil que diz mais sobre a vontade de replicar o passado, do que da realidade do presente.
As canções invadiram as tabelas, as rádios e as televisões, com o "novo" formato videoclip que então ganhava força. A MTV dava os seus primeiros passos e os vídeos cinemáticos dos Duran Duran eram como manteiga em pão quente para o canal televisivo.
Foi uma relação simbiótica que começou com o ousadíssimo vídeo de "Girls On Film", que mostrava imagens tão sugestivas como lutas na lama de meninas em topless. Os Duran Duran queriam publicidade e o resultado não podia ter sido melhor: apesar do conteúdo explícito do vídeo ditar que este não podia passar antes da meia-noite, a restrição só serviu para disparar o interesse do público. A MTV acabaria por criar uma versão severamente editada para exibição em horário normal e a "Girls On Film" seguiram-se maravilhas como "Rio" (com os cocktails dentro de água), "Save A Prayer" e "Hungry like The Wolf" (com a banda no Sri Lanka). Enquanto a estação ganhava audiências à custa dos Duran Duran, a banda vendia discos à custa da promoção na MTV. Dizia-se que nos anos 80 se a MTV gostasse de ti, o mundo gostava de ti; a MTV adorava os Duran Duran e o mundo seguiu-lhe os passos.
Tal como a imagem, também a música dos Duran Duran trazia uma mensagem perfeitamente ajustada à década que os projectou. Eram temas sobre a liberdade individual e sexual, a importância do momento presente e a celebração do amor efémero. "Não vamos pensar no que significa, não vamos pensar no que vai ser amanhã. Vamos pensar no que vai ser este momento, é a única coisa que importa.", diz Simon Le Bon acerca de "Save A Prayer", um dos ex-libris da banda e o meu personal favourite. "Há quem lhe chame um one night stand, mas nós podemos chamar-lhe o paraíso" foi também um dos ex-libris da minha vida durante alguns anos.
O álbum "Rio" - o segundo da banda -, ao mesmo tempo que é um dos LPs que melhor define a década de 80, consegue soar tão bem hoje como há 30 anos. Não há um único stinker no álbum. Em 2106, mantém-se um exemplo perfeito de Pop dançável polida e carregada de rasgo. Era este rasgo incutido pela guitarra incisiva de Andy Taylor que distinguia os Duran Duran de todas as outras bandas Pop. Rude e áspera, a guitarra de Andy dilacerava as texturas minuciosas saídas dos sintetizadores de Nick Rhodes e conferia aos Duran Duran um edge único no panorama Pop da época. Quando Andy quis fazer algo mais adequado às suas raízes Punk e saiu durante a gravação do álbum "Notorious", os Duran Duran deixaram de ser excelentes e passaram a ser apenas bons.
Entretanto, os fãs adolescentes cresceram, a música evoluiu com a experiência nos projectos paralelos dos Arcadia (Simon, Nick e Roger) e dos Power Station (John e Andy) e a banda entrou em processo de negação contra-cíclica, sempre à procura de adaptar a sua música ao que se ouvia na rádio. Se George Michael teve a inteligência de dissolver os Wham! e continuar a solo com uma sonoridade mais adulta, os Duran Duran continuaram, sempre com sucesso muito tépido. Houve um comeback importante em 1993 com "Ordinary World" e "Come Undone" (retirados do álbum epónimo desse ano), mas os hits terminaram aí. O último álbum tenta fazer-nos lembrar dos tempos áureos dos 80s, ao mesmo tempo que tenta soar actual. Falha nos dois objectivos. Felizmente, teremos sempre o "Rio" para recordar a Pop deliciosa dos Duran Duran.
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