segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Os 10 melhores álbuns de 2020

Os Working Men's Club


Chegámos aos últimos dias do ano mais estranho das nossas vidas, tempo para o habitual resumo discográfico do ano. Sem mais demoras, passemos então ao Top dos 10 melhores álbuns que ouvi em 2020 (na verdade são 11), numa selecção com discos para todos os estados de espírito, apropriada para o ano esquizofrénico que agora finda.


0. Neil Young – "Homegrown"

Neil Young lançou a confusão nas minhas listas anuais, ao tirar da gaveta um álbum gravado em 1974, que viu a luz do dia pela primeira vez em 2020. E que álbum. “Homegrown” era a peça que faltava para entender a trilogia Ditch (que afinal é uma quadrilogia) – a fase mais introspectiva e mais fascinante da carreira de Neil Young. Um disco sobre um amor perdido, fechado a sete chaves por ser demasiado pessoal e Neil querer, na altura, seguir em frente com a sua vida. Num ano em que o mundo se viu numa espiral destravada rumo ao abismo, Neil Young resolveu lembrar-nos daquilo que realmente interessa – o amor. Como olhar então para “Homegrown”? É demasiado ancorado a 1974 para ser um disco de 2020, mas grande parte do álbum é música “nova”, completamente desconhecida até este ano e de tal forma superlativa que tinha que ter um lugar nesta lista. Fica então com o número “zero” e serve de prefácio para a contagem dos álbuns lançados no último ano e gravados, enfim, mais recentemente.

Faixa essencial: “Separate Ways”


10. Destroyer – "Have We Met"

Sou fã dos Destroyer desde “Kaputt”, lançado em 2011 e um dos melhores discos da última década. Desde então, Dan Bejar tem tentado abordagens radicalmente diferentes em cada novo álbum, com resultados naturalmente dispersos. O anterior “ken” (2017) fora um trabalho mais de grupo e curiosamente, achei-o menos interessante que este “Have We Met”, que teve uma gestação solitária em duas fases distintas: primeiro, Bejar compôs tudo e gravou as demos sozinho em casa; depois, o baixista dos Destroyer, John Collins, produziu e aumentou as faixas no seu iPad e chamou o habitual guitarrista da banda, Nicolas Bragg, para acrescentar umas linhas de guitarra. Et voilá, um ano antes do ano do lockdown (o álbum foi lançado em Janeiro), os Destroyer fizeram um álbum em isolamento, sobre o isolamento. E o melhor desde “Kaputt”.

Faixa essencial: “Cue Synthesizer”


9. Perfume Genius – "Set My Heart On Fire Immediately"

Comecei a acompanhar o Perfume Genius (Michael Hadreas) em 2014, aquando do seu álbum “Too Bright” e desde então tem sido sempre a subir. "Set My Heart On Fire Immediately" não parece só o culminar de toda a sua discografia e temática anterior, é um cocktail esquizofrénico de influências, uma miríade de estilos que tornariam este parágrafo demasiado penoso de ler, se eu começasse aqui num name-dropping. Também penosa – ou catártica, depende do ponto de vista – é a audição do álbum do princípio ao fim, de uma vez só. Num disco de forma grandiosa, mas conteúdo introspectivo, a intensidade da voz, da lírica e da música, fazem de "Set My Heart On Fire Immediately" um verdadeiro desafio. Sonicamente, o álbum dispara para todas as direções, mas consegue manter um fio condutor etéreo e temático. Viajamos sobre as nuvens, na voz dorida de Hadreas, acompanhando a eterna luta contra a prisão do seu corpo, sempre com o amor como única forma de redenção. Melhor disco da carreira de Perfume Genius.

Faixa essencial: “Describe”


8. Fleet Foxes – "Shore"

Os Fleet Foxes deram as boas vindas ao Outono com o disco perfeito para a ocasião. “Shore” foi lançado exactamente às 13:31 de 22 de Setembro, para coincidir com o Equinócio de Outono – um capricho que soa, e é, muito millennial, mas que mapeia com precisão o posicionamento emocional deste álbum. Segundo Robin Pecknold – cantor, compositor e líder dos Fleet Foxes – é um disco que “celebra a vida diante da morte”. Filho dos fantasmas do lockdown (vamos ter muitos), “Shore” é sonicamente o disco perfeito para o fim de um dia terrível no trabalho, um bálsamo depois da dor. E o melhor álbum da discografia dos Fleet Foxes.

Faixa essencial: “Can I Believe You”


7. Baxter Dury – "The Night Chancers"

O filho de Ian Dury dos Blockheads (temo que Baxter nunca se livrará desta sombra) tem um dos discos mais cool do ano. Lançado antes das trevas do lockdown, "The Night Chancers" lembra-nos de um mundo livre de Covid, em que nem tudo se devia aos fantasmas do confinamento. A estética sónica do álbum leva-nos numa caminhada nocturna pelos bares de Oberkampf (ou do Cais do Sodré, depende do imaginário do ouvinte), enquanto Baxter vai expelindo a sua poesia perversa e libidinosa, sobre linhas de sintetizador que nos sugerem que o perigo se aproxima a qualquer instante, provavelmente sobre a forma de uma mulher. Não é ao acaso que as backing vocals  femininas são um acompanhamento constante ao longo do álbum, como se de vozes na mente de Baxter se tratassem. "The Night Chancers" é uma relíquia das nossas vidas pré-Covid e, sim, também o melhor disco da já longa carreira de Baxter Dury.

Faixa essencial: “I’m Not Your Dog”

 

6. Doves – "The Universal Want"

Parece um conto de fadas – o parente pobre da post-Britpop que já todos tinham esquecido regressa em 2020 para um dos álbuns do ano. “The Universal Want” surge do nada, 11 anos depois do último disco dos Doves e o mais incrível é que este álbum é melhor do que tudo o que precedeu a discografia da banda de Manchester. Carregado de melodias que abraçam o ouvido, riffs que arrepiam a espinha e paisagens sonoras que convidam a ficar, “The Universal Want” não veio reinventar a roda, mas trouxe 10 das melhores composições de 2020. O regresso do ano. 

Faixa essencial: “For Tomorrow”


5. Taylor Swift – "evermore"

Taylor Swift é a mais entusiasmante artista mainstream do momento e para quem ainda tinha dúvidas que a menina Taylor é a melhor compositora da última década, penso que 2020 veio pôr uma pedra sobre o assunto. Para mim, que já era fã da faceta Pop de Taylor, deixou de haver dúvidas acerca do sumo das cancões, quando Ryan Adams extraiu um dos melhores álbuns dos últimos 10 anos a partir dos temas de “1989”. Curiosamente, o caminho que Taylor trilhou desde então vai dar ao encontro dessa mesma sonoridade mais minimalista e é precisamente isso que ouvimos nos dois álbuns que lançou este ano. “folklore” e “evermore” são dois lados da mesma moeda e no futuro deverão ser olhados como um par (tal como “Use Your Illusion I” e “Use Your Illusion II” dos Guns N’ Roses), mas a visão da Taylor Swift é que são dois álbuns distintos e por isso, vou respeitá-la. Para ser justo, ambos os álbuns poderiam figurar nesta lista, mas como não queria repetir artistas, a escolha recaiu no melhor dos dois, que é o mais recente “evermore” – uma colecção pessoal com um tema para cada estado de alma. 

