A propósito do casal que angariou dinheiro para tirar do ar uma das canções mais amadas e mais generosas da quadra natalícia.
Se têm acompanhado as notícias desta silly season natalícia, já devem ter lido sobre aquele casal de imbecis que convenceu centenas de outros imbecis a doarem dinheiro para a causa mais estúpida do ano — comprar os direitos de "Last Christmas" dos Wham!, destruir as masters e tirar a música do ar. Não que eu queira dar muita publicidade a este grupo de idiotas, mas a NiT escreveu sobre isso, e podem ler tudo aqui.
Como piada, a ideia pode funcionar para os tristes. Mais que isso, não passa de uma manobra para ganhar publicidade (como eu lhes estou aqui a dar), ou, na pior das hipóteses, uma grande burla. Na prática, a ideia é obviamente inexequível. "Last Christmas" é uma das mais populares, mais perenes e mais amadas canções de Natal da História da música popular. Foi originalmente lançada em 1984, há quase 40 anos, mas a sua popularidade não pára de aumentar. Originalmente impedida de chegar ao lugar cimeiro das tabelas por outro grande hit natalício onde George Michael também canta — "Do They Know It's Christmas", da Band Aid —, "Last Christmas" foi até há 2 anos o single mais vendido nas tabelas britânicas que nunca chegara a número 1. Foi apenas na última semana de 2020 (tecnicamente no dia 1 Janeiro de 2021), que o tema finalmente alcançou o primeiro lugar. A canção não vai desaparecer tão cedo e não é um grupo de idiotas que pode mudar isso.
O que este casal fez, ao convencer centenas de tontos a darem o seu dinheiro, angariando uma soma a norte de 62 mil dólares, foi basicamente burlar esta gente de gosto discutível e capacidade cognitiva indiscutivelmente fraca. Com esta soma, muito abaixo dos 20 milhões necessários para começar a conversa com a editora, nem sequer vão conseguir retirar os "oooh ooaah" do George no início da música, antes da lírica começar. E no entanto, amealharam dinheiro suficiente para não trabalhar um ano, à custa de alguns idiotas. Bem feito para eles. Tentar acenar dinheiro mal intencionado para acabar com o que milhões de outras pessoas gostam é a antítese do que é o Natal. A propósito desta idiotice, a vocalista dos Skunk Anansie, Skin, comentou: "aposto que eles mudariam de ideias quando o dinheiro das royalties começasse a entrar!"
Mas pior que a maldade de tentar impedir os outros de ouvir música que gostam é impedir que os mais necessitados beneficiem do dinheiro que é todos os anos angariado por "Last Christmas". Bem sei que não é um facto muito conhecido, até porque o George Michael ajudava os outros desinteressadamente, sempre com a condição de não ser conhecido como o benfeitor — a maior parte destes casos só foram conhecidos após a sua morte em 2016. Mas a verdade é que o dinheiro das royalties de "Last Christmas" ganho por George Michael é doado a causas humanitárias desde 1984... até aos dias de hoje. Foi a própria família que confirmou esse era o desejo de George, em mais um acto de bondade de um homem que era demasiado boa gente para um mundo tantas vezes cruel para com ele.
George disse em 1985 à revista Smash Hits (as minhas fontes sobre o George Michael são seguras): "Todos os meus lucros de "Last Christmas" vão também para a Etiópia. O Band Aid foi óptimo, mas foi só um dia na vida de toda a gente. Acho que não é suficiente. É impossível não ter uma consciência social sobre estas coisas quando estás a fazer rios de dinheiro. Por isso tentei convencer a editora, CBS, para doar a parte deles dos lucros também, mas eles não quiseram "abrir um precedente". Mas espero que outros artistas no Top 10 de Natal também doem os seus lucros". Que eu saiba, foi só mesmo George Michael a fazê-lo. Saudades do George.
Por isso já sabem, sempre que ouvirem "Last Christmas", para além de ouvirem uma grande música, também estão a ajudar. Não é isso que é o Natal?