Recordar o Quiet Beatle no dia em que faria 73 anos. Hare Krishna.
Adoro o George Harrison. Ele pode até ter sido o "Quiet Beatle", contido e discreto, mas carregava consigo uma aura sem paralelo. Talvez devido à sua devoção espiritual, talvez devido às influências indianas, há qualquer coisa em George de único, que eleva a sua música para um patamar de apreciação quase-metafísico. Esta sensação enche-nos particularmente no seu épico álbum de estreia a solo "All Things Must Pass" (1970). Sim, eu sei que é arriscado falar de música nestes termos, mas se me lêem há mais de duas crónicas, já devem estar habituados ao uso dos superlativos.
De tudo o que já me foi dado a ouvir ao longo da vida, o álbum "All Things Must Pass" é o produto musical mais merecedor de honras de canonização. E se acham que estou a ser leviano ao trazer assuntos eclesiásticos para uma crónica musical, desenganem-se, que eu levo a música religiosamente a sério. O álbum agarra-nos pelo pescoço e ali nos segura, esmagados e subjugados pela beleza da música, até à exaustão. Isto não é música para relaxamento, é música para purificação, pura e simples. Se o conceito de música divinal existe, então é disto que se trata.
"All Things Must Pass" é um álbum duplo, que resulta de uma gigantesca pilha de temas que George tinha deixado de lado ao longo do seu tempo nos Beatles, onde estava limitado a uma pequena quota por cada álbum. Dos poucos que conseguiu meter nos álbuns, apenas "Something" chegou a single e só em 1969 – ano de despedida da banda. Temos que ter em conta que os Beatles eram fundamentalmente a banda de Lennon e McCartney... onde Harrison também tocava. Os seus momentos de protagonismo ali foram efémeros e mais concentrados na fase final, quando a sua escrita melhorou exponencialmente com temas como "Something", "Here Comes The Sun", ou "While My Guitar Gently Weeps".
Este domínio de John e Paul (principalmente de Paul que, não por acaso, era chamado de "Bossy Beatle") ficou bem demonstrado no filme "Let It Be" e na discussão entre Paul e George (https://www.youtube.com/watch?v=IJQx9-GXAic) em frente às câmaras, durante os ensaios para "Maxwell Silver Hammer" ("eu toco o que tu quiseres que eu toque e se não quiseres que eu toque nada, eu não toco nada"). Farto de ser subjugado pelos seus colegas, George saiu furioso do estúdio e foi para casa escrever "Wah-Wah", tema que mais tarde seria também incluído em "All Things Must Pass".
Eu disse que "All Things Must Pass" era um álbum duplo? Esqueçam lá isso. É sim um álbum triplo, se contarmos com o disco bónus "Apple Jams", incluído na caixa de LPs original. A quantidade de material que George Harrison tinha acumulado para o seu primeiro álbum (não conto com os seus álbuns experimentais dos anos 60, objectos de mera curiosidade) era tão grande que deixou o produtor Phil Spector em choque. À medida que George sacava de mais e mais temas que tinha empilhados dos tempos dos Beatles, Spector apercebeu-se que George tinha em mãos um filão colossal e que a grande dificuldade estaria em fazer uma triagem de tudo aquilo. O resultado, construído à imagem da estética "Wall Of Sound" arquitectada por Spector, acabou por ser um álbum que rivaliza com as alturas babilónicas atingidas pelos Beatles; uma obra épica e majestosa, de uma grandiosidade que nos esmaga os sentidos, ao mesmo tempo que os mima.
Acho que já esgotei os superlativos. Agora vão ouvir o "All Things Must Pass" e deixem que o George mude a vossa vida. A minha mudou de certeza.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
A miúda que decifrou o puzzle
O fim do meu Groundhog Day
Perdoem-me a petulância, mas achei este Dia dos Namorados uma grande banhada. Não é um pensamento novo, mas se no passado o motivo do soslaio era comum à maioria dos que detestam o Dia de S. Valentim (estava solteiro), agora as minhas razões são outras. Celebração do amor? Mas qual amor? Alguém sabe o que isso é?
Não me levem a mal, não quero negar o amor de ninguém. Todas as formas são válidas, desde que ao abrigo da lei e até algumas que (ainda) não estão reconhecidas têm o meu apoio (não é disso que eu estou a falar, R Kelly). Amem-se à vontade. Amem-se bués. Amem-se à bruta. Se vos pergunto se sabem o que isso é, é porque tudo à minha volta parece menor, quando comparado com este sentimento esmagador que se abateu sobre mim sem dó nem piedade. Não sei explicar isto. É como se o Benfica ganhasse todos os dias. É como se o Jonas fizesse golo sempre que ela se ri. É como se eu fosse uma panela de pressão que só alivia quando lhe digo que a amo. É como os Pink Floyd: gigante e impossível de categorizar. Não há aqui lugares-comuns, só há os lugares do meu mundo que melhor se adequam ao que sinto. Falo com o que conheço.
O que é que isto tem a ver com música? Como tudo na minha vida, tudo começou com uma música (que ficará em segredo). Depois dessa música, deu-se início ao meu Groundhog Day, pleno de caos, equívocos e hedonismo. Mas não é essa a estória que vos trago. Vou fazer fast-forward para o capítulo mais interessante e contar-vos como se resolveu o enigma do dia em time loop. Mais uma vez, tudo começou com uma (outra) música. Dizia o Rui Veloso que "não se ama alguém que não ouve a mesma canção", mas ninguém leva isso mais a sério que eu.
Não quero nem me atrevo a dissertar sobre o que motiva amar alguém. Mas será pacífico admitir vários estádios desse sentimento, desde a faísca do primeiro olhar, até ao clique mágico que nos deixa 'head over heels'. O meu clique deu-se quando ela decifrou uma música eu tinha na cabeça. Assim, that simple. Teimosa, a música martelou-me durante semanas a fio, sem que eu soubesse título, letra, ou artista. Sabia apenas trautear um refrão em nananas (devo aqui abrir este parêntesis para dizer que sou um Shazam a reconhecer música). Era por isso uma missão impossível. E no entanto, quando eu lhe trauteei a melodia que me perseguia, ela chegou, ouviu e identificou: "Tonight", Bryan Adams. O clique.
Era difícil ser mais foleiro, bem sei. Se me tivesse sido dado a escolher, teria matutado um tema obscuro do David Bowie, ou um Lado B dos The Smiths. Mas a vida não espera pelo lance da nota artística e decidiu resolver a contenda com um minor hit dos anos 80. Naquele momento, tive a certeza que era ela quem eu procurava. Se esta miúda era capaz de decifrar os puzzles da minha mente, era tudo o que eu queria.
Como explicar os mistérios do amor, quando é nas coisas mais simples que ele se descobre? Quando as peças se juntaram naquele clique, ficou tudo tão claro, tão nítido. Porra. Como é que eu perdi tanto tempo? Foi como se tivesse desperdiçado todos os dias desde que a conheci. Como se tivesse vivido o mesmo dia, repetido e cinzento, num Groundhog Day em time loop até que tudo se encaixasse no lugar certo. Quando ela decifrou o puzzle, eu pude finalmente acordar para um novo dia; com uma vista ainda melhor do que o Bill Murray para a Andie McDowell. E assim, um amor que começou confuso e desconfiado, transformou-se num furacão de loucura, paixão e desejo de mais e mais e mais, porque tudo nunca é demais. Tudo por causa de uma música. Sabem o que isso é?
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