Faixa essencial: “champagne problems”


4. Ryan Adams – "Wednesdays"

A surpresa do ano. Depois de ter sido cancelado em 2019, Ryan Adams regressou este mês com o lançamento-surpresa do álbum "Wednesdays", disco que supostamente seria a segunda parte de uma trilogia programada para 2019 e agora projectada para 2021. "Wednesdays" é um disco que por vezes parece ter saído da fase Ditch de Neil Young, outras vezes passa pelo "Nebraska" de Bruce Springsteen e que tantas vezes evoca o sangue derramado pelo coração de Bob Dylan em "Blood On The Tracks". Se estão hesitantes em ouvir "Wednesdays" por causa do que Ryan Adams terá ou nao terá feito há 10 anos, o meu conselho é seguirem as palavras sábias de Steve Van Zandt - "Confiem na arte, nunca no artista". Gostam do álbum? Não tenham problemas em admitir. #metoo

Faixa essencial: “I'm Sorry And I Love You”


3. Bruce Springsteen – "Letter To You"

Quem diria que Bruce ainda tinha em si um grande álbum para a E Street Band? O maravilhoso "Western Stars" de 2019 mostrou-nos um Bruce envelhecido e confortável na sua pele de ancião, mas sucessivas desilusões em trabalhos com a E Street Band (desde "Magic" de 2007, que não havia um álbum que enchesse as medidas) adivinhavam um lento crepúsculo em da sua sonoridade mais clássica. Tudo isso foi mandado pela janela em 2020, quando Bruce resolveu regressar às origens e fazer um álbum “à anos 70”. Como? Foi à gaveta buscar um punhado de temas que escrevera quando tinha 18 anos. Bruce recuperou “Janey Needs A Shooter”, “Song For Orphans” e “If I Was The Priest”, regravou-os e conseguiu de forma incrível canalizar a energia e a urgência do Bruce adolescente, naquelas que foram para mim as melhores coisas que eu ouvi em 2020. Mas isto sou eu que sou um fã hardcore do Bruce Springsteen, com a perfeita noção de que qualquer coisa que ele faça vai sempre partir da pole position. Dividido em 3 lados, “Letter To You” perde gás no Lado B, prova que teria beneficiado de uma ligeira edição. De qualquer forma, é um disco inesperado de pulmão cheio, que mostra que Bruce ainda está aqui para as curvas.

Faixa essencial: “Janey Needs A Shooter”


2. Daniel Lopatin - "Uncut Gems: Original Motion Picture Soundtrack"

Não é todos os dias que chega um álbum que cria um universo próprio com a sua sonoridade. O exemplo máximo desta efeméride terá sido a banda sonora de “Blade Runner” de Vangelis que, tal como anunciava no filme, começou uma vida nova nas Off World Colonies. Mas se a banda sonora de “Blade Runner” nos atirou para um futuro distante (a partir de 1982) e um espaço infinito, a banda sonora de “Uncut Gems” vira para dentro, para o espaço não menos desconhecido, não menos enigmático e não menos infinito da nossa mente. Daniel Lopatin dá uso a sintetizadores que evocam gigantes do passado Tangerine Dream, Klaus Schulze (e Vangelis, claro) e pintores sónicos do presente, para criar uma paisagem cinemática lustrosa, perfeita para uma obra que vive da soma entre a imagem e o som e submerge o espectador num universo só seu. Lopatin que, curiosamente, usou nesta banda sonora o seu nome próprio, ao invés do seu alter-ego Oneohtrix Point Never, que lancou outro álbum este ano (“Magic Oneohtrix Point Never”), interessante a espaços, mas não tao convincente como “Uncut Gems”. O filme saiu nos últimos dias de 2019, tarde demais para figurar nas listas do ano passado, e é para mim o melhor que vi e ouvi este ano. Com “Letter To You” e o disco que se seguirá na contagem, a banda sonora de “Uncut Gems” forma um tríptico dos meus álbuns favoritos deste ano e honestamente, qualquer um poderia figurar no primeiro lugar.

Faixa essencial: “The Ballad Of Howie Bling”


1. Working Men's Club – "Working Men's Club"

A revelação do ano. Há doze meses, quem é que sabia quem eram os Working Men's Club? Pouca gente, imagino. O compositor e cantor da banda, Sydney Minsky-Sargeant, disse na altura que “o motivo pelo qual não há muitas bandas Rock em voga é porque toda a gente faz a mesma merda. Ninguém pode estar surpreendido que o Rock esteja a morrer”. Entretanto, Syd pôs mãos à obra e os Working Men's Club lançaram um dos melhores singles do ano ("Valleys"), um dos álbuns de estreia mais entusiasmantes do ano (o homónimo "Working Men's Club") e ainda deram o melhor concerto que vi durante a pandemia (no Oslo Hackney em Londres e sim, foi seguríssimo). O corolário terá sido o anúncio este mês como suporte dos New Order, no mega concerto em Heaton Park em 2021. Hoje ainda poucos são os que conhecem as letras de Syd, as linhas de baixo de Liam Ogburn e as pinceladas da guitarra de Mairead O’Connor (a banda mais promissora do norte de Inglaterra ainda nem sequer tem uma página na Wikipedia), mas prevejo que isso mude nos próximos meses, ou pelo menos quando a banda puder voltar à estrada para mostrar o seu primeiro álbum. "Working Men's Club" não é o disco de Rock típico. A fusão com a electrónica confere ao álbum um apelo underground, que funciona melhor debaixo de pouca luz e muitos decibéis. Os acenos ao passado são óbvios, mas nunca distractivos – o álbum começa com um ‘olá’ aos New Order e termina com um ‘adeus’ aos Stone Roses; pelo meio há aromas da pop lustrosa dos Human League, do neo-psicadelismo dos Tame Impala, e da esquizofrenia dos Joy Division, numa palete que tantas vezes parece ter levado o dedo de Martin Hannett (foi Ross Orton quem produziu o álbum). Todos estes acenos funcionam como um veículo e não como um fim em si mesmo. O Syd tem 18 anos e é provável que nem sequer conheça grande parte do reportório que enunciei atrás. Fazer-me lembrar deles é o melhor elogio que lhe posso prestar. Mal posso esperar pelo segundo álbum.

Faixa essencial: “John Cooper Clarke”


Epílogo

A escolha do Top 10 foi difícil, por isso fiquem com mais 9 sugestões (sem nenhuma ordem particular) e uma playlist no Spotify para acomodar tudo:

The Avalanches – We Will Always Love You

Creeper – Sex, Death & the Infinite Void

Fiona Apple – Fetch the Bolt Cutters

IDLES – Ultra Mono

Benjamim – Vias de Extinção

Declan McKenna – Zeros

Fontaines D.C. – A Hero's Death

Sufjan Stevens – The Ascension

Andy Bell – The View From Halfway Down

Run The Jewels - RTJ4

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Tudo é possível quando espalhas as sementes do amor - uma carta a "The Seeds Of Love"

Sentem-se e leiam a (longa) carta de amor que o cronista da NiT escreveu ao terceiro álbum dos Tears For Fears


O álbum mais ambicioso dos anos 80 acaba de ganhar uma edição de luxo, que finalmente faz jus ao espectro maior que a vida que os 50 minutos originais apenas conseguiram arranhar. Se os anos 60 tiveram "Smile" dos The Beach Boys e os anos 00 tiveram "Chinese Democracy" dos Guns N’ Roses, os anos 80 tiveram "The Seeds Of Love" e, nesta categoria dos álbuns impossíveis de resolver, “Seeds” foi o único novelo que se desatou.

Espalhando as sementes de "The Seeds Of Love"

Depois 4 anos em gestação, um rodopio de produtores a entrar e sair do estúdio e mais de um milhão de libras gastos (um recorde à data), "The Seeds Of Love" viu finalmente a luz do dia em Setembro de 1989, revelando uma sonoridade orgânica, completamente nova, para desilusão de alguns e espanto de todos. “Onde é que estão os sintetizadores?”, perguntaram os ouvintes mais belenenses, ávidos de sucessores de "Shout", "Everybody Wants To Rule The World" e "Head Over Heels". Os sintetizadores desapareceram, para dar lugar a instrumentos reais e pinturas sónicas sistinas. “Para criar algo de novo, é preciso destruir primeiro”, disse Roland Orzabal acerca de Seeds. "É um processo doloroso e moroso, mas ultimamente necessário". 

A criação de "The Seeds Of Love" foi de tal forma dolorosa, que minou a relação do duo Curt Smith / Roland Orzabal e, em última instância, acabou por destruir os Tears For Fears. Curt foi posto de lado no processo criativo e até no disco foi substituído no baixo por Pino Palladino e na voz por Oleta Adams. Curiosamente, tinha sido Oleta a luz que iluminara o caminho da mudança para os Tears For Fears.

