sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A música divinal de George Harrison

Recordar o Quiet Beatle no dia em que faria 73 anos. Hare Krishna.


Adoro o George Harrison. Ele pode até ter sido o "Quiet Beatle", contido e discreto, mas carregava consigo uma aura sem paralelo. Talvez devido à sua devoção espiritual, talvez devido às influências indianas, há qualquer coisa em George de único, que eleva a sua música para um patamar de apreciação quase-metafísico. Esta sensação enche-nos particularmente no seu épico álbum de estreia a solo "All Things Must Pass" (1970). Sim, eu sei que é arriscado falar de música nestes termos, mas se me lêem há mais de duas crónicas, já devem estar habituados ao uso dos superlativos.

De tudo o que já me foi dado a ouvir ao longo da vida, o álbum "All Things Must Pass" é o produto musical mais merecedor de honras de canonização. E se acham que estou a ser leviano ao trazer assuntos eclesiásticos para uma crónica musical, desenganem-se, que eu levo a música religiosamente a sério. O álbum agarra-nos pelo pescoço e ali nos segura, esmagados e subjugados pela beleza da música, até à exaustão. Isto não é música para relaxamento, é música para purificação, pura e simples. Se o conceito de música divinal existe, então é disto que se trata.

"All Things Must Pass" é um álbum duplo, que resulta de uma gigantesca pilha de temas que George tinha deixado de lado ao longo do seu tempo nos Beatles, onde estava limitado a uma pequena quota por cada álbum. Dos poucos que conseguiu meter nos álbuns, apenas "Something" chegou a single e só em 1969 – ano de despedida da banda. Temos que ter em conta que os Beatles eram fundamentalmente a banda de Lennon e McCartney... onde Harrison também tocava. Os seus momentos de protagonismo ali foram efémeros e mais concentrados na fase final, quando a sua escrita melhorou exponencialmente com temas como "Something", "Here Comes The Sun", ou "While My Guitar Gently Weeps".

Este domínio de John e Paul (principalmente de Paul que, não por acaso, era chamado de "Bossy Beatle") ficou bem demonstrado no filme "Let It Be" e na discussão entre Paul e George (https://www.youtube.com/watch?v=IJQx9-GXAic) em frente às câmaras, durante os ensaios para "Maxwell Silver Hammer" ("eu toco o que tu quiseres que eu toque e se não quiseres que eu toque nada, eu não toco nada"). Farto de ser subjugado pelos seus colegas, George saiu furioso do estúdio e foi para casa escrever "Wah-Wah", tema que mais tarde seria também incluído em "All Things Must Pass".

Eu disse que "All Things Must Pass" era um álbum duplo? Esqueçam lá isso. É sim um álbum triplo, se contarmos com o disco bónus "Apple Jams", incluído na caixa de LPs original. A quantidade de material que George Harrison tinha acumulado para o seu primeiro álbum (não conto com os seus álbuns experimentais dos anos 60, objectos de mera curiosidade) era tão grande que deixou o produtor Phil Spector em choque. À medida que George sacava de mais e mais temas que tinha empilhados dos tempos dos Beatles, Spector apercebeu-se que George tinha em mãos um filão colossal e que a grande dificuldade estaria em fazer uma triagem de tudo aquilo. O resultado, construído à imagem da estética "Wall Of Sound" arquitectada por Spector, acabou por ser um álbum que rivaliza com as alturas babilónicas atingidas pelos Beatles; uma obra épica e majestosa, de uma grandiosidade que nos esmaga os sentidos, ao mesmo tempo que os mima.

Acho que já esgotei os superlativos. Agora vão ouvir o "All Things Must Pass" e deixem que o George mude a vossa vida. A minha mudou de certeza.

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