A antecipação do novo álbum de Bruce Springsteen - "Letter To You"
No dia 4 de Novembro de 1971 (exactamente 14 anos antes de este que aqui vos escreve nascer), Bruce Springsteen foi ao escritório do produtor Mike Appel em New York, para o convencer a tomar conta da sua carreira. Nessa noite, Bruce mostrou-lhe dois temas: "Baby Doll" e "Song For Orphans". Appel não ficou impressionado. A reunião não deu em nada, mas Bruce não baixou os braços e voltou ao mesmo escritório em Fevereiro do ano seguinte, com um punhado de novos temas na manga. Entre eles estavam "If I Was The Priest", "For You", "It's Hard To Be A Saint In The City", ou "The Angel" (as três últimas voariam para o seu primeiro álbum – “Greetings From Asbury Park, NJ” (1973)). Este lote foi suficiente para convencer Appel, que deixou a promessa a Bruce que, como seu manager, iria ser o bilhete de saída dos confins de New Jersey que ele tanto sonhava. A urgência era tal, que reza a lenda que Bruce assinou um contrato ruinoso com Appel num parque de estacionamento, embriagado, sem sequer o ler. O contrato estipulava que Bruce recebesse uma ínfima parte dos direitos de autor da sua música e que os direitos de publicação fossem exclusivamente da editora, num acontecimento trágico que moldaria a sua carreira discográfica. O resto, como diz o povo, é História.
Foram 48 anos de carreira, 19 álbuns de originais e muitas canções deixadas pelo caminho. Algumas delas foram recolhidas para o vigésimo álbum de Bruce Springsteen, que chegará no próximo mês de Outubro. "Letter To You" é o primeiro disco de Bruce com a E Street Band desde "Working On A Dream" (2012) e foi gravado em apenas 5 dias com a banda em sua casa. Um período inusitadamente curto, para quem sempre obcecou com todos os pormenores do processo de gravação e levou meses ou anos para terminar cada disco. Mas Bruce sabe que já não tem 20 anos e o tempo não está do seu lado. Talvez por isso tenha recuperado temas como "Song For Orphans" (do primeiro meeting com Mike Appel), "If I Was The Priest" (do segundo), ou "Janey Needs A Shooter" (tema das sessões de "Darkness On the Edge Of Town" (1978) oferecido a Warren Zevon), para este disco impulsivo que "Letter To You" parece ser. Não costumo ser fã de regravações de temas antigos, mas com Bruce nunca se sabe, o melhor é esperar para ouvir.
Bruce contou a história das nossas vidas ao longo da sua discografia, com discos para todos os estados de alma e bandas sonoras precisas para todos os momentos, muitas vezes com visões dicotómicas e contrárias sobre o mesmo acontecimento. Uma palete de várias tonalidades de cinzento, tal e qual nós vivemos a nossa vida. Se temos o fervor adolescente de “Born To Run”, retrato fiel da urgência da fuga das raízes em busca dos sonhos da cidade grande, longe de Castelo Branco, perdão, Freehold, New Jersey; temos depois o embate de frente com a realidade em “Darkness On The Edge Of Town”, com a realização que a terra dos sonhos é, afinal, um poço de novos problemas, sem resposta para os antigos, que transportámos connosco o tempo todo. Temos “Nebraska” para a descida ao poço da nossa escuridão e o olhar de frente para os demónios que aí vivem; ao que se seguiu “Born In The U.S.A.”, onde Bruce ligou a luz e dançou com os seus demónios, como uma uma resposta, ainda que inconsequente, para aprender a viver com eles. Temos “The River” para nos ensinar que não há linhas rectas no amor, numa viagem pelos meandros tortuosos de uma relação a dois, ora fervorosos, ora penosos; e temos o colapso dessa relação em “Tunnel Of Love”, com a lição de como tirar o melhor do que vivemos e seguir em frente com os cacos colados. Bruce Springsteen procurou sempre uma abordagem diferente em cada disco e “Letter To You” promete fazer o mesmo, agora com um processo de gravação cru e impetuoso, qual Neil Young, que vai dar uma amostra diferente do control freak ao qual Bruce nos habituou.