Foi num fim de noite em Kansas City, a meio de uma extenuante digressão americana que parecia nunca ter fim, que os Tears For Fears viram a luz. Estávamos em Junho de 1985, em pleno auge do sucesso de "Songs From the Big Chair", mas para Roland e Curt, a cada concerto as músicas soavam cada vez mais estáticas e monótonas. Ninguém se divertia em palco. Quando viram Oleta Adams a ferver ao piano de um bar, no hotel onde estavam hospedados, Roland e Curt ficaram vidrados. Como é que ela imprimia tanta paixão e intensidade na sua música, só com um piano e perante um dúzia de pessoas, ao passo que eles sentiam que os seus concertos eram apenas mais uma noite no escritório, perante salas esgotadas de 12 mil pessoas? “Porque é que não nos conseguimos divertir assim?”, indagou Roland. Foi o ponto de partida para a revolução de "The Seeds Of Love".

A direcção estava escolhida, mas o caminho foi tortuoso. Foram 4 anos de trabalho árduo de estúdio, de fazer e desfazer, baralhar e voltar a dar, que produziram uma miriade de visões e versões alternativas, que agora podemos ouvir, neste espreitar por trás da cortina das lendárias sessões de Seeds, que é esta edição de luxo. 

A bíblia dos sonhos

Em 2020, chega finalmente a tão esperada edição de luxo de "The Seeds Of Love". Depois de 5 anos a ser empurrado em sucessivos adiamentos, o terceiro álbum dos Tears For Fears vai finalmente receber o tratamento expansivo que tanto merecia, numa caixa com 4 CDs e 1 Blu-Ray, lançada esta semana.

A caixa traz a habitual remasterização do álbum no primeiro disco e a colectânea completa dos lados B no segundo. Mas a jóia da coroa são dois discos carregados de faixas de improviso em estúdio, num pequeno olhar sobre estas lendárias sessões, das quais, segundo consta, resultaram mais de 24 horas de fitas guardadas na cave de Roland Orzabal. Infelizmente, “só” (!) vamos ter acesso a 3 horas destas cassetes. Digo isto porque passei os últimos dias completamente imerso nas sessões de Seeds e, ao fim das 3 horas, estou como o miúdo incauto a quem ofereceram um gelado - “o que é que se diz?” Quero mais!

"The Seeds Of Love" é talvez o disco mais imaculadamente produzido que eu já ouvi, onde todos os detalhes da paisagem sónica foram obsessivamente analisados. É absolutamente fascinante perceber como é que estas peças de fino recorte evoluíram, desde a fase embrionária das primeiras gravações caseiras, passando pelo improviso orgânico do estúdio, até à versão polida que ouvimos no álbum. Pelo meio, somos brindados com algumas pérolas instrumentais, como a Early Mix do hit "Sowing The Seeds Of Love", que põe a nu todas as texturas com se coseram este disco. As versões instrumentais são, aliás, uma das delícias que povoa esta caixa e que nos permite apreciar o magnífico trabalho de estúdio dos Tears For Fears.

Por entre a inúmeras preciosidades que aqui encontramos, tenho que ressaltar as tão antecipadas versões dos TFF de "Rhythm Of Life" — tema que acabou por ficar fora dos álbum e como tal foi oferecido a Oleta Adams, que o lançou como single de avanço do seu álbum de estreia "Circle Of One" (que também vale a pena ouvir). Ouvimos primeiro a demo caseira de Roland Orzabal e depois a deliciosa versão de improviso nos Townhouse Studios. Uma pena que "Rhythm Of Life" não tenha chegado à versão final. Mas honra seja feita aos Tears For Fears, se há uma conclusão que se pode tirar deste mergulho nas sessões de Seeds, é que as decisões tomadas na produção da versão final do álbum foram quase todas acertadas. Mesmo tendo em conta alguns lados B superlativos, casos do inquieto "Always In The Past", do atmosférico "Music For Tables", ou das infusões de World Music em "Tears Roll Down" e de Hip Hop (!) em "Johnny Panic And The Bible Of Dreams" — todos eles reunidos no segundo disco desta caixa.

As jam sessions e as sessões abortadas com os produtores rotativos (temos até uma versão Hip Hop do Rocker "Year Of The Knife"!) surgem no terceiro e quarto discos e são, sem dúvida, o ponto alto desta caixa. É como escreve em cima – chegamos ao fim e ficamos com vontade de mais. Ou então sou eu, que sou gajo para mamar as 24 horas dos Tears For Fears a improvisar sobre temas como "Badman’s Song", ou "Standing On The Corner Of The Third World". Não esquecer ainda a nova remistura do álbum em surround pelo mestre sónico do Prog, Steven Wilson, sobre a qual eu ainda não me posso pronunciar, uma vez que o meu sistema de som só está preparado para o stereo. Mas os especialistas já ouviram e aprovaram.

The sun and the moon, the wind and the rain

Esta reedição dá-me também a oportunidade de dizer tudo aquilo que eu sinto por este álbum. E ó, meu Deus, há tantos sentimentos para falar. Amo "The Seeds Of Love" como umas meias quentinhas num dia de inverno. Nem de propósito, como o dia londrino em que vos escrevo. Porque é exactamente isso que este álbum representa — aconchego, conforto e segurança —, um disco tão quentinho que só apetece abraçar. E tudo isto veiculado numa expressão artística visceral, de perfeita comunhão com o universo, por via de uma lírica preenchida com simbologia dos astros e dos elementos — "O sol e a lua, o vento e a chuva" ("The sun and the moon, the wind and the rain") — uma expressão repetida em nada menos que três dos oito temas do álbum e que visa transcender a complexa condição humana, ao infinito que nos rodeia.

"The Seeds Of Love" é um dos álbuns da minha vida, mas ao contrário da maioria dos restantes desse panteão, importantes numa determinada fase e depois desvanecidos no tempo e na memória, Seeds tem a particularidade de ver o meu apreço crescer com o passar dos anos. Como um bom vinho. Demorei anos a aquecer para o caos jazzista de "Badman's Song" no Lado A, mas hoje, aqueles 9 minutos passam a correr. A inocência deliciosa de "Advice For The Young At Heart" ainda me derrete o coração. E sequência etérea do Lado B, desde "Standing On The Corner Of The Third World", até "Famous Last Words" toca como a banda sonora do meu porto seguro, longe no espaço e no tempo de tudo que é stress, problemas e desamores. “Dreaming I was safe in life, like mussels in a shell”, canta Roland em "Standing On The Corner Of The Third World", numa linha que resume toda a atmosfera do álbum "The Seeds Of Love".

Deixemo-nos de falsas modéstias — o arco discográfico dos Tears For Fears nos anos 80 é nada menos que perfeito. Começando na sonoridade urbana e contraída (agora tão em voga) da Synthpop de "The Hurting" (1983), passando para o big sound TrevorHorniano de "Songs From The Big Chair" (1985), e terminando na cataplana de fusão de Jazz, Sould, Rock, Psicadelismo, Hip Hop e World Music que foi "The Seeds Of Love", todas as disciplinas dos anos 80 foram dominadas pelos Tears For Fears. Neste árido contexto pandémico, nada melhor que saciar a nossa sede de emoções, nesta palete de sons, cores e sabores que é a caixa de "The Seeds Of Love".

domingo, 13 de setembro de 2020

A longa carta de Bruce Springsteen

A antecipação do novo álbum de Bruce Springsteen - "Letter To You"


No dia 4 de Novembro de 1971 (exactamente 14 anos antes de este que aqui vos escreve nascer), Bruce Springsteen foi ao escritório do produtor Mike Appel em New York, para o convencer a tomar conta da sua carreira. Nessa noite, Bruce mostrou-lhe dois temas: "Baby Doll" e "Song For Orphans". Appel não ficou impressionado. A reunião não deu em nada, mas Bruce não baixou os braços e voltou ao mesmo escritório em Fevereiro do ano seguinte, com um punhado de novos temas na manga. Entre eles estavam "If I Was The Priest", "For You", "It's Hard To Be A Saint In The City", ou "The Angel" (as três últimas voariam para o seu primeiro álbum – “Greetings From Asbury Park, NJ” (1973)). Este lote foi suficiente para convencer Appel, que deixou a promessa a Bruce que, como seu manager, iria ser o bilhete de saída dos confins de New Jersey que ele tanto sonhava. A urgência era tal, que reza a lenda que Bruce assinou um contrato ruinoso com Appel num parque de estacionamento, embriagado, sem sequer o ler. O contrato estipulava que Bruce recebesse uma ínfima parte dos direitos de autor da sua música e que os direitos de publicação fossem exclusivamente da editora, num acontecimento trágico que moldaria a sua carreira discográfica. O resto, como diz o povo, é História. 

