Qualquer superlativo encontrado neste texto é pura realidade
Foi como um sonho. Um sonho bom. Um daqueles sonhos de onde não queremos acordar e quando o maldito despertador toca, metemos o snooze para tentar voltar ao ponto onde ficámos, nem que seja só por mais 5 minutos.
Podia dizer que "não há palavras para descrever" este sonho, mas como essa expressão é normalmente seguida de um longo discurso descritivo, vou poupar-vos a contradições retóricas. Há muito para dizer. Começo por vos confessar uma heresia: não costumo falar com Deus. Isso deve-se a vários factos que se sucederam ao longo da minha vida, entre os quais aquele penálti assinalado a um mergulho do Jardel, que me levou a concluir que Deus - a existir - estava a fazer um péssimo trabalho ao pactuar com injustiças daquele calibre. Hoje reconheço que talvez tenha sido injusto, uma vez que Deus naquela altura estaria mais preocupado a preparar os concertos no Royal Festival Hall.
O cenário em Pompeia exigia que eu voltasse a fazer contacto com Ele: eu estava à espera em pé há mais de 7 horas, debaixo de uma sauna de 35 graus e já tinha transpirado uma garrafa de água de litro e meio; no delírio do momento da abertura de portas, com o meu coração a mil e os carabinieri a ameaçarem quem corresse para o Anfiteatro das ruínas de Pompeia, eu falei com Ele e pedi-Lhe (falando a Sua língua) "please, please, please, let me get what I want this time" (presumo que Deus goste dos The Smiths). Queria ficar na fila da frente; queria ser, por uma vez na vida, um dos maluquinhos das grades.
O sonho tornou-se realidade.
David Gilmour ao vivo em Pompeia, visto da fila da frente. Como é que foi? Vou ser directo: foi o melhor dos melhores de todos os tempos, a milhas de distância do segundo classificado. Se me leram mais que uma vez, saberão da minha tendência para o superlativo, principalmente quando se trata de música. Mas acreditem, isto é diferente. Lembram-se das estórias de Paris e de Pula? Das melhores noites da minha vida e o camandro? Esqueçam. Foi tudo pulverizado por esta noite.
Foi tudo perfeito: a música, o espaço, o espectáculo de luz, lasers e fogo de artifício e claro, o spot frontal. Mas o toque de génio só chegou quando aconteceu o impensável: o David irritou-se. Tudo porque um grupo à frente gritava insistentemente por "Echoes", mesmo sabendo à partida que o épico de "Meddle" não iria ser tocado. David perdeu as estribeiras e deu um raspanete à audiência: "O Rick [teclista dos Pink Floyd] está morto, não vou tocar mais o "Echoes"". E por momentos ficou um ambiente esquisito.
Depois, aconteceu magia. Como mostra a História, é quando se zanga que Gilmour está no seu melhor. Outrora instigado pelas tensões com Roger Waters, ali pelo seu próprio público, David vingou-se na sua guitarra, golpeando-a a cada acorde em performances épicas de "Sorrow" e "Comfortably Numb".
Faltava o melhor da noite.
Depois do habitual ritual de despedida de David (chama a banda, fazem uma vénia conjunta e saem), este regressou sozinho para a frente do palco e, talvez apercebendo-se da importância do momento (foi o primeiro espectáculo com público desde que as ruínas foram desenterradas), David fez o que nunca o vira fazer: bateu palmas a um público que só pecou pelo entusiasmo a roçar no fanatismo.
Foi aqui que também eu tive o "meu" momento. Aos meus gritos histéricos de "I LOVE YOU, DAVID! I LOVE YOU, DAVID! I LOVE YOU, DAVID!", enquanto vestia um sorriso a tocar nas orelhas e gesticulava o lançamento do meu coração na sua direcção, ele deixou-se rir e fez uma vénia dizendo "thank you". Obrigado eu, David. Obrigado eu. Que tempo glorioso para se estar vivo.
Vamos pôr as coisas nestes termos: depois disto, sinto que já não há mais nada para ver.
(OK, entretanto já fui ao SBSR mas um que é um gajo há de fazer? Passar fome porque comeu o melhor bife do mundo?)