Foram 48 anos de carreira, 19 álbuns de originais e muitas canções deixadas pelo caminho. Algumas delas foram recolhidas para o vigésimo álbum de Bruce Springsteen, que chegará no próximo mês de Outubro. "Letter To You" é o primeiro disco de Bruce com a E Street Band desde "Working On A Dream" (2012) e foi gravado em apenas 5 dias com a banda em sua casa. Um período inusitadamente curto, para quem sempre obcecou com todos os pormenores do processo de gravação e levou meses ou anos para terminar cada disco. Mas Bruce sabe que já não tem 20 anos e o tempo não está do seu lado. Talvez por isso tenha recuperado temas como "Song For Orphans" (do primeiro meeting com Mike Appel), "If I Was The Priest" (do segundo), ou "Janey Needs A Shooter" (tema das sessões de "Darkness On the Edge Of Town" (1978) oferecido a Warren Zevon), para este disco impulsivo que "Letter To You" parece ser. Não costumo ser fã de regravações de temas antigos, mas com Bruce nunca se sabe, o melhor é esperar para ouvir.


O primeiro tema já aí está. "Letter To You" tem a sonoridade pós-clássica da E Street Band (isto é, pós-90s) e só lhe falta mesmo o solo de saxofone de Clarence Clemons (que já cá não está desde 2011) no fim, para encher o coração. Espera-se que aí venha mais um grande álbum. Não que eu já tenha terminado de ouvir o último. “Western Stars” (2019) foi uma obra-prima tardia e inesperada, que ainda continua em altíssima rotação na banda sonora da minha vida. Numa discografia cheia de obras-primas, todas diferentes, "Western Stars" destaca-se pelo olhar ancião da vida, com histórias de homens e mulheres rasgados pelo tempo, pelo amor e pelo desgosto. Desde “Greetings”, foi uma longa viagem até aqui.

Bruce contou a história das nossas vidas ao longo da sua discografia, com discos para todos os estados de alma e bandas sonoras precisas para todos os momentos, muitas vezes com visões dicotómicas e contrárias sobre o mesmo acontecimento. Uma palete de várias tonalidades de cinzento, tal e qual nós vivemos a nossa vida. Se temos o fervor adolescente de “Born To Run”, retrato fiel da urgência da fuga das raízes em busca dos sonhos da cidade grande, longe de Castelo Branco, perdão, Freehold, New Jersey; temos depois o embate de frente com a realidade em “Darkness On The Edge Of Town”, com a realização que a terra dos sonhos é, afinal, um poço de novos problemas, sem resposta para os antigos, que transportámos connosco o tempo todo. Temos “Nebraska” para a descida ao poço da nossa escuridão e o olhar de frente para os demónios que aí vivem; ao que se seguiu “Born In The U.S.A.”, onde Bruce ligou a luz e dançou com os seus demónios, como uma uma resposta, ainda que inconsequente, para aprender a viver com eles. Temos “The River” para nos ensinar que não há linhas rectas no amor, numa viagem pelos meandros tortuosos de uma relação a dois, ora fervorosos, ora penosos; e temos o colapso dessa relação em “Tunnel Of Love”, com a lição de como tirar o melhor do que vivemos e seguir em frente com os cacos colados. Bruce Springsteen procurou sempre uma abordagem diferente em cada disco e “Letter To You” promete fazer o mesmo, agora com um processo de gravação cru e impetuoso, qual Neil Young, que vai dar uma amostra diferente do control freak ao qual Bruce nos habituou.

A lírica de "Letter To You" é ostensivamente autobiográfica, marcando uma viragem do tipo de narrativa do passado. Em vez de contar a nossa história (muitas vezes através da sua e dos que o rodeavam), Bruce conta agora a sua própria história, dirigindo-se em discurso directo aos seus fãs: "Things I found out through hard times and good / I wrote 'em all out in ink and blood / Dug deep in my soul and signed my name true / And sent it in my letter to you". Se eu não conhecesse melhor o Bruce, diria até que parece uma carta de despedida. Mas sabendo da sua incapacidade de parar, espero que seja apenas mais um capítulo da longa carta que nos tem escrito desde 1973.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

"Homegrown": Uma viagem com Neil Young ao fim da linha do amor


Neil Young tinha tudo. O sucesso de "Heart Of Gold" e do respetivo álbum "Harvest" catapultaram-no para o lugar que todos os artistas ambicionam quando começam na música. Mas com o sucesso, vieram os problemas e ficaram as perguntas. Sobre este período, Neil escreveu nas notas de "Decade", em 1977: "Heart Of Gold pôs-me no meio da estrada. Viajar ali rapidamente se tornou aborrecido, por isso dirigi-me para o fosso". O "fosso" foi um período de dois anos (1973/1974) em que Neil lidou com os fantasmas do sucesso ("Time Fades Away"), a morte dos amigos ("Tonight's The Night"), a alienação do Mundo à sua volta ("On The Beach") e, sabemos agora, o heartbreak ("Homegrown"). "Homegrown" é por isso o elo que faltava para melhor perceber a trilogia do fosso, que afinal é uma quadrilogia e ilustrar o período mais negro da vida de Neil Young, berço do seu espólio mais fascinante.

"Homegrown" é o primeiro álbum perdido de Neil Young. Depois deste, muitos outros se seguiriam (já lá vamos). Gravado em 1974 e inspirado pelo falhanço da relação com a atriz Carrie Snodgress, NY achou que as canções eram demasiado pessoais para serem partilhadas com o público. "Assustei-me ao ouvir o álbum", disse Neil. O disco foi para a gaveta e lá ficou desde 1974. Muitas destas músicas seriam regravadas e lançadas em álbuns subsequentes, espalhadas para esconder um todo demasiado introspectivo. "All you have is memories of happiness / Lingerin' on". Esta é a primeira vez que as podemos ouvir como originalmente foram estruturadas.

O timing é curioso. Enquanto o mundo está numa espiral destravada rumo ao abismo, Neil Young resolve tirar da gaveta um álbum sobre um amor perdido em 1974. Amor. Lembram-se? Amor em tempos de Covid parece uma relíquia do passado, perdida longe no tempo. Ou como profetizava o David Bowie no "Under Pressure", "love is such an old fashioned word" ("amor é uma palavra tão antiquada"). É um cliché de agora dizer-se que determinada coisa chegou na altura certa. Creio que é uma serendipidade à qual nos convencemos, para dar algum significado à nossa vazia existência eremítica em tempos de lockdown. Eu vou virar a moeda duas vezes e digo que "Homegrown" chega na altura certa porque chega na altura errada. Falar de amor numa altura que o mundo está numa guerra civil global, por estar mal resolvido com o seu passado, parece um exercício tão vazio como as nossas vidas em lockdown. Por isso é que eu amo o Neil Young. Por isso é que ele é genial. Porque mesmo sendo um activista agressivo, ele não se esquece do que realmente importa e do que de facto molda as nossas vidas - o amor. Mas divago.

O pedal steel no primeiro tema de "Homegrown" coloca-nos imediatamente nas paisagens bucólicas de "Harvest". Mas aqui não há prados verdes, nem canaviais a perder de vista. O que há é um coração partido, que vai sangrar durante 12 temas sobre heartbreak. "We go our separate ways / lookin' for better days". Neil Young diz que "Homegrown" é o elo que faltava entre "Harvest", "Comes A Time" e "Harvest Moon" - os álbuns mais melódicos da sua discografia. Eu digo que "Homegrown" é o "Harvest" no fosso. Neil Young leva-nos na sua viagem ao fim da linha do amor, por cartas nunca enviadas a Carrie Snodgress.

Para perceber de onde Neil vem quando chega a "Homegrown", temos que rebobinar um bocadinho. Depois do aclamado "Harvest", seguiu-se o abrasivo "Time Fades Away", um álbum ao vivo gravado na mega-digressão de "Harvest", em que o público apareceu aos milhares para ouvir os hits, mas que em vez disso, levou com músicas que nunca tinham ouvido antes, de uma banda onde ninguém suportava ninguém. "Um documento de quando estás perdido", disse Neil Young sobre "Times Fade Away".

Se "Time Fades Away" foi o despiste para o fosso, "Tonight's The Night" foi a catarse. Carregado de notas erradas e desafinações, o álbum é um exercício de perguntas e lamentações sobre a morte dos amigos Bruce Berry e Danny Whitten para a heroína. É um disco que procura a verdade da música na sua interpretação crua, ao primeiro take, ao invés do polimento de estúdio. Mas tal como aconteceria com "Homegrown", quando acabou de gravar o álbum, Neil Young achou que era demasiado pessoal e decidiu arquivá-lo e gravar o próximo. O próximo seria "On The Beach".

"On The Beach" é, digo eu, a obra-prima de Neil Young. Foi em "On the Beach" que Neil nos atirou um arpão ao coração, quando fez a si mesmo a pergunta: se eu tenho tudo o que sempre quis, porque é que não sou feliz? "Though my problems are meaningless, that don't make them go away." Nunca consegui encontrar a resposta.

As perguntas em "Homegrown" são menos filosóficas, mas não menos importantes. Porque é que o amor não resulta? ("Love Is A Rose") Como lidar com aquela pessoa que amámos e que já não conhecemos? ("Vacancy") Como é que se lida com a desilusão?  ("Star Of Betlehem") Por que trilhamos caminhos diferentes dos que amamos? ("Separate Ways") Fugir é a resposta? ("Mexico") Como é que se parte para um novo amor sem deixar o passado para trás? ("Try") Neil Young faz as perguntas, mas tal como em "On The Beach", não dá as respostas. Não as dá porque não as tem e porque também não é esse o objectivo. O corolário aqui é enfrentar as questões que evitamos para viver o dia-a-dia com o mínimo de sanidade mental. Mas Neil Young não é diferente e tal como nós, também ele evitou as questões que colocou a si mesmo e atirou o álbum para o fundo da gaveta. Como "Homegrown" era ainda mais pessoal, Neil decidiu então lançar "Tonight's The Night". "Homegrown" ficou para trás. Até agora.

Estará assim finalmente completa a discografia do fosso? Talvez não. Segundo uma lista de 29 (!) projectos que Neil Young partilhou no seu site, que ficaram na gaveta ao longo da sua carreira, ainda falta ouvir "Homefires", que supostamente vai incluir faixas como "Deep Forbidden Lake" (lançado mais tarde em "Decade"), ou as versões originais de "Hawaii" e "Give Me Strength", que ouvimos pela primeira vez na sua regravação para "Hitchiker" em 1976, álbum esse que, adivinhem, também ficou na gaveta até 2017. Não admira, pois, que a discografia de Neil Young pós-Harvest seja uma amálgama incoerente de álbuns que não fazem justiça à qualidade do trabalho que ele produzia. Todos os estes cancelamentos só mostram um artista que, na busca da verdade, procura, talvez até demais, a perfeição. Tanto na música como na vida.

Enquanto escrevo as linhas finais desta review, o carteiro toca-me à porta. É a minha cópia do "Homegrown" em vinil. Esta, o Neil Young já não pode cancelar.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

"The Slow Rush": O longo bocejo dos Tame Impala



Kevin Parker disse recentemente que terminar um álbum era o seu maior martírio. Ao ouvir “The Slow Rush”, percebe-se porquê. Deve ser aborrecido ter que mascarar a falta de ideias com camadas e camadas de pós-produção. Longe vão os tempos em que os Tame Impala apresentavam uma sonoridade entusiasmante e acima de tudo, ideias.

Em "The Slow Rush", tudo parece ter saído da mesma fórmula: pôr um beat, enfeitar a faixa com uma barragem de efeitos sonoros e distorções canalizadas pelos seus sintetizadores. Melodias? É preciso uma lupa para encontrar uma fundação que agarre as canções.

Quando Kevin Parker mudou o rumo dos Tame Impala em "Currents" (2015) para uma sonoridade mais orientada para a dança, percebeu-se que isso se deu a uma explosão criativa e ao esgotamento da fonte de onde vieram "Innerspeaker" e "Lonerism" (ainda a obra-prima de Kevin Parker). Kevin queria os beats e apareceu munido de pérolas Pop como "The Less I Know The Better", "Cause I’m A Man", ou até a amálgama de ideias que resultou no épico "Let It Happen". Isto? Isto não é nada. A não ser um grande bocejo de falta de ideias. Se eu quiser ouvir beats aborrecidos que não vão a lado nenhum, ponho na Orbital.

As coisas melhoram um bocadinho lá para o fim. Salvam-se "Tomorrow’s Dust", "Lost In Yesterday" e "Is It True", como temas que poderiam constituir um "Currents Parte 2". Mas só isso. E a crua verdade é esta: os melhores momentos de "The Slow Rush" são memórias de highlights de álbuns anteriores. Não há nada de novo para ouvir aqui. O álbum lida com os desafios do tempo; mas 5 anos não chegaram para Kevin Parker criar algo de novo, ou sequer interessante.

Formulaico e aborrecido. Suponho que os fãs hardcore dos Tame Impala possam tirar alguma satisfação disto, só pelo prazer de voltar a ouvir música de Kevin Parker. Não vão é ouvir grande coisa. Consta que Kevin Parker perdeu os seus instrumentos no incêndio de Malibu em 2018. Ao ouvir “The Slow Rush”, parece que queimou as ideias também.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Hooks — As 10 melhores linhas de baixo de Peter Hook

"I'm one of the few people who lives what's called a Low-Life"



Um dos meus heróis faz hoje 64 anos. Peter Hook foi o baixista dos Joy Division e dos New Order, mas o seu papel era muito mais do que ser simplesmente "o baixista". Era dele que vinham as linhas de baixo sobre as quais foram construídos muitos dos temas que todos conhecemos e amamos dos JD e dos NO. "Love Will Tear Us Apart"? Começou com um riff do Hooky. "Transmission"? Idem. "Ceremony"? Mais um hook do Hooky. 

A juntar a tudo isto, Peter Hook foi o gajo mais cool dos anos 80. E sim, estou a contar com esses todos. Um badass que fez o baixo parecer um ceptro. No dia do seu aniversário, recordemos então as 10 melhores linhas de baixo do Peter Hook. 10 hooks do Hooky.

10. New Order — "Blue Monday" (12" single, 1983)

https://www.youtube.com/watch?v=LQaehcfXvK0

Ao contrário da maioria dos temas desta lista, o "Blue Monday" não foi construído à volta da linha de baixo do Hooky, mas vale uma entrada porque aquela linha do "don-don-don-don-don-don-don-don-don-don-don" (são onze, eu contei) é uma das mais icónicas e mais instantaneamente reconhecíveis linhas de baixo de sempre.

9. Joy Division — "Shadowplay" ("Unknown Pleasures", 1979)

https://www.youtube.com/watch?v=yPt3-lB5Lsc

"Shadowplay" é o exemplo perfeito de como as canções nos Joy Division eram construídas à volta do que quer saía do baixo do Hooky. Também como muitos outros temas dos JD, "Shadowplay" começa calmo e apenas com o baixo de Peter Hook e depois cresce e torna-se num monstro maníaco, com a guitarra de Bernard Sumner a rasgar a paisagem apoiada na melodia do baixo. Tema monstruoso.

8. New Order — "Dreams Never End" ("Movement", 1981)

https://www.youtube.com/watch?v=78To_JhbmT0

O primeiro tema do primeiro álbum dos New Order começa com uma linha de baixo do Hooky, a qual segura e conduz todo o tema. Também é um dos poucos temas cantados por Peter Hook, antes da banda se aperceber que a voz do Barney era, obviamente, muito melhor. Principalmente ao vivo, fora da capa do senhor Martin Hannett, como podem constatar pelo vídeo em cima.

7. New Order — "Sunrise" ("Low-Life", 1985)

https://www.youtube.com/watch?v=krDVGJacmmY

Peter Hook perdeu protagonismo na passagem dos New Order para um estilo mais electrónico ao longo dos anos 80. Muito dos temas outrora construídos à volta dos hooks do seu baixo passaram a ser conduzidos por loops saídos das drum machines de Gillian Gilbert. Mas nem todos. A pegada de Hooky continuou pesada e apareceu em temas como "Sunrise", fundado num riff monstro que nos é atirado à cara ao longo de toda a canção. Adoro o álbum "Low-Life". Para mim, é este o pico dos New Order. Logo a seguir viria o Robie com as 8 palavras fatídicas...

6. New Order — "Leave Me Alone" ("Power, Corruption And Lies", 1983)

https://www.youtube.com/watch?v=THdLMFzJjG0

O álbum "Power, Corruption And Lies" tinha tudo para ser a consagração dos New Order. Na ressaca do sucesso de "Blue Monday", a banda estava em ponto de rebuçado para conquista do mundo. Mas em vez de procurar a unanimidade dos hits transversais, como outros dos seus pares da altura (estou a olhar para vocês, Simple Minds), os New Order escavaram ainda mais na sua idiossincrasia sonora. "Leave Me Alone" fecha o álbum e parece que quer deixar esta mesma mensagem subliminar. Fim de festa para os New Order. De volta à cave.

5. New Order — "The Perfect Kiss" (12" single, 1985)

https://www.youtube.com/watch?v=x3XW6NLILqo

Peter Hook é taxativo a identificar o momento do fim dos New Order. Quando a banda de Manchester foi convidada a gravar um tema para banda sonora de Pretty In Pink, a editora pressionou a que o produtor John Robie fosse ao estúdio dar uma ajuda nas sessões de gravação. Foi aí que Robie se saiu com as 8 palavras que — segundo Hooky — acabaram com os New Order: "Bernard, you know you're out of tune, right?". Os New Order não acabaram, mas deixaram de ser aquela força imprevisível de onde tudo era possível. Não é surpresa por isso que o tema mais recente desta lista seja o último a ser gravado antes das sessões produzidas por John Robie.

"The Perfect Kiss" é o melhor exemplo de como Peter Hook tomou partido da ascensão da sonoridade electrónica na música dos New Order. Hooky passou a ter mais liberdade para pintar as canções com linhas de baixo mais eloquentes e imaginativas. Já vimos o caso mais célebre no número 10 desta contagem ("Blue Monday"), mas a melhor linha de baixo de todas desta era foi a de "The Perfect Kiss"; simultaneamente o meu tema favorito dos New Order (na sua versão 12" — importante pormenor) e o vídeo onde Hooky apresenta o estilo que eu certamente adoptaria se tivesse vivido nos anos 80. Só duvido que seria tão cool como o Hooky.

4. New Order — "Age Of Consent" ("Power, Corruption And Lies", 1983)

https://www.youtube.com/watch?v=k_c6Tt__grQ

É o tema favorito de Peter Hook nos New Order e é fácil perceber porquê. Abre o álbum mais sólido da banda às cavalitas de uma das suas melhores linhas de baixo.

3. New Order — "Ceremony" (single, 1982)

https://www.youtube.com/watch?v=ldxQA9W2474

Peter Hook, Bernard Sumner e Stephen Morris gravaram 3 versões diferentes de "Ceremony": a primeira, ainda com Ian Curtis, sob o condado dos Joy Division, o qual foi o último tema da banda; a segunda, só os três, lançada como o primeiro single dos New Order com a capa verde e dourada; e a terceira, já com Gillian Gilbert, também lançada em single. mas com a capa branca e azul-água. A melhor de todas, perdoem-me os puristas, é a última. O riff de Hooky é ligeiramente diferente e a sonoridade dos New Order já lá está.

2. Joy Division — "Love Will Tear Us Apart" (single, 1980)

https://www.youtube.com/watch?v=zuuObGsB0No

Como tantos temas dos Joy Division, "Love Will Tear Us Apart" nasceu de uma linha de baixo de Peter Hook. Ian Curtis pediu-lhe para repetir o riff que tinha acabado de ouvir, pegou na guitarra e o resto é história.

1. Joy Division — "Transmission" (single, 1979)

https://www.youtube.com/watch?v=6dBt3mJtgJc

Uma das grande inovações na sonoridade dos Joy Division nasceu de necessidade. As linhas de baixo proeminentes de Peter Hook surgiram do facto do seu amplificador ser muito mau e essa ser a única forma de ele se ouvir quando tocava ao vivo nos primeiros tempos dos Warsaw e Joy Division. O seu baixo acabaria por tomar conta das melodias dos JD, enquanto que a guitarra de Barney adicionava as texturas.
De acordo com o próprio Hooky, o primeiro tema que a banda tocou num pub e fez a audiência baixar as pints e olhar para o palco foi "Transmission", o arquétipo da canção dos Joy Division construída à volta de um hook de Peter Hook, esfregado na cara do início ao fim da canção. Fenomenal.

A playlist:

Para vossa comodidade, está tudo organizadinho num playlist do Spotify. Não têm de quê.


https://open.spotify.com/playlist/74iTtUcUkRFb9HxPh4D3DW?si=7h2kLxu9QQqhRlGT9mEqDA

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

O melhor e o pior de sempre do Rock In Rio Lisboa

Quem foram os Freddie Mercurys e os Adam Lamberts nos 16 anos de Rock In Rio Lisboa

“Se a vida começasse agora e o mundo fosse nosso outra vez”

Há 17 anos, Roberta Medina aterrou em Lisboa com um sonho. O sonho era organizar em Portugal um Rock In Rio, um dos maiores icónicos festivais de música do mundo. Era uma nova vida que começavam para Roberta, que tinha como objectivo conquistar o mundo outra vez. Ela encontrou muitos percalços pelo caminho, mas não restam dúvidas que o sonho do Rock In Rio Lisboa foi concretizado.

Para Portugal, foi uma revolução. Tudo mudou no que a festivais diz respeito. A chegada do Rock In Rio levantou a bitola e obrigou a que a concorrência tivesse que se adaptar para sobreviver. O Rock In Rio provou que era possível trazer para Portugal nomes como Paul McCartney, algo iniminaginável no passado. Até nas pequenas coisas, o festival marcou a diferença. Por exemplo, provou que era possível ter casas de banho dignas num festival de música. Obrigado por tudo, Roberta.

Na antecâmara da décima edição do Rock In Rio Lisboa (nona, se descontarmos a mini-edição do ano passado), vamos fazer um resumo do que a Roberta nos trouxe na últimas duas décadas, começando pelo melhor e deixando o pior para o fim. Vamos também identificar quem é que foram os Freddie Mercurys e os Adam Lamberts de cada edição do Rock In Rio Lisboa. Comecemos então com o crème de la crème.

1. 2004

O grande triunfo de Roberta Medina. A primeira edição continua imbatível. Roberta quis impressionar os portugueses e não teve mãos a medir para conseguir para o "melhor festival do mundo", um cartaz do outro mundo. Começando pelo quase-milagre de ressuscitar uma banda que na altura estava morta — os Guns N’ Roses (que acabaram por cancelar e ser — bem — substituídos pelos Foo Fighters). Houve um histórico dia de Metal que marcou a reconciliação dos Metallica com o público português e foi o primeiro de uma série de concertos anuais na década que se seguiu. O dia Pop teve a sua princesa — Britney Spears; o lendário Peter Gabriel apareceu apareceu dentro de uma bola saltitona.
O corolário chegou no último dia, o qual teve um rodízio que juntou Sting, Alicia Keys, Alejandro Sanz, Ivete (pois claro), Luis Represas e Pedro Abrunhosa (ufa) a, atentem, 110 mil pessoas. Foi uma maratona que terminou às 4 da manhã e só porque alguém da Câmara de Lisboa ameaçou desligar a ficha. E não, não me esqueci, o Rock in Rio teve Paul McCartney num "Dia Zero" só para ele. Paul. McCartney. Um Beatle! No Rock In Rio. 'Nuff said.
Freddie Mercury: Paul McCartney, obviamente. Mas atenção ao show dos Metallica.
Adam Lambert: Black Eyed Peas. O que é que foi aquilo?

2. 2012

E à quinta edição, finalmente Bruce Springsteen. Aleluia. Aleluia. O Senhor seja louvado, as nossas preces foram ouvidas. O maior showman do planeta veio a Lisboa converter os infiéis à sua religião e mudou as vidas das 80 mil pessoas que entraram naquele dia no Parque da Bela Vista, sem saber o que as esperava. Vadios como nós, nascemos para correr.
E calma, que não foi tudo. Importa referir que esta edição viu a (merecida) redenção do maior saco de pancada da crítica dos 10 anos anteriores — os Limp Bizkit. O Parque da Bela Vista já estava à pinha a umas inauditas 5 da tarde, para se deixar enrolar (!) nos hits dos Bizkit. E isto foi só o início de um dia "Revenge Of The 90s" encabeçado pelos Smashing Pumpkins, que também teve Offspring e Linkin Park. Ah, o regresso ao pátio do liceu. Onde é que estão os Skunk Anansie e os Guano Apes?
O primeiro dia teve os obrigatórios Metallica a tocar o Black Álbum na íntegra e o dia de Stevie Wonder teve Bryan Adams a roubar-lhe os holofotes com uma performance olímpica. A Ivete desta feita apareceu no dia de Lenny Kravitz porque, como sabemos, a raiz quadrada de “Fly Away” é o “Arerê” .
Freddie Mercury: Bruce Springsteen. Ou não fosse Freddie o nome do meio do Bruce. True story.
Adam Lambert: Maroon 5. Provavelmente o maior embuste que se auto-intitula "banda Rock".

3. 2006

A segunda edição viu Roberta ter a árdua tarefa de igualar as expectativas do primeiro ano. O bonito sonho chamado Pink Floyd foi desfeito, uma vez que Roger Waters não conseguiu convencer o David Gilmour, na ressaca do glorioso comeback no Live 8. Foi então o Roger pregar sozinho o "The Dark Side Of The Moon" na íntegra para o Mundo, com paragem na Bela Vista.
Os Red Hot Chili Peppers incendiaram o festival com o então novíssimo "Stadium Arcadium", naquela que seria a despedida de John Frusciante dos palcos (voltaria à banda no ano passado).
O dia Pop teve a então mega estrela Shakira, que apareceu no jornal da noite da SIC a falar português para deleite do público. Ah e a Roberta lá conseguiu finalmente trazer os Guns N’ Roses. Não foram bem os Guns N’ Roses, mas pelo menos o Tio Axl veio em grande forma.
Freddie Mercury: Roger Waters. Ou como ele próprio se intitula — "o génio criativo dos Pink Floyd" e "o inventor do espectáculo Rock". Ganda Roger.
Adam Lambert: Sting. Foi o patriarca das 110 mil pessoas em 2004 e regressou na edição seguinte para um dos concertos mais mortos que eu já assisti. E isto na escala Sting, o que não é de somenos.

4. 2008

À falta de headliners gigantes como nas primeiras edições, a Roberta optou por fazer um cartaz sólido, a parar em todos os apeadeiros. Linkin Park, Offspring e Muse juntos? Ok, aceita-se. Mas Lenny Kravitz, Ivete e Amy Winehouse? Oi? Tokio Hotel e Rod Stewart? Tirando a laca, não estou a ver a relação. Mas a ideia terá sido precisamente essa. Maior espectro, mais gente.
2008 viu o regresso dos Metallica depois do triunfo de 2004 e eles não desiludiram. Contudo, o grande vencedor do festival e um dos melhores concertos da história do Rock In Rio, foi sem dúvida o espectáculo electrizante dos Bon Jovi. Não sei como é que o concerto não foi interrompido pelo Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa, uma vez que a banda das docas de New Jersey pegou fogo ao Parque da Bela Vista.
Freddie Mercury: Bon Jovi. Que show electrizante!
Adam Lambert: Amy Winehouse. Coitada. Se virem o documentário Amy, percebem.

5. 2016

2016 foi uma edição de contrastes. Foi aqui que o Palco Mundo passou a ter 3 bandas por dia. Um insulto à data, para quem estava habituado a ver 4, 5, ou até 6. Mas isso até poderá fazer algum sentido, dirão, se em vez da quantidade se apostar na qualidade. E foi esse o caso em parte desta edição.
O pontapé de saída foi dado por Bruce Springsteen, num desfile triunfal de êxitos depois do sucesso de 2012 e de uma participação especial no set dos Stones em 2014. Os Queen+ Adam Lambert vieram ao segundo dia e pudemos replicar aquele momento histórico no Rio em 1985, com dezenas de milhar de pessoas a cantar Love Of My Life, mas desta feita sem Freddie e com um cantor de cabaret a assassinar a música dos Queen. O que vale é que eu perdoo tudo ao Dr. Brian May.
O segundo fim‑de‑semana foi uma casa de horrores. Começou com o abandono do palco pelos Korn - o nome forte do dia de Metal -, por dificuldades técnicas. Depois de 3 quebras de energia no palco, a banda americana fartou-se da organização e foi-se embora.
Tivemos também Ivete duas vezes, devido ao cancelamento da Ariana Grande no último dia (ultrapassando assim o número de performances de Ivete no Rock In Rio relativamente ao número de edições do Rock In Rio). O festival fechou com uma visão distópica do futuro, com a música “ao vivo” a sair de uma pen e Avicii no palco a desenhar rectângulos com as mãos, a ser o headliner do festival. Assustador.
Freddie Mercury: Bruce Springsteen, pois claro. Avé Boss.
Adam Lambert: Curiosamente, o Adam Lambert de 2016 não foi o Adam Lambert. Nada foi, nem nada podia ser, tão mau como o Avicii.

6. 2014

A edição em que a Roberta queimou o orçamento todo nos Rolling Stones e depois só restou dinheiro para trazer a Ivete e o dançarino gordo dos Take That. Estou a brincar, o Robbie não era grande dançarino. Mas deu um dos melhores concertos desta edição.
2014 foi também a edição dos grandes insultos. Começando pela comunidade hipster, que se sentiu unamimemente insultada por ser obrigada a ir ao "festival das farturas" (estou a citá-los) ver os Arcade Fire. E continuando comigo, que me senti insultado por ver os Queens Of The Stone Age em topo de forma a tocarem 80 minutos, para dar mais tempo ao cabeça de cartaz desse dia... Steve Aoki. Era um bolo nas trombas.
Freddie Mercury: The Rolling Stones. Com participação especial de Bruce Springsteen!
Adam Lambert: Steve Aoki. Não dá. Menos, Roberta. Muito menos. Isto não é o Tomorrowland.

7. 2010

Foi à quarta edição que as coisas começaram a ficar mais tremidas. O número de bandas no palco mundo ficou estabelecido nas 4 e a repetição no cartaz começou a ser uma constante. Shakira e Ivete repetiram o par de 2006 e Muse repetiram 2008, mas agora como headliner. No lado positivo, Elton John foi à Bela Vista corrigir uns mal entendidos e o dia de Metal teve Motörhead e Megadeth "back to back", num dos melhores cartazes "pesados" de sempre do Rock In Rio.
Freddie Mercury: Elton John. Uma lição de como se faz.
Adam Lambert: Muse. Bocejo.

8. 2019

Uma edição curta, comemorativa dos 15 anos do festival. Teve Massena com uma orquestra, teve a inevitável Ivete e teve um concertão de James na Torre de Belém, com um Tim Booth praticamente afónico a dar tudo o que tinha e muito do que não tinha. Teve a desculpa de ser curto e de ser de borla. Considerei isto uma redenção do fiasco de 2018 e espero que 2020 mostre melhoras.
Freddie Mercury: James.
Adam Lambert: A gripe do Tim Booth.

9. 2018

Um cartaz praticamente insultuoso com 3 bandas por dia no Palco Mundo e uma selecção que parece ter sido feita numa tarde. Onde noutros anos pontificaram Bruce Springsteen e Paul McCartney, houve Muse e The Killers. É curto. A Pop ficou bem servida com Bruno Mars e Katy Perry, mas o festival chama-se Rock In Rio. Se é para isto, Roberta, mais vale estares quieta.
Freddie Mercury: Oi?
Adam Lambert: Não sei. Não fui. Caguei

domingo, 19 de janeiro de 2020

NOS Alive ataca a Pop e Rock In Rio volta ao Rock

Quando, no ano passado, o NOS Alive anunciou os nomes de Taylor Swift e Billie Eilish como cabeças do seu cartaz para 2020, as redes sociais do festival explodiram em ira pela alegada rockinriozação do Alive. Percebe-se porquê. Na última década, o Alive explorou a viragem à Pop do Rock in Rio, à EDM do Sudoeste e ao Hip Hop do Super Bock Super Rock, para se cimentar como o melhor cartaz de Rock em Portugal. A única concorrência vinha de Paredes de Coura, mas esse era demasiado pequeno, demasiado longe e demasiado hipster para fazer mossa à máquina trituradora do Alive. No Rock, o Alive era Rei e Senhor.

Contudo, para 2020, o Alive quer mais.

Aparentemente, não foi suficiente ter sugado todo o sumo do Rock ao Rock In Rio, transformando-o numa punchline recorrente de piadas sobre a mercantilização dos festivais e acusações de um Rock In Rio sem Rock, nem Rio. Para 2020, o Alive quer também atacar os alvos Pop, tradicionalmente destinados ao Parque da Bela Vista; e fá-lo num ano em que o autodenominado "maior festival de música do mundo" regressa a Lisboa. Taylor Swift parecia um casamento perfeito com aquela slot historicamente destinada à Britney Spears, Shakira, ou Adriana Grande, mas em vez disso, vai para a slot onde dantes estiveram Arctic Monkeys, Pearl Jam, ou Radiohead. Eu gosto da Taylor Swift, mas não deixa de ser uma evolução bizarra.

Como se não bastasse este ataque à Pop, o Alive apresenta também para a sua edição de 2020 um trunfo do Hip Hop habitualmente apresentado pelo Super Bock Super Rock — Kendrick Lamar. A resposta do SBSR foi A$AP Rocky, mas sente-se que é como quem responde uns Ocean Colour Scene, a uns Oasis. Não é bem o mesmo campeonato. A não ser que venha daí um Kanye West para o Meco, o festival vai ficar claramente a perder.

Com esta aparente viragem à Pop e ao Hip Hop do Alive, o público mais antigo e mais fiel do festival sentiu-se traído. Era óbvio que isto iria acontecer e foi com certeza discutido na organização do festival. Mas tentando ser o mais objectivo possível, o que é que isso lhes interessa? Muito pouco. A verdade é que eles vão atrás do dinheiro. Não há outra maneira de dizer isto e nem é dito em tom jocoso. É um facto. O Alive cresceu a olhos vistos na última década e passou de uma alternativa ao Rock In Rio, ao mais consagrado festival de Portugal. Ganharam o público, penetraram o mainstream e ali se querem estabilizar, uma vez que é no mainstream que estão os sponsors e daí é que vem o dinheiro a sério. E a forma de se perpetuar no mainstream é, teoricamente, seguir os passos do Rock In Rio e conquistar o público da Pop, mais disposto a deixar a nota. "Follow the money", já dizem os americanos.

Mas será que, na prática, esta é mesmo a melhor opção para garantir o sucesso do festival? Não tenho a certeza. Esta viragem tem muitos riscos, começando pelo facto do público da Pop ser extremamente volátil e, ao contrário dos fiéis do Rock, vai-se embora com a mesma facilidade que vem. Mas o Alive está apostado em domar a arte do mainstream sem incorrer no pecado da vulgarização em que se deixou cair o Rock In Rio. Para isso, dá também "uma na ferradura" e vai buscar o mais alternativo Kendrick Lamar. Falta ainda anunciar um headliner e eu aposto que a Everything Is New guardou para o fim um crowd-pleaser o Rock. Os Pearl Jam são uma possibilidade, mas eles estão em Londres nesse fim-de-semana. Aguardemos.

Todos sabemos da parceria do Alive com o Mad Cool e de como os festivais partilharam os cartazes nos últimos anos, muitas vezes apenas trocando os dias. Portanto esta mudança foi concertada, ou pelo menos acordada entre ambas as partes. Falta saber se quem ditou esta viragem foram os portugueses, se os espanhóis. Os primeiros números não são os mais animadores para o Alive. Num ano normal, por esta altura já os passes estariam todos esgotados e os grupos de trocas de bilhetes no Facebook já andariam a ferver com preços ultra-inflacionados. Até ver, anda tudo muito calmo para os lados de Algés.

Ao contrário da Bela Vista.

Nem tudo são más notícias para os roqueiros portugueses. A viragem à Pop no Alive abre o flanco para o regresso do Rock... ao Rock In Rio. Esta semana, o festival de Roberta Medina anunciou o nome de Liam Gallagher (obrigado, Roberta!) para o mesmo dia que Foo Fighters e The National, num cartaz épico, reminiscente das gloriosas edições dos Anos 00. A reacção do público foi imediata e logo no dia a seguir, esgotaram os bilhetes do Continente e os vouchers alocados ao dia do mancuniano, o que fez estalar a polémica nas sociais. Uma polémica das que se querem quando se organiza um festival. — quando toda a gente quer bilhetes e não há. Parece fácil, não é? Resta-nos esperar que o Rock In Rio perceba as dicas do mercado e anuncie nomes que se coadunem com a grandeza do festival e a vontade do público para o resto do cartaz. Bruce Springsteen, pretty please.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Gimme Californication - Venha daí esse novo álbum dos Red Hot Chili Peppers

John Frusciante está de volta aos Red Hot. Coisas boas que Vinte Vinte nos traz. 

Os loucos Anos 20 chegaram em força. Depois da fantástica notícia do regresso de John Frusciante aos Red Hot Chili Peppers em Dezembro passado, Chad Smith aumentou as expectativas, quando confirmou à Rolling Stone que os Red Hot estão a gravar um novo álbum com o seu novo-velho-eterno guitarrista. Significa isto que não será apenas uma reunião "à Guns N' Roses" para rechear a conta bancária, os Red Hot regressam com música nova. Exultem. É uma excelente notícia para começar a década que nos vai subtrair quase todas as lendas do passado. Os nossos ídolos dos anos 60 e 70 vão desaparecer e daqui a 10 anos, só restará o Keith Richards para contar aos poucos que sobreviverão ao apocalipse nuclear que se avizinha. É reconfortante por isso ter os Red Hot de volta à sua máxima força.

Frusciante regressa à banda de onde nunca deveria ter saído. Com ele, os Red Hot eram a banda completa. Cada elemento trazia ao grupo uma palete de influências diferente: Anthony Kiedis, o vocalista, trazia a batida do Hip Hop; Flea, o baixista, trazia o ritmo do Funk; Chad Smith, o baterista, trazia a mão pesada do Rock dos Sabbath e dos Zeppelin; John Frusciante, o guitarrista, trazia o sentido melódico de Elton John e os sons bizarros do Prog e do Psicadélico. Juntos, formaram uma força imparável que tomou os anos 90 em duas fases distintas: no início, com o fervoroso "Blood Sugar Sex Magik" (1991) e no fim, com o épico "Californication" (1999).

Este último foi a banda sonora do meu Liceu. Foi o disco mais tocado na rádio da Associação de Estudantes e o CD mais traficado no auge das cópias (lembram-se?). "Californication" foi ubíquo e unânime - o ponto de ligação entre os quatro cantos do pátio do Liceu. Foi o álbum que conseguiu unir as meninas da Pop aos fãs de Nu Metal (que estava na berra na altura); que conseguiu juntar os defensores da Britpop (como eu), com os que gostavam de Hip Hop. Basicamente, ligaram públicos diferentes da mesma maneira que a banda ligava elementos de influências distintas. O seu impacto foi imenso.

Importa lembrar que "Californication" foi também o álbum que marcou o regresso de John Frusciante aos Red Hot, depois de um interregno na banda entre 1992 e 1998, período em que foi lançado "One Hot Minute" com Dave Navarro na guitarra. Querem ver onde quero chegar, não querem? John foi para as sessões de "Californication" a fervilhar de ideias, apostado em fazer o melhor álbum de sempre dos Red Hot. Vinte anos depois, em 2020, a história repete-se. Repetir-se-á o sucesso? Aguardemos. Até lá, vou esfregando as mãos de entusiasmo. Os reis do Liceu estão de volta. E como rezam as eternas palavras de Keidis: "Come on everybody, time to deliver”. Ou então “ding dang dong dong ding dang dong dong ding dang”.